30/08/2024
Juíza federal reconheceu que a mineradora LARF/MIB não consultou previamente o Quilombo Família Sanhudo, localizado na área de impacto do empreendimento
A juíza federal Adriane Luísa Vieira Trindade, da 1ª Vara Federal Cível de Belo Horizonte, suspendeu a licença ambiental concedida à mineradora LARF/MIB para a exploração de minério de ferro na Serra do Pico Três Irmãos, na divisa entre Mário Campos e Brumadinho. A decisão, expedida no último dia 16, foi fundamentada na ausência, durante o processo de licenciamento, de consulta prévia ao Quilombo Família Sanhudo, situado na comunidade de Tejuco, em Brumadinho, na área de influência do projeto.
A denúncia foi movida pelo Núcleo de Direito Ambiental do Projeto Manuelzão, por meio do Instituto Guaicuy, em parceria com a Federação das Comunidades Quilombolas do Estado de Minas Gerais (N’Golo).
A juíza reconheceu o direito da comunidade quilombola à consulta prévia, livre e informada, conforme garantido pela Convenção 169, sobre povos indígenas e tradicionais, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Também acolheu o pedido de tutela de urgência, determinando a suspensão da licença ambiental e a interrupção imediata de todas as atividades da mineradora.
A tutela de urgência é um instrumento legal que permite à Justiça tomar decisões céleres em casos em que a demora pode causar danos irreparáveis ao processo. Em sua análise, a juíza ressaltou que “o perigo da demora consubstancia-se na iminência da implantação do empreendimento em questão, uma vez que já houve o licenciamento sem a consulta prévia da comunidade de Quilombo Sanhudo”.
A mineradora MIB, do grupo SM Metais, e LARF Consultoria e Administração contam com o apoio do governo de Minas para o chamado projeto Carrapato. A Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam) sugeriu a aprovação das licenças prévia e de instalação por seis anos para a lavra a céu aberto de 1,5 milhão de toneladas de minério de ferro ao ano, em quatro cavas, além da instalação de uma unidade de tratamento de minério. Os rejeitos da operação serão dispostos em uma pilha de estéril.
As licenças foram concedidas em fevereiro deste ano. O empreendimento também obteve autorização para perfurar o aquífero da região para captar a água que será usada na operação.
A Serra do Pico Três Irmãos está entrincheirada pela atividade minerária. Em um pequeno raio, estão explorações da Mineral do Brasil, da Tejucana Mineração, da própria MIB e duas minas da Vale, que serão interligadas pelas cavas do projeto Carrapato: Jangada e Córrego do Feijão. Nesta última está a Barragem 1, que se rompeu em 2019, matando 272 pessoas e destruindo a Bacia do Rio Paraopeba. O projeto da LARF/MIB está a apenas 2 quilômetros do epicentro do desastre-crime.
No parecer em que sugere o deferimento das licenças, a Feam destaca a riqueza da área e a série de impactos que decorreriam do empreendimento. É citada a supressão de vegetação nativa em áreas prioritárias para conservação, considerada de importância biológica “extrema” ou “especial”, além da localização prevista em zona de amortecimento do Parque Estadual Serra do Rola-Moça e da Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço e da Mata Atlântica, em área de drenagem a montante de trecho de curso d’água enquadrado em classe especial e área de alto ou muito alto grau de potencialidade de ocorrência de cavidades.
A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) concedeu, em 2 de fevereiro, as licenças prévia e de instalação ao projeto Carrapato.
A Justiça Federal considerou o licenciamento ilegal por não ter incluído a consulta à comunidade quilombola Família Sanhudo, situada a apenas 2,6 quilômetros da mina, cujos modos de vida seriam diretamente afetados pela atividade mineradora.
Também foram apontadas a falta de consulta ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que deveria ter sido envolvido no processo por ser o órgão responsável pela titulação de terras quilombolas no Brasil.
O Ministério Público Federal (MPF) também se manifestou no caso, solicitando a concessão da tutela de urgência e defendendo o direito do Quilombo Sanhudo à consulta prévia, conforme a Convenção 169 da OIT, que garante aos povos tradicionais o direito de serem consultados em casos de empreendimentos que possam impactá-los.
O MPF ainda expressou preocupação com a expansão da mineração em uma região que já sofre com os impactos do desastre-crime da Vale em 2019, inclusive de falta d’água, mesmo em uma região de abundância hídrica.
Além da ação referente à consulta prévia, outro ponto relevante no enfrentamento ao empreendimento é o processo de proteção patrimonial do Pico Três Irmãos. Em novembro do ano passado, a Câmara Municipal de Mário Campos aprovou o tombamento municipal da cadeia de montanhas. O projeto foi vetado pelo prefeito Anderson Ferreira Alves (PP), mas os vereadores derrubaram o veto. Na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, tramita uma proposta de emenda à Constituição (PEC) da deputada Beatriz Cerqueira (PT) para o tombamento estadual da serra.
O Pico dos Três Irmãos, localizado nos municípios de Mário Campos e Brumadinho, integra o complexo da Cordilheira do Espinhaço, está na zona de amortecimento do Parque Estadual da Serra do Rola-Moça e é composto por três picos que variam entre 1.300 e 1.418 metros de altitude, sendo visível de vários municípios ao redor. A área de Cerrado abriga espécies endêmicas, como a canela-de-ema, que pode alcançar dois metros de altura.
A região possui um patrimônio natural e histórico-cultural significativo, destacando-se pelo seu potencial hídrico, que é crucial para o abastecimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte por abrigar nascentes, ribeirões e córregos essenciais para o ecossistema local.
A economia da área é sustentada pela agroecologia, ecoturismo, turismo rural e de aventura, atividades que geram emprego e renda para a população local. Contudo, a região sofre com frequentes impactos ambientais, como incêndios e exploração por mineradoras. Em resposta, as comunidades têm se mobilizado para preservar o Pico dos Três Irmãos.
Marco Antônio Moreira, advogado e membro da comunidade quilombola Sanhudo, explica que a ação está na fase de impugnação das contestações apresentadas pelo estado de Minas Gerais e pela mineradora. Embora a decisão liminar ainda possa ser contestada, Moreira ressaltou o compromisso de continuar defendendo os direitos da comunidade quilombola, já tão impactada pela mineração.
Diversos grupos, como a Associação Quilombola de Defesa da Serra dos Três Irmãos, a Comissão Pastoral da Terra de Minas Gerais, a Rede Igrejas e Mineração Minas Gerais e o movimento Salve Mário Campos, emitiram uma nota conjunta parabenizando a decisão judicial, destacando a importância da medida para a proteção dos direitos quilombolas, conforme previsto na Constituição Federal.