Justiça Federal suspende licenças da Tamisa para instalar complexo minerário na Serra do Curral - Projeto ManuelzãoProjeto Manuelzão

Justiça Federal suspende licenças da Tamisa para instalar complexo minerário na Serra do Curral

16/12/2022

Decisão do TRF-6 atende pedido do MPF em ação que requeria a nulidade das licenças ambientais por violação aos direitos do quilombo Mango Nzungo Kaiango

[Notícia publicada pela assessoria de comunicação do Ministério Público Federal nesta quinta-feira, 15 de dezembro. A foto da capa é de Leo Souza.]

O Ministério Público Federal (MPF) obteve decisão judicial suspendendo as licenças prévia e de instalação do Complexo Minerário Serra do Taquaril, que foi autorizado pelo Governo do Estado de Minas Gerais para ser instalado na área da Serra do Curral, em área que abrange trechos dos municípios de Belo Horizonte, Nova Lima e Sabará.

A decisão, proferida pelo desembargador federal Álvaro Ricardo de Souza Cruz, do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6), obriga a suspensão imediata de quaisquer atividades realizadas pela mineradora no local, por entender que além, da “flagrante violação do direito à consulta dos quilombolas, fica também evidenciado que o início das atividades de instalação autorizados pelo Estado trazem risco direto e imediato à manifestação existencial da comunidade Manzo”.

O TRF-6 atende, assim, pedido do MPF em ação civil pública ajuizada em junho deste ano. De acordo com o MPF, as licenças concedidas pelo governo estadual são nulas porque foram concedidas sem a indispensável consulta livre, prévia e informada à Comunidade Quilombola Mango Nzungo Kaiango, residente na área de influência do empreendimento, conforme obrigam a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e os artigos 215 e 216 da Constituição Federal.

Patrimônio cultural e imaterial

Manzo Ngunzo Kaiango é uma comunidade quilombola do município de Belo Horizonte, reconhecida pela Fundação Cultural Palmares desde 2007. Atualmente é integrada por 37 famílias, compostas por 182 pessoas. Em 2017, ela foi registrada como Patrimônio Cultural Imaterial de Belo Horizonte, após aprovação unânime do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município, e, em 2018, recebeu o mesmo reconhecimento no âmbito estadual [patrimônio cultural de Minas Gerais], pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha). Ambos os registros, municipal e estadual, ressaltaram a importância da atuação estatal para garantir a manutenção das práticas culturais, religiosas e sociais do quilombo.

No dossiê de registro que a reconheceu como patrimônio cultural de Belo Horizonte, as autoridades municipais destacaram “a importância desses coletivos para uma cidade mais diversificada em Belo Horizonte e, principalmente, o reconhecimento das resistências históricas extraordinárias desses coletivos contra processos de desterritorialização, de violência racial, étnica, religiosa, e cultural, dentre outros processos hostis constituidores da formação das cidades”.

No entanto, segundo o MPF, a comunidade de Manzo foi surpreendida com a notícia, pela imprensa, de concessão das licenças ambientais para a instalação do Complexo Minerário Serra do Taquaril, sem que lhe tivesse sido feita qualquer consulta, pela empresa ou por órgãos do poder público, a respeito do projeto.

O Juízo Federal de 1ª instância havia negado a concessão da liminar requerida pelo MPF, que, então, recorreu ao TRF-6.

Invisibilizados

Em sua decisão, o desembargador federal afirma que “a Administração Pública, ao analisar licenciamento ambiental no qual as atividades examinadas possam impactar a vida dos povos quilombolas, deve consultá-los de maneira específica, conforme a particularidade do caso e das individualidades e tradições de suas comunidades”.

O desembargador também afirma que “a discriminação positiva trazida pela exigência de uma consulta aos integrantes da comunidade Manzo Ngunzo Kaiango não só é lícita, como se faz imperiosa para que os Rostos destas pessoas não sejam invisibilizados, sendo necessário o cumprimento da Convenção. (…) A memória, a religiosidade, a liberdade e cultivo de práticas relacionadas com a natureza, dentre outros elementos, não podem ser desprezados a partir da supressão da consulta e do consenso que a Convenção exige”.

Para o procurador da República Edmundo Antonio Dias, autor da ação e do recurso, “a decisão do TRF6 é o primeiro caso em que a nova corte federal aprecia o direito à consulta prévia, livre e informada, que é uma obrigação que o Brasil assumiu internacionalmente, ao assinar a Convenção 169 da OIT. É uma decisão que, por sua indiscutível importância, tanto na matéria, como pela relevância que tem em Belo Horizonte e em nosso Estado, merece ser reconhecida por sua perfeita harmonia com os paradigmas mais atualizados na matéria”.

Íntegra da decisão.

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