05/09/2024
Desembargador reconheceu falta de consulta prévia à comunidade quilombola de Queimadas, localizada na área de impacto do empreendimento
Uma decisão judicial suspendeu, no último dia 22, o licenciamento ambiental da mineradora Ônix na cidade do Serro, no Vale do Jequitinhonha. O desembargador federal Álvaro Ricardo de Souza Cruz, do Tribunal Federal Regional da 6ª Região (TRF-6), deferiu a ação da Federação das Comunidades Quilombolas do Estado de Minas Gerais (N’Golo) que apontava a falta de consulta prévia ao Quilombo Queimadas, comunidade tradicional que seria impactada pelo chamado projeto Céu Aberto.
A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, determina a consulta livre, prévia e informada a comunidades tradicionais sempre que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-las diretamente.
O desembargador destacou que, no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do empreendimento, atualizado em maio deste ano, a própria mineradora reconhece a proximidade em relação à Queimadas. O quilombo está a 4,4 quilômetros do epicentro do projeto, e a legislação vigente, a Portaria Interministerial 60/2015, estipula um raio de 8 quilômetros como área de influência de empreendimentos pontuais sobre comunidades tradicionais.
Além disso, o Estado de Minas Gerais, também réu no processo, admitiu que o componente quilombola não foi devidamente analisado, pois assumiu erroneamente que não haveria impacto sobre a comunidade. Com a decisão, a continuidade do licenciamento fica condicionada à realização da consulta prévia.
A Ônix solicita uma licença ambiental concomitante, que engloba a análise das três licenças exigidas para um empreendimento (licença prévia, de instalação e de operação), mas expedidas de uma só vez.
O projeto prevê a lavra a céu aberto de 300 mil toneladas de minério de ferro por ano — em uma cava de tamanho equivalente a 3,5 campos de futebol —, a instalação de uma unidade de tratamento de minerais (UTM) com tratamento a seco e a disposição dos rejeitos em uma pilha de estéril com área de quase 18 mil m². A exploração seria realizada a aproximadamente 4 quilômetros do centro histórico de Serro e é projetada a criação de 98 empregos.
A cidade do Serro é alvo de projetos minerários há mais de uma década, com empresas como Anglo American, Herculano Mineração e Minermang tentando se estabelecer na região. A Ônix Mineração é mais uma delas.
A Herculano foi a primeira a solicitar licença para exploração de minério de ferro na região, mas também amargou decisões contrárias por não realizar a consulta prévia à comunidade de Queimadas. Em junho, a mineradora chegou a realizar uma audiência pública, referente a seu licenciamento, desrespeitando outra decisão da Justiça Federal, de outubro do ano passado, que havia suspendido o processo.
Desde que entrou com o pedido de licenciamento, em novembro de 2021, a Ônix é acusada de irregularidades e omissões diversas. Um estudo do Grupo de Estudo em Temáticas Ambientais (Gesta) da UFMG, divulgado em agosto, apontou a falta de informações sobre a localização do empreendimento, os impactos nas comunidades locais, a manutenção da pilha de rejeitos, o uso da água e a emissão de partículas.
Além disso, uma análise do professor Gustavo Soares Iorio, coordenador do Laboratório de Estudos em Geopolítica do Capitalismo (Legec) da Universidade Federal de Viçosa (UFV), em conjunto com o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), indicou que o projeto da Ônix está fora da zona especial de exploração mineral (ZEM), conforme definido pelo Plano Diretor do Serro, que restringe a mineração a áreas que já possuem concessão de lavra.
O professor destaca a ausência de informações detalhadas sobre o uso da água, o que pode impactar o Rio do Peixe, o Córrego Siqueira e outros afluentes do Rio Guanhães, tributário da Bacia do Rio Doce, severamente impactada pelo rompimento da barragem da Samarco/Vale/BHP Billiton em Mariana, em 2015. Segundo ele, o projeto da Ônix pode, novamente, violar o Plano Diretor, especialmente nas diretrizes que tratam da preservação de mananciais, nascentes, cursos d’água e o abastecimento da população.
Até o momento da publicação desta matéria, a mineradora Ônix não havia recorrido da sentença.
Desde a decisão da Justiça Federal exigindo a consulta prévia, a comunidade quilombola de Queimadas relatou receber ameaças de morte e outras formas de violência física e simbólica por parte de fazendeiros, servidores públicos, empregados das mineradoras e políticos locais. Lideranças contrárias à mineração e apoiadores da comunidade já sofriam ameaças pelo menos desde março deste ano, em disputas envolvendo o licenciamento da Herculano.
Em nota, a comunidade afirmou que “o movimento quilombola denunciou os crimes cometidos aos diversos órgãos integrantes do Sistema de Justiça e, até o presente momento [28 de agosto], nenhuma providência concreta foi tomada para assegurar o respeito ao direito à vida e à integridade física e moral das lideranças quilombolas que atuam na luta pelo respeito ao direito à consulta livre, prévia, informada e de boa-fé.”
Diante dessa situação, a Federação N’Golo, com apoio do Projeto de Extensão da PUC-Minas “A luta pelo reconhecimento dos direitos fundamentais das comunidades remanescentes de quilombo”, convocou uma reunião virtual para o próximo dia 14, às 10h. O encontro tem como objetivo discutir a apresentação de uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos contra o Estado brasileiro, pela omissão em garantir a segurança e os direitos das lideranças quilombolas.