Justiça federal suspende licenciamento da mineradora Herculano na cidade de Serro - Projeto ManuelzãoProjeto Manuelzão

Justiça federal suspende licenciamento da mineradora Herculano na cidade de Serro

24/10/2023

Empresa não consultou o Quilombo de Queimadas, localizado na área de impacto do projeto, descumprindo exigências do processo

A 4ª turma do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6) decidiu por 3 votos a 0 suspender o licenciamento da mineradora Herculano para seu projeto na cidade tricentenária de Serro, a 325 quilômetros de Belo Horizonte. No último dia 11, os desembargadores julgaram procedente a ação civil pública (ACP) da Federação das Comunidades Quilombolas do Estado de Minas Gerais – N’Golo que exigia assegurar, no processo de licenciamento, o respeito do direito à consulta livre, prévia, informada e de boa-fé da comunidade quilombola de Queimadas, sediada na área de influência do projeto.

A mineradora Herculano tentava, desde o último ano, “atropelar” o processo. Ela tentou partir diretamente para a realização das audiências públicas, exigidas no licenciamento, para apresentar o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) às comunidades, antes de consultar o quilombo que seria impactado pelo empreendimento. Em agosto de 2022, uma audiência pública foi cancelada por esse motivo após uma ACP movida pelo Instituto Guaicuy, organização de apoio às atividades do Projeto Manuelzão.

A decisão do TRF-6 foi de manter a suspensão do licenciamento ambiental até a realização do Estudo do Componente Quilombola, com a participação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e da Fundação Cultural Palmares, e a obrigatoriedade do estabelecimento de diálogo com a comunidade quilombola. Todos os estudos técnicos e manifestações dos órgãos públicos, federais, estaduais e municipais, responsáveis pela proteção dos bens culturais e ambientais diretamente afetados pelo empreendimento devem ser apresentados antes da realização da audiência pública.

O veredito é respaldado pelo artigo 6º da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que prevê que as comunidades tradicionais devem ser previamente consultadas cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis a afetá-las diretamente. Tais normas foram internalizadas ao direito brasileiro como supralegais, ou seja, acima de qualquer legislação ordinária e abaixo somente da Constituição, por se tratar da defesa dos direitos humanos de comunidades tradicionais.

Advogado da Federação N’Golo, Matheus Leite explica que “a mineradora insiste em negar a existência da comunidade quilombola de Queimadas; em sustentar que não há provas de que o empreendimento minerário irá afetar o território quilombola; em defender a tese jurídica de que a obrigatoriedade da consulta de restringe às comunidades quilombolas com RTID [Relatório Técnico de Identificação e Delimitação] aprovado pelo Incra”.

Ele aponta as contradições dos argumentos: “A existência da comunidade quilombola de Queimadas e os impactos do empreendimento ao território são comprovados pelo Estudo de Impacto Ambiental, elaborado por consultoria ambiental contratada pela própria mineradora, que reconhece que a comunidade quilombola de Queimadas está na Área de Influência Direta do empreendimento minerário”. E critica a Herculano: “A postura da mineradora é hipócrita e cínica”.

A luta continua

Juliana Deprá, que compõe o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), acredita que essa vitória é de extrema importância não só na defesa das comunidades quilombolas do Serro, mas também para as comunidades de todo o estado. Contudo ela adverte: “É uma vitória muito importante, mas sabemos que a luta continua.” Ela diz isso pois outro julgamento se aproxima: em  24 de outubro, a 3ª turma do TRF-6 se reúne para avaliar o projeto Céu Aberto, da mineradora Ônix, que também tenta se instalar no Serro.

“A nossa luta não é apenas para garantir a consulta prévia das comunidades, é também pelo direito de dizer não e que esse não seja respeitado tanto pelas mineradoras quanto pelo poder público”, conclui Juliana.

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