Justiça suspende obras de estrada de escoamento de minério em São Gonçalo do Bação – Projeto Manuelzão

Justiça suspende obras de estrada de escoamento de minério em São Gonçalo do Bação

18/12/2025

Decisão judicial aponta riscos ambientais e falhas no licenciamento da via

Igreja de São Gonçalo do Bação, elevada à capela em 1882. Foto: Ferdinando Silva.

A Justiça de Minas Gerais determinou a suspensão imediata das obras da estrada municipal ITA-300, em São Gonçalo do Bação, distrito de Itabirito, ao deferir pedido de tutela provisória de urgência em Ação Civil Pública (ACP) movida pela Associação Comunitária de São Gonçalo do Bação. A decisão foi proferida nesta quarta-feira, 17, pela juíza Vânia da Conceição Borges, da 1ª Vara Cível, Criminal e da Infância e da Juventude da Comarca de Itabirito.

A magistrada suspendeu todos os Documentos de Autorização de Intervenção Ambiental (DAIA) emitidos pelas secretarias municipais de Meio Ambiente e de Desenvolvimento Sustentável de Itabirito para a implantação da ITA-300 e das vias de ligação entre a estrada e a BR-040. Também determinou a interrupção de qualquer intervenção, obra, supressão de vegetação ou movimentação de solo, inclusive o uso de canteiros e áreas de apoio, até o julgamento final da ação ou a obtenção de licença ambiental regular, sob pena de multa diária.

Na decisão, a juíza rejeitou o pedido da Bação Logística S/A para indeferir a tutela, alegando falta de legitimidade da associação autora. Segundo a magistrada, a legislação garante legitimidade ativa às associações civis que tenham entre suas finalidades institucionais a proteção do meio ambiente e do patrimônio cultural, desde que constituídas há pelo menos um ano, requisito atendido pela entidade comunitária.

Estrada e terminal: vínculo que exige licenciamento

Ao analisar o mérito, a juíza apontou indícios consistentes de ilegalidade no licenciamento da obra viária. Um dos elementos centrais foi o Termo de Cooperação Técnica firmado entre o município de Itabirito e a Bação Logística. Embora o documento mencione interesse coletivo, ele impõe à empresa a obrigação de pavimentar e manter a estrada, o que, segundo a decisão, “pode, em tese, configurar uma vinculação funcional do bem público a um empreendimento privado”.

A magistrada destacou ainda que o próprio termo afirma que “não há possibilidade de operar o empreendimento antes das melhorias previstas”, o que indica interdependência entre a estrada e o Terminal Ferroviário de Bação (TFB). Esse vínculo, segundo a decisão, atrai a aplicação da Deliberação Normativa COPAM nº 217/17, que exige licenciamento ambiental adequado e, a depender do enquadramento, Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA).

Área visada para a instalação do terminal minerário fica a pouco mais de 1 km do centro de Bação. Foto: Matheus Dias/Projeto Manuelzão.

Para a juíza, a probabilidade do direito alegado pela associação também se sustenta nos riscos ambientais e patrimoniais decorrentes da suposta insuficiência dos estudos que embasaram a autorização municipal. A eventual dispensa de EIA/RIMA, caso confirmada a interdependência entre estrada e terminal, violaria os princípios da prevenção e da precaução, pilares do direito ambiental.

Fragmentação da obra e competência estadual

A ACP sustenta que a prefeitura fragmentou ilegalmente a estrada em trechos inferiores a 10 quilômetros para evitar o enquadramento obrigatório previsto na legislação ambiental, classificando a intervenção como “não passível de licenciamento”. Para a associação, trata-se de uma manobra para burlar o licenciamento, uma vez que a estrada possui cerca de 12 quilômetros e é infraestrutura indispensável ao terminal minerário.

“Enquanto a estrada não estiver instalada, não pode haver operação”, afirma o advogado Caio Damazio, representante da associação. “A construção já começou com uma série de irregularidades. Não se trata de uma simples estrada municipal, mas de uma via de escoamento de minério, o que exige licenciamento estadual”, sustenta.

Essa caracterização foi reforçada por visita técnica realizada em 5 de dezembro, que reuniu moradores, representantes do Projeto Manuelzão, da associação comunitária, da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) de Itabirito, da da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e o mandato da deputada Bella Gonçalves (Psol). No local, foram identificadas intervenções que consolidam a estrada como rota direta de transporte de minério, conectando o TFB à BR-040.

Casarão de D. Divina, local onde está instalado o projeto Memória da agulha do Distrito. Foto: Ferdinando Silva.

Operação Rejeito e cautela judicial

A decisão também menciona informações trazidas pelo Núcleo de Direito Ambiental do Projeto Manuelzão sobre a Operação Rejeito, da Polícia Federal, que investiga irregularidades no licenciamento ambiental em Minas Gerais. Embora a juíza ressalte que se trata de investigação criminal e, portanto, não integra diretamente o processo cível, ela afirma que os fatos exigem análise cautelosa, pois fragilizam a presunção de legalidade dos atos administrativos questionados.

Segundo a magistrada, a tutela não se baseia em conjecturas, mas em um conjunto de documentos que revelam indícios de fragmentação indevida, falhas nos estudos técnicos e possíveis vícios de finalidade nos atos administrativos, em prejuízo da proteção ambiental e cultural.

O conflito em torno do terminal ferroviário remonta a 2018, quando moradores denunciaram impactos ambientais e tentativas de licenciamento simplificado. Após intervenção do Ministério Público, o empreendimento foi reclassificado para categoria de maior impacto. Em fevereiro deste ano, a Feam concedeu licença concomitante (LAC2) válida até 2035, condicionando a operação às “melhorias” na ITA-300 — justamente a obra agora suspensa.

Na última terça-feira, 16, o Núcleo de Direito Ambiental do Manuelzão protocolou pedido para atuar no processo como assistente litisconsorcial ou, subsidiariamente, amicus curiae, com base nos artigos 124 e 138 do Código de Processo Civil. A ação possui elevada relevância ambiental, social e coletiva e a atuação do Núcleo pode contribuir com subsídios técnicos e jurídicos à decisão. O advogado da Associação do Bação, Caio Damazio vê com bons olhos essa atuação, ressaltando que a luta ambiental requer parcerias como essas, para enfrentamentos mais fortes.

Com o deferimento da tutela de urgência, as obras ficam paralisadas até nova deliberação judicial, reforçando o entendimento de que intervenções associadas a grandes empreendimentos não podem avançar sem licenciamento ambiental completo e transparente.

“Achei o deferimento judicial muito positivo, muito sóbrio, muito técnico”, afirma o advogado. “Realmente sendo pautada pelos princípios do Direito Ambiental, pelo risco de danos, pelos indícios muito fortes de irregularidades. Acredito que a Bação Logística vá recorrer ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais e, caso ela o faça, nós vamos discutir também sobre o nosso ponto de vista”.

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