22/05/2017
O rio, onde já foram injetadas fortunas para despoluição, é assoreado e degradado por descarte irregular de restos de obra contaminados por rejeitos domésticos e outros poluentes.
Os aterros da região
metropolitana que recebem de Belo Horizonte resíduos da construção civil
contaminados por lixo doméstico e outros poluentes ameaçam também mananciais
importantes, como o Rio das Velhas, o segundo maior afluente da Bacia do São
Francisco em volume de água – e onde foram investidos somente pela Copasa cerca
de R$ 1,6 bilhão em despoluição desde o início dos anos 2000. Em Santa Luzia e
em Sabará, atividades irregulares de transportadores de caçambas e donos de
aterros trazem ainda mais degradação ao curso d’água já atacado pela poluição
doméstica e industrial da Grande BH.
Em dois empreendimentos nesses
municípios, a equipe do Estado de Minas flagrou o ingresso clandestino de
entulho contaminado com restos de poda e lixo. Movimentada pelos caminhões de
17 empresas, a dinâmica frenética de despejo sem qualquer critério, muitas
vezes na calada da noite e usando de ameaças para calar a vizinhança, vai
engolindo aos poucos o Velhas e outros cursos d’água.
Numa das curvas do rio, no Bairro
Borges, em Sabará, um desastre ambiental causado pela máfia dos depósitos
irregulares de entulho só desperta impunidade e incentiva que mais material
seja jogado irregularmente. Parte da estrutura de um aterro desativado
desmoronou, há dois anos, roubando uma faixa de 8.700 metros quadrados do curso
d’água, reduzindo sua calha a menos da metade da largura original, que no
trecho passou de 52 metros para 23 metros. Mas, mesmo com o fechamento desse
empreendimento, a falta de fiscalização permitiu que detritos diversos
continuassem a ser empilhados nas margens, tornando o rio mais raso e comprimido.
Em dois pontos apareceram novos
espaços para o despejo irregular de entulho, lixo, resíduos químicos,
solventes, tinta, móveis, podas, embalagens plásticas, peças de automóveis e de
eletrodomésticos. O primeiro e maior deles fica ao lado de um depósito de
paletes às margens da BR-381. São inúmeros montes de entulho que se precipitam
de um abismo de 15 metros para dentro do Rio das Velhas, soterrando sua calha
aos poucos.
“Daqui da minha casa consigo
ouvir o barulho, à noite, dos caminhões despejando as caçambas. É aquela
quebradeira de ladrilhos e de outros materiais e o barulho daquilo caindo
dentro da água”, conta um morador do Bairro Capitão Eduardo, que fica em Belo
Horizonte, do outro lado da margem, de onde assiste a esse assoreamento
desenfreado sem conseguir resposta das autoridades ambientais. “Já denunciei na
Prefeitura de BH e disseram que tinha de ser em Sabará. Denunciei ao meio ambiente
(Polícia Ambiental), mas não pegaram ninguém”, afirma. Um dos prejuízos
imediatos da situação é que, como o rio tem ficado mais estreito, nas chuvas as
águas estão engolindo e destruindo áreas na margem belo-horizontina.
RISCO E OMISSÃO
Vizinhos do espaço dizem ser
ameaçados pelos caçambeiros que jogam o entulho diretamente no rio. “Uma vez, o
caçambeiro me viu filmando e ficou me ameaçando. A gente não tem coragem de
mexer com esse povo, porque avisamos à polícia e eles não fazem nada”, disse o
dono de uma empresa nas proximidades.
No terreno ao lado, onde há
várias casas e caminhões, o entulho também foi se acumulando até aterrar uma
grande área do rio. A reportagem procurou a dona do espaço, que não se
identificou, mas indicou o filho para prestar esclarecimentos. O homem chegou
dirigindo um caminhão e se identificou apenas como Fábio. Limitou-se a dizer
que não poderia falar nada sobre a situação, pois teria sido “instruído” a não
fazer isso. “Você já viu uma draga que tem ali do outro lado do Rio das Velhas?
Pois é, aquela draga funciona o dia inteiro e quando vem a chuva o rio acaba
desmoronando os barrancos do meu terreno. Se eu não jogar terra na beira aqui,
como é que vai ficar o meu terreno? O rio vai comer ele todo? Os órgãos
ambientais não me dão licença de aterrar e aí fica complicado”, disse,
admitindo assim que a atividade é clandestina.
Química ameaça recarga do lençol
A área de recarga de aquíferos e
de lençóis freáticos que abastece o Rio das Velhas pode ser contaminada por
vários depósitos que recebem resíduos químicos e orgânicos descartados
irregularmente junto ao entulho, sem que a fiscalização impeça. Em Santa Luzia,
a pouco mais de 100 metros de distância da margem do Rio das Velhas, um aterro
que só poderia receber resíduos sólidos de tipo A, ou seja, materiais como
restos de tijolos, blocos, telhas, placas de revestimento e argamassa, tem
recebido pneus, latas de tinta, poda, restos de brinquedos plásticos, móveis e
todo tipo de detrito que pode contaminar as águas subterrâneas.
Os caminhões de caçambas chegam
ao empreendimento, que tem cerca de 10 hectares e onde o material é usado com a
finalidade de aterro. Mais uma vez a triagem não serve para garantir que apenas
o que é correto seja aterrado. Somente separa materiais mais valiosos, como
peças de metal, para a reciclagem. Sem uma triagem mais criteriosa, todo o
material contaminante acaba sendo coberto por destroços e terra limpa. O
encarregado que foi encontrado na portaria do empreendimento e que se
identificou apenas como Adílson acabou admitindo a falta de critério na
separação: “A gente não recebe lixo, não. Mas se vier coisa no meio do entulho
fica difícil de saber e de separar”.
O Estado de Minas procurou o
proprietário da área, chamado Daniel Marques, que se declarou surpreso com as
informações, pois disse que o empreendimento está arrendado para outra firma
administrar, enquanto aterra a área para a futura construção de um condomínio
industrial. “Tenho um acordo com a empresa e segundo ele nem caçambas poderiam
ingressar no espaço, pois isso pode inviabilizar a obra futura. Menos ainda
material contaminado. Vou convocar uma reunião urgente para resolver essa
situação, pois tenho um contrato com responsabilidades e multas previstas”,
afirmou.
Prefeituras e estado prometem
fiscalizar
A Prefeitura de Vespasiano por
meio da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Serviços Urbanos, informou que
o aterro visitado na cidade pelo EM está em desconformidade com a licença
ambiental. A Polícia Militar de Meio Ambiente já esteve no local e a
fiscalização do município notificou o proprietário. Foi dado um prazo de 10
dias, contados a partir de 18 de maio, para que sejam feitas adequações. Caso
isso não ocorra a licença será caçada.
De acordo com a Prefeitura de
Contagem, o aterro do Bairro São Sebastião tem autorização para receber todo
tipo de material, desde que faça triagem, sendo que o lixo ou resíduo orgânico
tem de ser separado e depositado em aterro sanitário. “A permanência desses
resíduos por mais tempo do que o permitido pode resultar em sanções. Foi feita
uma fiscalização no local em 19 de abril e não foram encontradas
irregularidades.”
Ainda segundo o município, há
duas condicionantes que o empreendedor precisa cumprir: apresentação de laudo
do Corpo de Bombeiros e alvará de localização e licenciamento atualizado. “No
entanto, em 25 de abril o empreendedor entrou com pedido de prorrogação do
prazo por mais 30 dias para apresentação dos documentos, o que foi concedido”,
acrescentou. A prefeitura afirma que nova fiscalização será feita no aterro e
que, caso sejam constatadas irregularidades, serão lavrados autos de infração e
o empreendimento pode ser fechado. Também foi solicitado que a empresa
apresente um laudo que ateste a capacidade de recebimento de mais material
inerte.
A Prefeitura de Ibirité informou
que os dois aterros visitados pelo EM na cidade estão licenciados, mas que nova
vistoria será realizada nesta semana. “A Secretaria Municipal de Meio Ambiente
também tem procurado trabalhar em conjunto com a Polícia do Meio Ambiente e a
promotoria da área para minimizar esses impactos ambientais”, informou.
No caso de Sabará, a prefeitura
informou que vai fiscalizar os aterros, inclusive com auxílio da PM ambiental.
A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável se
comprometeu a vistoriar as situações denunciadas pelo EM.
A Secretaria Municipal Adjunta de
Fiscalização de Belo Horizonte esclarece que, para coibir a prática de
deposição clandestina de resíduos de grandes volumes são realizadas “blitzes
punitivas e educativas, inclusive nos finais de semana, nos grandes corredores
viários da cidade, abordando transportadores de resíduos, como caminhões e carroças”.
Durante a abordagem, o fiscal verifica se o veículo e a empresa têm autorização
da PBH, o tipo de resíduo que está transportando, se está devidamente coberto
por lona e se o veículo está no trajeto de destino do despejo. Em caso de
descumprimento, o veículo e a empresa são autuados.
Até o fechamento desta edição, a
Prefeitura de Santa Luzia, onde também há aterros irregulares, não se
manifestou sobre a situação.