Maioria dos mineiros é a favor da Copasa como empresa públicaProjeto Manuelzão

Maioria dos mineiros é a favor da Copasa como empresa pública

16/09/2025

Companhia continua na mira do governo, mesmo autossustentável e próxima de alcançar até 2033 a universalização do saneamento prevista pelo novo marco legal

[Matéria de Cláudia Marques publicada nas páginas 14 e 15 da Revista Manuelzão 95, na editoria Em que pé que tá?; republicamos aqui com algumas edições para adaptar o texto ao formato do site. Acesse a edição 95 e as edições anteriores da Revista Manuelzão através deste link.]

Garantir o acesso à água potável e ao saneamento básico é um dos maiores desafios do Brasil, país que convive com profundas desigualdades sociais e regionais. A aprovação do novo Marco Legal do Saneamento Básico, em 2020, estabeleceu metas ambiciosas para o setor: 99% de cobertura de água potável e 90% de esgoto tratado até 2033. A implementação da política, contudo, é marcada pelo ritmo abaixo do esperado e pelo avanço das privatizações e de seus problemas em relação ao acesso à água, à qualidade dos serviços e às tarifas cobradas.

Em Minas Gerais, o governo de Romeu Zema (Novo) intensificou a pressão pela privatização da Copasa, uma das mais bem avaliadas companhias estaduais de saneamento do país. A proposta é criticada por especialistas, servidores e movimentos sociais e rejeitada pela maior parte da população mineira. Também nada contra a tendência mundial de reestatização, reflexo do aumento desproporcional dos preços e da piora dos serviços. 

O Instituto Trata Brasil adverte que os números atuais indicam que cerca de 32 milhões de brasileiros continuam sem acesso à água potável e mais de 90 milhões não têm coleta e tratamento de esgoto. Os críticos apontam que o modelo de privatização é incompatível com a universalização, especialmente em regiões menos rentáveis. A Região Norte, por exemplo, recebeu apenas 5% dos investimentos até então desde a aprovação do marco.

“Privatizar o saneamento pode ser muito danoso para os direitos humanos, principalmente para os mais pobres, ao aumentar tarifas e comprometer a acessibilidade econômica”, alerta Léo Heller, professor de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFMG, integrante do Centro de Pesquisa René Rachou da Fundação Oswaldo Cruz, e ex-relator para o Direito Humano à Água e ao Esgotamento Sanitário da ONU entre 2014 e 2020.

Esse efeito já é evidente em alguns lugares. Em Ouro Preto, a concessão do saneamento básico levou a reajustes tarifários de quase 200%, prejudicando principalmente a população de baixa renda, como mostramos na Revista Manuelzão 93. No Rio de Janeiro, após a privatização da Cedae, a Companhia Estadual de Águas e Esgotos, as tarifas subiram, mas a universalização dos serviços continua distante.

Presente em 640 cidades, a Copasa apresenta índices de desempenho que superam a média nacional. Atualmente, 99,4% dos imóveis em sua área de atuação têm acesso à água tratada, 90,5% contam com coleta de esgoto e 71,9% têm o esgoto tratado. Os números demonstram que a estatal mineira está próxima de atingir as metas do Marco Legal do Saneamento. No ano passado, a revista americana Time considerou a Copasa a melhor companhia de saneamento brasileira em crescimento sustentável.

Apesar disso, o governo Zema apresentou à Assembleia Legislativa projetos para viabilizar sua privatização. A medida enfrenta resistência popular. Uma pesquisa da Quaest realizada em dezembro do último ano mostrou que 51% dos mineiros rejeitam a venda da Copasa, 37% são favoráveis e 12% indecisos. Mesmo entre os eleitores de Zema a taxa de desaprovação da proposta é maior.

Para Lucas Tonaco, dirigente de Comunicação do Sindágua, sindicato dos trabalhadores da Copasa, a proposta de privatização desconsidera o papel estratégico da Copasa. “A Copasa, enquanto pública, já é referência no setor. Privatizar significa priorizar o lucro, agravando problemas estruturais e desconsiderando a inclusão de áreas menos rentáveis”, avalia. 

Tonaco também denuncia um processo de desmonte da companhia. “Nos últimos dois anos, pelo menos 2 mil empregados saíram por demissões ou planos de desligamento voluntário. Essa redução compromete os serviços e pode ser usada como justificativa para privatizar.”

O cenário internacional, como mostramos na Revista Manuelzão 94, oferece exemplos sobre os riscos e limitações da privatização no setor de saneamento. No Reino Unido, empresas privadas foram responsáveis por episódios de poluição de rios e mares, enquanto as tarifas subiram em média 40% em uma década. Casos como esses fizeram com que mais de 1.600 cidades em 45 países decidissem reverter a privatização de seus serviços de água entre 2000 e 2017, de acordo com dados do Instituto Transnacional.

Paris, Berlim e Buenos Aires estão entre as capitais que remunicipalizaram o abastecimento, reduzindo tarifas e ampliando investimentos em infraestrutura. No Brasil, municípios como Marília e Ourinhos, em São Paulo, caminham na mesma direção, em resposta a tarifas abusivas, corrupção e serviços insatisfatórios. “Quando a lógica do lucro domina a gestão da água, as prioridades mudam. Áreas menos lucrativas são deixadas de lado, e a qualidade do serviço cai”, sublinha Tonaco.

Outro ponto importante é o impacto da privatização na preservação ambiental. Empresas públicas como a Copasa desempenham papel importante na recuperação de mananciais e revitalização de cursos d’água, ações essenciais para garantir segurança hídrica em um contexto de mudanças climáticas.

“Na emergência climática, espera-se que o prestador trabalhe com planos de adaptação, mitigação e prevenção. No entanto, empresas privadas podem se eximir dessas responsabilidades”, alerta Léo Heller. “Sem planejamento adequado”, complementa Lucas Tonaco, “a gestão privada ignora ações preventivas como a preservação de mananciais e aquíferos, o que aumenta os riscos de crises hídricas”.

A tendência mundial é de fortalecimento de modelos públicos em que a água, mais do que mercadoria, é entendida como direito humano fundamental. Neste caso, sua gestão deve priorizar o acesso universal, preços justos e a preservação ambiental. “Reverter o processo e a lógica das privatizações é essencial para garantir que a água seja um direito e não um privilégio”, sintetiza Heller.

Para que não se pense que essa visão é compartilhada por todos, o presidente da agora privatizada Sabesp, a Companhia de Saneamento Básico de São Paulo, deixou clara a nova posição da empresa ao romper contratos que previam descontos para hospitais, museus e outros grandes consumidores. “A Sabesp não é mais controlada pelo Estado. Quem tem que fazer essa política pública é o Estado”, disparou Carlos Piani em entrevista à Folha de São Paulo em dezembro de 2024. 

O desafio do Brasil nesse tabuleiro é encontrar um equilíbrio que permita a captação de investimentos que viabilizem avançar rápido na universalização do saneamento, sem sacrificar os direitos da população em função do lucro privado. O embate pela Copasa em Minas é um dos casos de uma disputa maior, que definirá o futuro da água no país.

Perspectiva de universalização

A Copasa é historicamente autossustentável, tem considerável capacidade de investimento e adere a tarifas sociais e práticas de sustentabilidade e governança. Com o objetivo de universalizar o saneamento em sua área de cobertura, a companhia prevê investir R$ 16,9 bilhões entre 2025 e 2029, começando com R$ 2,54 bilhões neste ano.

Destaca-se a ampliação da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) do Ribeirão do Onça, em BH, que terá sua capacidade expandida de 1.800 l/s para 2.700 l/s. A previsão de início das obras é 2026, com duração de seis anos, ao custo de R$1 bilhão. Já o projeto Água dos Vales mobiliza investimentos de 3,5 bilhões para ampliar redes de água e esgoto e saneamento rural, nos Vales do Jequitinhonha e do Mucuri e em parte do Norte de Minas.

Na área ambiental, o Pró-Mananciais, programa de proteção e recuperação das nascentes, investiu R$ 39,7 milhões em 2023, com 35 mil mudas plantadas e 696,5 mil metros de cercamento de Áreas de Proteção Ambiental. 

Além disso, cerca de 630 mil famílias são beneficiadas pela tarifa social em Minas, com a redução de até 50% no valor da conta de água e esgoto. 

Página Inicial

Voltar