Mais efetivas e baratas, soluções ecológicas para lidar com enchentes urbanas continuam deixadas de ladoProjeto Manuelzão

Mais efetivas e baratas, soluções ecológicas para lidar com enchentes urbanas continuam deixadas de lado

15/01/2021

Obras de engenharia, diante de situações de emergência, há anos afastam o foco de investimentos no cuidado com os cursos d’água e na convivência harmoniosa da cidade com eles

No período chuvoso do verão, cenas de enchentes, transbordamentos de rios e deslizamento de encostas há muitos anos tornaram-se uma realidade em Belo Horizonte. O grande volume de chuvas registrado no último ano fez com que os trágicos eventos fossem observados também na região Centro-sul, mas em regiões como Venda Nova, Barreiro e Oeste esse problema é histórico. A pergunta que fica é: por que os gestores e legisladores repetidamente ignoram soluções efetivas e duradouras para um convívio harmonioso da cidade com suas águas?

Além de tragédias e destruição, o flagrante despreparo da malha urbana de Belo Horizonte para suportar as chuvas de início do ano, mobilizou, por fim, ações de maior alcance sobre a relação da cidade com seus cursos d’água.

Em fevereiro de 2020, passou a vigorar em Belo Horizonte, o novo Plano Diretor da capital mineira. Dentre várias determinações, o dispositivo proíbe novas canalizações de rios na cidade. Luta histórica do Projeto Manuelzão, a iniciativa é considerada um primeiro passo na construção de um novo modelo de cidade. Mas ainda há muito a ser feito.

De acordo com a Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), dos 654 quilômetros da malha fluvial de Belo Horizonte, 208 estão escondidos sob ruas, avenidas e construções. Em vez de integrar os cursos d’água à cidade, a Sudecap tem avançado na construção de reservatórios profundos, piscinões e bacias de contenção nas regiões do Barreiro e Venda Nova. A previsão de orçamentária chega a 300 milhões de reais até 2023.

O caminho das obras de engenharias é o contrário do seguido por cidades como Curitiba, no Paraná e de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, tidas como exemplos bem-sucedidos no tratamento de suas redes fluviais.

Lógica equivocada no emprego de esforços

Também em fevereiro de 2020, o Projeto Manuelzão, junto de mais de 20 organizações, apresentou à Câmara Municipal de Belo Horizonte “10 propostas para lidar com as enchentes em BH”. No documento, os signatários destacam que as dificuldades em lidar com a diversidade hídrica na capital mineira ocorre menos pela falta de investimentos e mais pela lógica equivocada do empenho dos recursos públicos.

Apenas para lidar com os estragos do último ano, o prefeito de BH, Alexandre Kalil, anunciou que destinaria uma verba entre R$ 300 milhões e R$ 400 milhões para reconstrução da cidade.

Para os pesquisadores que elaboraram as propostas, atuantes nas áreas de arquitetura e urbanismo, mobilidade urbana, águas e saneamento, é necessário entender a geologia da cidade, de alta altitude, para elaborar soluções efetivas de drenagem.

O primeiro passo apontado é a criação de cordões de recuperação de áreas permeáveis, iniciando pelas regiões mais elevadas em direção ao fundo de vale, diminuindo assim a pressão hídrica sobre as partes mais baixas e a aplicação do princípio previsto no Código Florestal Brasileiro de preservação do terço superior dos morros para recuperação hídrica dos cursos d’água.

Outras medidas prioritárias são o investimento no tratamento de cursos d’água e a criação de parques ciliares, a criação de corredores ecológicos e áreas verdes: os mais de 70 parques de BH podem ser ligados para criar uma rede de conexões verdes e de fundos de vale. Além de menos onerosas do que as soluções de concreto, as ações são apontadas como capazes de aumentar a permeabilidade do solo, diminuir a velocidade com que a água chega aos fundos dos vales e mesmo possibilitar uma relação lazer e bem-estar da população com seus cursos d’água.

O projeto Manuelzão começa o ano de 2021 reforçando o convite à população de Belo Horizonte para acompanhar atentamente o tratamento dado aos rios da capital e cobrar gestores e legisladores para que os gastos não se concentrem em obras de reparação, mas na construção de soluções duradouras para que as chuvas de janeiro possam novamente ser celebradas e não temidas.

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