Manifesto aos mineiros e ao povo brasileiro

16/11/2015

O caso Samarco/Bento Rodrigues/Rio Doce – a cadeia de um sistema de trituração da natureza, da inteligência e das condições de convívio e construção democrática e legal de uma sociedade.

POR QUEM OS
SINOS DO LICENCIAMENTO DOBRAM

O rompimento das barragens de rejeitos da
Samarco (Vale S.A.+BHP Billiton) em Mariana não foi suficiente para sensibilizar
o governador Fernando Pimentel para retirar o regime de urgência e a essência
do projeto de lei (PL) 2946/2015, que propõe o fura-fila e institucionaliza o
licenciamento de gabinete de projetos e obras “considerados prioritários” pelo
poder econômico em Minas Gerais.

No referido PL, disponível no site da ALMG, o núcleo duro do governo
Pimentel não propõe qualquer melhoria na composição do Conselho Estadual de
Política Ambiental (Copam), órgão que, nos últimos anos, vem licenciando
descalabros como as megabarragens de rejeitos e grandes operações mineradoras,
em total dissintonia com a preservação da água, da natureza e o respeito às
comunidades próximas às áreas impactadas e ameaçadas.

O PL 2946, por alguns apelidado de AI-5 ambiental
(um cheque em branco com força de lei), propõe a centralização do
licenciamento, mediante a criação de um setor específico de “projetos
considerados prioritários” no âmbito do comando da Secretaria de Estado de Meio
Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad).

Não por acaso, o PL de Pimentel está afinado
com outro que tramita no Senado Federal, por iniciativa do senador Romero Jucá
(PMDB/RO) – o de nº 654/2015. Segundo o artigo 1º deste PL, regras excepcionais
serão criadas “para o licenciamento ambiental especial de empreendimentos de
infraestrutura estratégicos para o desenvolvimento nacional sustentável”, tais
como: “sistemas viário, hidroviário, ferroviário”, “portos”, “energia” e
“exploração de recursos naturais”, que “serão considerados de utilidade
pública” – em consonância com o também disposto na proposta de código de
mineração (PL 5803/2013), defendido pelos deputados federais Leonardo Quintão
(PMDB/MG) e Gabriel Guimarães (PT/MG), entre outros.

O PL do senador Jucá combina com o PL do
governador Pimentel, ao estabelecer uma instância (“comitê específico para cada
licenciamento”), para dar celeridade ao “licenciamento ambiental especial”. Em
Minas Gerais, Pimentel também propõe uma instância com poderes especiais: o
“órgão responsável pela análise de projetos considerados prioritários” – “para
o desenvolvimento econômico, social ou para a proteção do meio ambiente”,
argumenta.

Os PLs de Fernando Pimentel e Romero Jucá não
são propostas isoladas, mas medidas pré-negociadas, quando não concebidas pelos
advogados de grupos econômicos poderosos (empreiteiras, mineradoras etc)
estabelecidos em corporações como a Confederação Nacional das Indústrias (CNI),
a Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), o Instituto Brasileiro de
Mineração (Ibram) e o sindicato das empresas de extração mineral em MG
(Sindiextra).

 

DONOS DO
PODER E USURPADORES DE DIREITOS

Ao longo de 2015, encontros vêm sendo
organizados por lobistas da mineração, visando fazer a cabeça de juízes de direito, desembargadores, ministros e
auditores de tribunais de contas, e a concertação dos próprios empresários da
mineração com autoridades dos poderes executivos e legislativos do país.

São exemplo disso o 1º Congresso Mineiro
sobre Exploração Minerária, organizado pela Associação dos Magistrados Mineiros
(Amagis) em junho de 2015; e a realização simultânea, na fatídica data do
rompimento das barragens da Samarco, do seminário “Novo Marco Regulatório do
Setor de Mineração e o Controle Externo” (na sede do TCU em Brasília)  e de encontro do Fórum Brasileiro de
Mineração, na sede da Fiemg em Belo Horizonte.

Do encontro na Fiemg, participaram dirigentes
das maiores empresas de mineração no país, o relator da proposta do novo código
da mineração e, representando o governo estadual, o secretário de
Desenvolvimento Econômico, Altamir Rôso, que, não só considerou a Samarco
“vítima do rompimento” das barragens Fundão e Santarém, como defendeu que o
Estado delegue a fiscalização ambiental a empresas.

Se a reunião de empresários não contou, como
de praxe, com a participação de representantes legítimos da sociedade que vêm
enfrentando os problemas e arbítrios de empresas mineradoras, estranhamente, o
congresso dos magistrados e o seminário do TCU não se dignaram a pautar o
contraditório no debate dos conceitos e medidas propostas sobre a
regulamentação, o licenciamento ambiental e o julgamento de questões envolvendo
a atividade minerária.

 

FONTES E
RESPONSABILIDADES DE UM DESASTRE PREVISTO

Responsabilizar a Samarco pelo desastre
ocorrido em Mariana, com reflexos em toda a bacia hidrográfica do rio Doce, em
Minas Gerais e no Espírito Santo, é pouco e não solucionará um problema que,
além de técnico, é social, cultural e econômico.

Autoridades governamentais, formuladores e
tomadores de decisões sobre políticas econômicas habituaram-se a ver a
exportação de bens primários (as chamadas commodities)
como a tábua de salvação da indústria brasileira. A ideia, implementada desde
meados do século passado, apostou na venda internacional de minério de ferro,
como modo de obtenção de divisas para industrializar o Brasil. Assim,
instituições como o BNDES foram criadas e infraestruturas, como hidrelétricas,
ferrovias e portos foram implantados para garantir o escoamento do produto.
Este padrão de desenvolvimento foi aplicado também à Amazônia, vem demandando
estados do Nordeste e, em momento de crescente escassez hídrica, vem propor,
outros modais de transportes, como os minerodutos.

A poção mágica para a industrialização do
país adquiriu tais poderes, que passou a ditar as prioridades do que alguns
chamam de desenvolvimento econômico, financiando políticos e entranhando-se na
máquina pública e nas cabeças de vários representantes e autoridades da elite
brasileira. O feitiço virou-se contra a tese da capitalização do país para sua
industrialização. O lobby minerador coage a possibilidade de diversificação da
matriz produtiva nacional, concorrendo para a reprimarização e
desindustrialização da nossa economia.

 

MITOS
PLANEJADOS

A emergência do debate ambiental coincide com
o período da redemocratização no Brasil. Ao mesmo tempo, a transformação do
país numa sociedade de massas e desordenadamente urbana propiciou que valores
de mercado se firmassem de forma irracional em vários segmentos da sociedade,
corrompidos por prioridades e interesses corporativos, contra a perspectiva de
um planejamento que faça jus à defesa e promoção do bem comum.

A corrupção atingiu veículos de comunicação
social e setores da comunidade científico-tecnológica tornaram-se serviçais dos
chamados interesses do mercado e dos conceitos inventados para enganar a
sociedade e ludibriar e formar comunidades técnicas e profissionais que há
muito vêm perdendo o juízo e o senso de ridículo e dignidade.

No caso específico da mineração, um
inventário de mitos e mentiras vem sendo criado desde os anos 1990, como forma
de escamotear e subdimensionar os impactos e riscos implicados na atividade que
passou a dominar extensos territórios.

 

CAIU A
MÁSCARA

O desastre de Mariana, ao desmascarar negócio
tido como sustentável dos grupos Vale S.A. e BHP Billiton, também despiu as
figuras arrogantes e incompetentes dos atuais presidentes da CNI e da Fiemg,
senhores Robson Andrade e Olavo Machado, respectivamente.

O presidente da Fiemg, ex-diretor de empresa
comandada por Robson Andrade, habituou-se nestes tempos de colapso ambiental e
crise hídrica a criticar o sectarismo
e até mesmo o fisiologismo dos
ambientalistas. A carapuça veste bem em quem acusa. Afinal, o que fazem a CNI e
a Fiemg senão concentrarem esforços na defesa de negócios de que são
fornecedoras e prestadoras de serviços as empresas dos respectivos presidentes?
Qual o esforço real e proporcional destas organizações na diversificação da matriz
industrial e econômica brasileira?

O espírito de camaradagem e aparelhamento
corporativo, se estende também ao presidente do Ibram e do Sindiextra, senhor
Fernando Coura, que, na relação com o governo Pimentel, agregou seu genro como sub-secretário
de Mineração da pasta de Desenvolvimento Econômico.

Esses arautos do “bom senso”, do “equilíbrio”
e da “razoabilidade”, junto com seus pares nos três poderes dos municípios,
estados e União, lideram o cinismo, que faz crescer a falta de esperança de boa
parte da sociedade brasileira. Eles sustentam que a gestão e a fiscalização
ambiental devem ser baseadas no automonitoramento pelas próprias empresas
causadoras de danos sociais e ambientais, no contínuo e planejado desmonte de
órgãos públicos, cujas chefias, antes de nomeadas, passam habitualmente por seu
crivo.

A extensão da ideologia disfarçada de saber
técnico alcançou produzir em não poucas mentes a ideia de que a mineração, na
proporção e densidade hoje operada na região central de Minas Gerais, é
sustentável, comporta mais empreendimentos e ampliações, e só tem viabilidade
econômica se mantiver o atual modelo de produção, com estruturas altamente
questionáveis como as monstruosas barragens de rejeitos. Se a Samarco não
consegue, em plena estiagem, segurar uma barragem até então tida como segura, o
que havemos de pensar das outras centenas que estão nesta mesma região?

A mineração tornou-se indiscutivelmente mola
propulsora da acomodação e da expulsão da verdadeira indústria e da capacidade
de criação de Minas Gerais. Ao investirem tal energia em empoderar cada vez
mais este segmento, governantes, parlamentares e servidores públicos afastam
outras possibilidades de desenvolvimento no Estado, concentram trabalho em uma
fórmula visivelmente ultrapassada de arrecadar e sem perspectiva de um futuro
de fato sustentável e duradouro.

Afinal, o nível de agressão ambiental das
mineradoras adquire tal dimensão por onde passam, que repelem investimentos em indústrias
limpas e de maior valor agregado de produção e geração de empregos. Tais
atividades procuram ambientes mais interativos e dinâmicos, o que obriga Minas
Gerais a desperdiçar oportunidades e muitos valores. De outra forma, trabalhadores
da mineração tornam-se vítimas da ambição desmedida e insustentável dos que
querem minerar a qualquer custo. São massa de manobra e sujeitos a constantes
chantagens por parte das estruturas de comando de tais empresas, que agem com a
conivência de governantes e autoridades públicas.

 

DESCASO COM
A NATUREZA, ATINGIDOS E TRABALHADORES

Nos dias seguintes ao desastre da Samarco/Vale/BHP
em Mariana, tomamos conhecimento de corpos resgatados, sem a devida divulgação
à sociedade e famílias. O acesso à informação está sendo administrado, sem
transparência, o que reforça a desconfiança geral na autoridade pública
estadual. De forma pouco republicana, o governador do Estado deu entrevista
coletiva na sede da empresa responsável pelo acidente, e disse que manterá a
proposta das exigências escabrosas que quer impor ao licenciamento ambiental em
Minas Gerais, em consonância com a proposta do novo marco regulatório da
mineração e o PL do “licenciamento ambiental especial”, que tramitam na Câmara
dos Deputados e no Senado Federal.

Com isso, reforçamos o sentimento de LUTO e LUTA
neste trágico momento da história dos mineiros, das famílias atingidas e da
vida da bacia hidrográfica do rio Doce, para a qual, a mineradora Samarco já
“contribui” com nada menos do que três minerodutos!

E conclamamos todos a comparecerem a nossas
mobilizações e debates. A protestar contra a irresponsabilidade das autoridades
e pela criminalização dos responsáveis por essa brutal tragédia ecológica e
atentado à vida de milhares de pessoas.

 

É NOSSO
DIREITO E DEVER, ENQUANTO CIDADÃOS E ORGANIZAÇÕES CIVIS BRASILEIRAS, EXIGIR
MEDIDAS IMEDIATAS:

  • A participação
    e deliberação dos trabalhadores, assim como das comunidades potencialmente
    atingidas por tais projetos, em comissões de segurança das atividades de
    mineração, assim como de outras atividades de risco;
  • Que a
    sociedade e as comunidades sejam respeitadas na determinação das alternativas
    técnicas e locacionais das estruturas, bem como das áreas que devem ser
    protegidas de atividades com impactos intensos e irreversíveis;
  • Contrapor à
    perspectiva do monopólio da atividade megaextrativista, o estabelecimento de
    ritmos de exploração e oportunidades de diversificação econômica mais
    condizentes com a capacidade e sustentabilidade territorial das bacias
    hidrográficas e com o direito das pessoas à felicidade, à saúde, a meio
    ambiente respeitado e a trabalho digno em todas as atividades;
  • Dimensionar
    a magnitude do estrago causado à fauna, aos ecossistemas, às águas e adotar
    ações e planos imediatos de redução dos impactos negativos e de recuperação
    ambiental da bacia do rio Doce a curto, médio e longo prazos;
  • Garantir a
    estabilidade do emprego dos trabalhadores atingidos (efetivos ou
    terceirizados), inclusive nas imediatas atividades de recuperação e restauração
    ambiental;
  • Discutir e
    submeter a recuperação da bacia do rio Doce à aprovação da sociedade – se
    necessário com o imediato bloqueio dos bens da empresa e responsáveis diretos
    pelo desastre, para a garantia da indenização à população vitimizada e da
    recuperação das áreas atingidas pelo rompimento das barragens;
  • Suspender o
    regime de urgência do PL 2946/2015 e os regimes de exceção ou licenciamento
    especial ou prioritário para grandes projetos, particularmente os de mineração;
    e
  • Promover grande
    debate estadual e nacional visando ampla reformulação, a qualidade, a participação
    equilibrada e a segurança jurídica do meio ambiente, dos direitos das
    comunidades, das estruturas de gestão, monitoramento e licenciamento ambiental
    em níveis municipal, estadual e nacional.

 

NOSSA
SOLIDARIEDADE AOS TRABALHADORES, FAMÍLIAS E COMPANHEIROS VITIMADOS COM SUA
PERDA! NOSSO CONFORTO ÀS FAMÍLIAS QUE PERDERAM CASAS, ENTES QUERIDOS E PAZ!
NOSSA CONCLAMAÇÃO PARA QUE OS MINEIROS E OS BRASILEIROS REFLITAM SOBRE ESSE
GRAVE MOMENTO E NÃO APOIEM ATITUDES QUE, EM NOME DO “DESENVOLVIMENTO”, VÊM
PRODUZIR ENORMES RETROCESSOS NA CONSTRUÇÃO DEMOCRÁTICA E NA PROMOÇÃO DE UM MEIO
AMBIENTE EQUILIBRADO PARA TODOS E PARA AS FUTURAS GERAÇÕES.

 

Mariana, Belo
Horizonte,

Bacia do Rio
Doce, Minas Gerais/Espírito Santo, Brasil,

13 de novembro
de 2015

 

 

 

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