Manuelzão identifica irregularidades em terminal de minério em São Gonçalo do Bação – Projeto Manuelzão

Manuelzão identifica irregularidades em terminal de minério em São Gonçalo do Bação

12/12/2025

Visita técnica expõe fragmentação ilegal de licenciamento e descumprimento de normas ambientais pela Bação Logística

Casarão dos primórdios do século é um das relíquias de São Gonçalo do Bação. Foto: Acervo Manuelzão.

Uma visita técnica realizada na primeira sexta-feira de dezembro, 5, revelou uma série de irregularidades na construção da estrada que dará suporte ao Terminal de Minério de Ferro (TFB) da Bação Logística S/A, do Grupo Cedro, em São Gonçalo do Bação, distrito de Itabirito. Representantes do Projeto Manuelzão, da Associação Comunitária de São Gonçalo do Bação, da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) de Itabirito, da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), moradores e o mandato da deputada Bella Gonçalves (Psol) percorreram trechos onde máquinas atuam.

A visita teve como objetivo apresentar aos órgãos públicos o conjunto de impactos socioambientais resultantes da abertura da via, que possui cerca de 12 quilômetros e é apontada como infraestrutura indispensável à operação do terminal minerário. Embora classificada pela prefeitura como “melhoria” da estrada municipal ITA-300, a obra se consolidou como uma rota de transporte de minério, conectando diretamente o TFB à BR-040.

Dispensa irregular de licenciamento

Segundo a associação comunitária, a prefeitura de Itabirito concedeu apenas um Documento Autorizativo para Intervenção Ambiental (DAIA), dispensando o licenciamento ao fragmentar ilegalmente a obra em trechos menores que 10 km — limite estabelecido pela DN COPAM nº 217/17 para enquadramento obrigatório. Com isso, o município classificou a estrada como “não passível de licenciamento”, evitando a exigência de estudos ambientais completos e o processo administrativo regular.

A comunidade sustenta que a intervenção jamais poderia ser tratada como obra pública isolada. Trata-se, afirmam, da espinha dorsal do empreendimento minerário. “No caso concreto, a ligação direta entre o terminal e a estrada, que está sendo aberta em direção à BR-040, não é um detalhe acessório: trata-se de componente essencial do empreendimento, indispensável à sua viabilidade operacional”, afirma Cláudio Aguiar, presidente da Associação Comunitária de São Gonçalo do Bação.

“Enquanto a estrada não estiver instalada, não pode haver operação”, reforça o advogado Caio Damazio. “E a construção já começou com uma série de irregularidades: não foi feito o devido licenciamento ambiental e houve uma descaracterização dessa estrada, na verdade é uma estrada para transporte de minério”, defende o representante da associação. Por se tratar de uma estrada de escoamento do empreendimento, deveria ter sido realizado o licenciamento estadual da obra.

Equipe técnica do Empoderamento Jurídico reúne-se moradores de São Gonçalo do Bação, em Itabirito. Foto: Matheus Dias/Projeto Manuelzão

Histórico de disputas e licenciamento contestado

O Núcleo de Direito Ambiental do Projeto Manuelzão, por meio do Instituto Guaicuy, acompanha o caso desde 2021, participando de audiências públicas e monitorando o processo de licenciamento. Em 2024, o Guaicuy pediu à Justiça Federal a suspensão da licença ambiental do terminal. A ação mostrou que um dos ramais da ferrovia planejada pela Bação Logística invade a faixa de domínio da União, o que exigiria análise federal.

O pedido, contudo, foi indeferido pela Justiça Federal e o licenciamento estadual foi concedido pela Feam em fevereiro deste ano, com concessão de Licença Concomitante (LAC2) válida até 2035. A instalação do terminal, porém, ficou condicionada às “melhorias” na estrada ITA-300, exatamente a intervenção hoje questionada por irregularidades.

A empresa declara ter firmado Termo de Cooperação com a prefeitura para readequar a via, alegando que as obras criarão “um novo caminho alternativo para o acesso ao município de São Gonçalo do Bação, sem prejudicar os acessos já existentes”.

Diante do avanço das obras, a associação comunitária ajuizou Ação Civil Pública (ACP) com pedido de tutela de urgência contra a Feam, o governo estadual e a prefeitura. O objetivo é, segundo a petição inicial, “tutelar o meio ambiente, o patrimônio histórico-cultural e a integridade da comunidade de São Gonçalo do Bação, em face de irregularidades na autorização e execução das obras de implantação, pavimentação e melhoria da estrada municipal ITA-300”.

A ação descreve a fragmentação da estrada como manobra para burlar o licenciamento e destaca que a competência para autorizar a obra é estadual, o que exigiria Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). Segundo os autores, o DAIA municipal é repleto de “vícios de competência material e insuficiência diagnóstica”.

Em nota, a associação afirma: “Nós ajuizamos a Ação Civil Pública porque temos a convicção — construída a partir de uma análise técnica minuciosa e de anos de acompanhamento da realidade local — de que o projeto do Terminal Ferroviário de Bação jamais teria obtido licença ambiental se todo o empreendimento fosse analisado de forma íntegra, transparente e conforme exige a legislação”.

“Não se pode ignorar, tampouco, que atores direta ou indiretamente envolvidos nessas intervenções estão entre os investigados na Operação Rejeito, o que lança dúvidas legítimas sobre a lisura e a conformidade de decisões administrativas”, pontua a nota.

A entidade alerta ainda para o modus operandi que se repete em diversos empreendimentos minerários no estado: iniciar as obras, criar fatos consumados e pressionar órgãos ambientais por regularização posterior.

Vista da área visada para a instalação do terminal minerário em São Gonçalo do Bação, distrito de Itabirito. Foto: Matheus Dias/Projeto Manuelzão.

Antecedentes

Desde 2018, a Bação Logística tenta instalar um terminal ferroviário a menos de mil metros do núcleo histórico de São Gonçalo do Bação, distrito fundado em 1740. Na ocasião, moradores registraram o assoreamento de pelo menos duas nascentes e despejo de lama no Ribeirão Carioca e em cachoeiras locais após movimentação ilegal de máquinas.

O distrito possui bens tombados nas esferas municipal e federal e patrimônios culturais em análise para tombamento estadual, como a Igreja Matriz (1924) e o Grupo de Teatro do Bação. Estão em estudos, ainda, sítios arqueológicos nos arredores da estrada.

Naquele período, a empresa utilizou uma Licença Ambiental Simplificada (LAS) e classificou o projeto como “pátio de estocagem” e não como terminal minerário. A denúncia da Associação levou o Ministério Público a intervir, o que paralisou as obras e obrigou a reclassificação do empreendimento para classe 4, na escala de 2 a 6, de maior impacto.

O Projeto Manuelzão também identificou que um dos ramais que conectará o TFB à Ferrovia do Aço invade a faixa de domínio da União, destinada exclusivamente à instalação ferroviária e sob gestão federal. Consultas à ANTT, ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), à Secretaria do Patrimônio da União (SPU) e ao Ministério dos Transportes confirmaram a invasão.

Assim, o licenciamento deveria ter sido conduzido pelo Ibama e pela Superintendência de Transporte Ferroviário (Sufer). A Bação Logística chegou a solicitar autorização à Sufer, mas teve o pedido negado em 2023 por descumprimento de exigências.

Quanto a esse histórico, a Associação tranquiliza: “Diante dos recentes e lamentáveis fatos que vieram à tona em Minas Gerais — especialmente a Operação Rejeito, que expôs fragilidades profundas no sistema de licenciamento e evidenciou práticas de corrupção que há anos comprometem a segurança das comunidades e a integridade ambiental — a nossa esperança se renova. Acreditamos que, agora mais do que nunca, há um holofote sobre processos que antes tramitavam sem o devido escrutínio”.

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