25/02/2022
Na véspera, prazo foi adiado pelo governo estadual e o Ministério Público através de um Termo de Compromisso assinado com mineradoras
O prazo para a descaracterização das barragens de rejeitos construídas a montante no estado de Minas Gerais venceu nesta sexta-feira, 25. Fruto de um Projeto de Lei de Iniciativa Popular que contou a assinatura de 56 mil cidadãos, a Lei Estadual 23.291/2019, a Mar de Lama Nunca Mais, instituiu a Política Estadual de Segurança de Barragens (PESB), que proibiu barragens a montante e estabeleceu o limite de três anos para que elas não existissem mais. Até 25 de fevereiro deste ano, das 54 barragens que deveriam ser descaracterizadas, ou seja, desmontadas e reincorporadas à paisagem, apenas cinco o foram.
Já que não cumpriram a lei desde sua aprovação, as mineradoras que operam em Minas tentaram – e agora conseguiram – a flexibilização dos prazos lei Mar de Lama Nunca Mais. Nesta quarta-feira, 24, na véspera do fim do prazo, o governo estadual e o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) assinaram um termo de compromisso adiando o prazo para 10 mineradoras, responsáveis por 19 barragens a montante no estado. A assinatura do Termo de Compromisso com as mineradoras se deu entre a Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam), o MPMG e o Ministério Público Federal (MPF), com interveniência da Agência Nacional de Mineração (ANM).
O termo prevê multa de R$ 60 milhões para as mineradoras que o assinaram por dano moral coletivo por não cumprirem o prazo. A Vale, responsável pela maioria das barragens no estado ainda não aderiu ao acordo e briga na Justiça para estender o prazo até 2035. Segundo o termo, empresas que não o assinarem podem perder licenciamentos ambientais e enfrentar outras sanções. De acordo com o coordenador do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente do MPMG, o promotor Carlos Eduardo Ferreira Pinto, apesar da extensão do prazo não houve prorrogação e os novos limites, ainda não divulgados, serão definidos para cada barragem.
Na prática, o recuo do MPMG e a ampliação do prazo abre margem para elas jamais sejam descaracterizadas. “As empresas estão descumprindo o que foi determinado por lei. Aumentar o prazo já está mostrando que as empresas não têm credibilidade, não têm palavra, são incapazes de cumprir com suas obrigações. É mais uma prova da irresponsabilidade das empresas, principalmente da Vale”, critica Gustavo Gazzinelli, diretor-presidente do Instituto Diadorim para o Desenvolvimento Regional e Socioambiental, integrante do Gabinete de Crise da Sociedade Civil e do Comitê de Bacia Hidrográfica do São Francisco.
A Mar de Lama Nunca Mais foi um projeto iniciado em 2016, após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, aprovado um mês após o rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho, em janeiro de 2019. Os dois crimes envolveram barragens de tecnologia a montante. A proposição legislativa foi capitaneada pelo MPMG, que também apoiou o uso da PESB como referência nacional, e pela Associação Mineira do Ministério Público (AMMP) e teve participação ativa dos integrantes do Gabinete de Crise da Sociedade Civil na construção do texto, proposto em 2016, após o rompimento da barragem do Fundão, em Mariana. A lei foi vencedora do prêmio do Conselho Nacional do Ministério Público, em 2021.
Além do descumprimento do prazo para descaracterização, nem todos os pontos da lei foram regulamentados, como diretrizes dos Planos de Ação e Emergência (PAE) e critérios para aplicação de penalidades em caso de descumprimento da lei. O governo do estado também já descumpriu a lei ao aprovar a ampliação de uma barragem a montante da Anglo American, em Conceição do Mato Dentro, mesmo com cerca de 400 pessoas morando na Zona de Autossalvamento (ZAS). A extensão da ZAS, a partir da barragem, é definida a partir de duas distâncias: 10 quilômetros ao longo do curso do vale ou a porção do vale passível de ser atingida em 30 minutos.
Enquanto isso, milhares de pessoas têm sua vida impactada diariamente pelas barragens no estado. Além das centenas de pessoas mortas nas tragédias-crime de Brumadinho e Mariana, e os milhares de atingidos ao longo das bacias dos rios Doce e Paraopeba, principalmente nas zonas de impacto de rompimento das barragens de alto risco, comunidades inteiras são removidas de casa sem prazo para voltar, como em Antônio Pereira, distrito de Ouro Preto e no distrito nova-limense de São Sebastião de Águas Claras, conhecido como Macacos. Para as mineradoras, prazos alongados. Para as pessoas, descaso e violação de direitos.
A Mar de Lama Nunca Mais estabelece normas mais rígidas para o licenciamento e a fiscalização de barragens no estado para evitar tragédias-crimes como os rompimentos de Brumadinho e Mariana. Através do processo de descaracterização, a barragem de rejeitos é esvaziada, deixa de funcionar como parte da mina e é reintegrada à natureza. Também proibiu a presença de pessoas na ZAS, aquela em que não há tempo suficiente para intervenção dos serviços e agentes de proteção civil em caso de rompimento.
Outras mudanças foram a exigência de caução para o licenciamento ambiental de barragem; a exigência de credenciamento dos profissionais responsáveis pelas auditorias técnicas de segurança de barragens perante o órgão ambiental competente; a destinação de 50% do valor das multas aplicadas pelo Estado aos municípios atingidos, em caso de rompimento de barragem.
Na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), um Projeto de Lei (PL) de autoria do deputado Virgílio Guimarães (PT), que recebeu 80 mil reais de sócios de mineradoras na campanha eleitoral de 2018, foi outra estratégia para flexibilizar a Mar de Lama Nunca Mais. A Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), que representa mineradoras como a Vale e a Samarco, também tentou flexibilizá-la, através de uma ação de inconstitucionalidade, que foi negada pela Justiça.
Na última terça-feira, 22, a Vale havia protocolado, junto à Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam) e à Agência Nacional de Mineração (ANM) pedidos de prorrogação dos prazos. 23 barragens a montante em Minas Gerais são da Vale, responsável pela tragédia-crime de Brumadinho em janeiro de 2019. A mineradora não assinou o Termo de Compromisso firmado nesta quarta.
Além da ampliação do prazo para descaracterização, o PL 3.497, de Virgílio Guimarães, alinhado às mineradoras, também visa permitir que projetos de mineração com tratamento a seco passem pelo Licenciamento Ambiental Concomitante (LAC) – em que as licenças prévia, de instalação e operação são concedidas ao empreendedor de uma só vez, sem que haja tempo para a devida fiscalização e acompanhamento das atividades. “A gente já apontou que isso é muito claramente para beneficiar o Projeto Apolo, da Vale, um projeto absurdo na Serra do Gandarela“, lembra Gazzinelli.
Na manhã desta sexta-feira, 25, o Ato em Defesa da Mar de Lama Nunca Mais foi realizado na porta da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, com a presença de diversas entidades de pessoas atingidas por barragens, movimentos e mandatos ambientalistas.