28/04/2025
Investigação conduzida no âmbito da operação Parcours detalhou os impactos ambientais causados pela Empabra
[Matéria de José Vitor Camilo para O Tempo publicada na última terça-feira, 22 de abril de 2025.]
Obliterar. Segundo o dicionário, o verbo tem o significado de “destruir; eliminar; suprimir”. Essa foi a palavra escolhida pela Polícia Federal (PF) para se referir ao que aconteceu com o córrego Taquaril, que teve sua nascente localizada na serra do Curral completamente destruída pela mineradora Empresa de Mineração Pau Branco (Empabra), investigada pela corporação por suposta exploração ilegal de minério durante o período em que a mineradora deveria recuperar a área. Desde 2017, a água que brotava do alto do cartão-postal de Belo Horizonte, passava perto do cemitério da Saudade e descia a avenida Jequitinhonha até desaguar no ribeirão Arrudas, de onde seguia seu caminho até o rio São Francisco e o mar, já não corre mais, deixando de alimentar a bacia de outro importante corpo d’água, o rio das Velhas.
“O córrego Taquaril hoje encontra-se completamente obliterado pela mineração. Foi completamente escavado. Assim, as ações previstas para o córrego não foram cumpridas, e o impacto ambiental na área é evidente”, conclui o perito expert da PF na representação apresentada à Justiça Federal, de quase 150 páginas, ao qual O TEMPO teve acesso. Os investigadores detectaram, por imagens de satélite, a abertura de uma cava menor no local onde existia a nascente do corpo d’água em junho de 2015.
Segundo a PF, para esconder a exploração em curso, a empresa nomeou a cava de “Sump”, que é um tipo de reservatório no solo para conter água e sedimentos em minas. “Essa cava, falsamente nomeada como ‘Sump 3’, é aprofundada em 2017, com extração generalizada de solo ferruginoso e saprólito, havendo a completa aniquilação do curso d’água do córrego Taquaril, uma vez que houve rebaixamento do terreno”, diz a PF. “O impacto também atingiu as nascentes do córrego Taquaril, que foram destruídas, comprometendo a hidrologia local e a integridade do sistema hídrico da área”, completa.
Os investigadores concluem que a Empabra minerou “amplamente” em todo o vale do córrego Taquaril, sendo que a cava principal, chamada pela empresa de “Sump 4”, também teria sido escavada diretamente sobre a nascente. Foi nessa cava que surgiram os indícios de que o impacto da escavação poderia ser ainda maior, já que a PF suspeita que, ao se aprofundar em cerca de 80 m no terreno, a mineradora causou a “exposição direta do lençol freático”.
Em setembro de 2024, em audiência de conciliação no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a Empabra se comprometeu a encerrar as atividades na serra do Curral. Mas os impactos ficaram. “Ela abandonou a área, não fez nem um metro sequer de recuperação e deixou a área lá, com a contaminação das águas, do lençol freático. Há uma degradação intensiva, e com os danos socializados para todos nós”, diz o coordenador do Projeto Manuelzão, Marcus Vinícius Polignano. A PF disse não comentar investigações em andamento.
A presença constante desde 2019 de água no interior da cava, onde até então ficava seco no inverno, fez a PF inferir que pode haver danos permanentes na nascente do córrego Taquaril e no lençol freático.
“De acordo com a carta topográfica de BH, a região da cava principal seria uma área de nascente. Desta forma, conclui que o alagamento constante da região indica que a atividade de mineração, completamente irregular, pode ter exposto o lençol freático e atingido a zona de saturação”, descreve a PF no documento.
Imagem mostra estragos deixados no local pela mineradora. Foto: Alex de Jesus/O Tempo.
Uma conclusão que, segundo Jeanine Oliveira, ambientalista e especialista em recursos hídricos, preocupa. “Quando se coloca que o dano é permanente, é porque a estrutura geológica, principalmente, e a reserva hídrica do lençol freático foram danificadas de uma forma que a gente não consegue retornar ao original”, diz.
O coordenador do Projeto Manuelzão, professor Marcus Vinícius Polignano, explica que isso não representa apenas a perda de nascente isolada. “Temos que entender que a serra do Curral, assim como as serras do quadrilátero ferrífero, é um aquífero. Onde tem minério de ferro, onde tem canga, é onde a água penetra e se acumula no fundo. Na serra do Curral, temos vários córregos: o Taquaril, o Baleia, o córrego da Serra, o Cercadinho. Ela é, e foi desde o início, uma importante fonte de abastecimento de água para a capital”, destaca.
Em intervalo de seis anos — entre 2012 e 2018—, sob o pretexto da recuperação da área, a Empabra extraiu ilegalmente, segundo a PF, pelo menos 1,1 milhão de toneladas de minério de ferro em um trecho tombado da serra do Curral. A corporação ainda apura o tamanho do rombo feito no cartão-postal de BH, uma vez que a empresa atuou no local por 11 anos. Os investigadores apontam, no entanto, que o lucro obtido clandestinamente com o que a PF chamou de “distopia ambiental” já ultrapassava os R$ 700 milhões.
A descoberta da atividade ilegal levou, no fim de março deste ano, à deflagração da operação Parcours (“percurso”), que mirou um esquema criminoso com envolvimento de empresários, geólogos e servidores da Agência Nacional de Mineração (ANM). Apesar de ter divulgado a realização de buscas e apreensões, a PF não havia revelado detalhes sobre o esquema investigado. Mas, em entrevista concedida a O TEMPO em anonimato, ex-funcionários da mineradora apresentaram documentos que revelam como funcionaria o suposto esquema de exploração ilegal de minério de ferro. A reportagem também teve acesso a um documento de 150 páginas que compõem o inquérito da PF.
Imagem usada pela PF no pedido para realizar operação mostra área antes e depois da “recuperação”. Reprodução PF.
Os ex-funcionários ouvidos guardam contratos de compra e venda firmados entre a mineradora e outras empresas, inclusive investigadas pela PF e pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) também por suposta exploração ilegal do minério na serra do Curral. Essas empresas escoariam o minério retirado ilegalmente pela Empabra por meio da estrada Velha Nova Lima-Sabará.
Fora dos muros onde a mineradora era proibida de explorar aquele volume do recurso, as parceiras faziam a parte delas: “Aqueles caminhões saíam da mina e seguiam por uma estrada no alto da serra que vai até o pátio de outra mineradora. Lá, esse minério clandestino era beneficiado, separado e vendido de forma legal”, lembra um dos denunciantes.
Procurada, a ANM informou, por nota, que colabora integralmente com as autoridades e que cumpriu todas as determinações judiciais. Dias após a realização da operação, a agência exonerou o gerente Regional da ANM em Minas, Leandro Cesar Ferreira de Carvalho, e o Superintendente Substituto de Segurança de Barragens de Mineração, Claudinei Oliveira Cruz.
“A Agência tem o maior interesse em esclarecer os fatos e reforçar sua atuação para garantir que o setor mineral opere dentro dos mais altos padrões de legalidade e responsabilidade socioambiental”, completou.
Conforme um dos ex-funcionários ouvidos, a entrada dos empresários investigados pela PF na mineradora teria ocorrido em 2012, quando os antigos proprietários da Empabra fecharam uma sociedade com os suspeitos, por meio da empresa Cia Mineradora Phoenix S.A. Segundo a PF, essa empresa teria assumido parte do escoamento do minério retirado da mina.
No ano de fechamento da parceria, a Empabra já tinha um TAC firmado com o MPMG, tendo inclusive atingido a cota dos 4 milhões de toneladas de minério previstos para serem extraídos em um intervalo de quatro anos. Para isso, 15% do lucro obtido com a venda deveria ser utilizado na recuperação da área.
Entretanto, conforme a apuração da PF, em 2013, os novos sócios parceiros teriam imprimido uma atuação mais “agressiva” na empresa, “em especial no que tange ao cumprimento do plano de recuperação firmado em 2008”, conforme consta no documento que embasa o inquérito. Situação que, segundo os investigadores, teria sido mantida ao longo dos anos: “A partir de 2014, análises periciais e de auditoria confirmam integralmente os fatos narrados, no que tange ao efetivo interesse dos empresários em se aproveitar financeiramente da área, retirando maior quantidade de minério, em desacordo com o previsto no Plano de Recuperação de Áreas Degradadas, entre outras condutas ilícitas, as quais restaram reiteradamente praticadas até o presente ano de 2025”.
Entre os funcionários, a atuação era conhecida: “O que a Empabra sempre fez foi minerar ali com a desculpa de estar fazendo retaludamento (mudança da inclinação do terreno para estabilizá-lo). E, para isso, vendia parte desse minério sem emitir nota fiscal, para não ter que repassar os 15% da recuperação. Essa extração acontecia também aos sábados, domingos e até de madrugada”, revela um deles.
Procurada pela reportagem, a Empabra afirmou que pretende transformar a área da Mina Corumi em um “corredor ecológico, um parque verde, limpo e acessível à população”. “A Empabra quer concluir recuperação ambiental iniciada em 2012 (…), e deseja o que todos querem: encerrar definitivamente a mineração na serra do Curral e entregar uma área recuperada aos belo-horizontinos”, disse.
Sobre a suposta destruição do córrego, a mineradora disse ter o “compromisso” de cuidar do corpo d’água para que não haja assoreamento e suas águas continuem fluindo. A empresa negou ainda a existência de cavas e danos ao lençol, alegando que os Sumps foram autorizados pelos órgãos ambientais e foram essenciais para evitar uma “tragédia”.
“As atividades realizadas pela Empabra são pautadas pela legalidade e guiadas pelo estrito cumprimento das determinações dos órgãos públicos (…) Não houve e não há lavra ilegal”, escreveu a empresa. Por fim, a mineradora afirmou que todos os valores gastos na recuperação ambiental foram provados nos “mais de 100 relatórios mensais enviados” e que todo valor arrecadado com a venda do minério foi destinado à “recuperação e pagamento de obrigações fiscais e contratuais”.
A Copasa informa que a nascente do Córrego Taquaril está localizada a jusante da captação de água da Estação de Tratamento de Bela Fama, não interferindo no abastecimento de Belo Horizonte.
No entanto, a Companhia ressalta que a destruição de nascentes e danos ao lençol freático representam sérios riscos ambientais, especialmente em um cenário de mudanças climáticas e escassez hídrica, reforçando a necessidade de preservação dos recursos naturais.
Neste cenário, a empresa atua com projetos voltados à preservação de nascentes e mananciais em Minas Gerais, com destaque para o programa Pró-Mananciais, que promove ações como cercamento de nascentes e Áreas de Preservação Permanente (APPs), construção de bacias de contenção de água da chuva, adequação de estradas rurais, entre outros”, informou a Copasa.