20/04/2024
Alinhada à mineradora que busca se instalar na região, associação comunitária tenta realizar pleito excluindo lideranças e moradores contrários ao empreendimento
Texto atualizado às 14h55 deste domingo, 21 de abril de 2024; diferentemente do informado na primeira versão, a Associação Comunitária Quilombola de Queimadas comunicou aos associados que não realizará a votação do protocolo de consulta.
O Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) recomendaram, em 3 de abril, o cancelamento da reunião extraordinária em que seriam votados dois protocolos de consulta da comunidade quilombola de Queimadas, situada na divisa entre as cidades do Serro e Santo Antônio do Itambé, sobre a instalação de um empreendimento da mineradora Herculano na região. A reunião está prevista para este domingo, 21.
Membros da Associação Comunitária Quilombola de Queimadas, representação minoritária e favorável ao empreendimento minerário, tentam votar o protocolo de consulta de forma parcial, desconsiderando lideranças e outras pessoas opositoras. Essas outras referências comunitárias históricas de Queimadas, reconhecidas pela maior parte das cerca de 200 famílias do território, denunciam que a Associação foi infiltrada por pessoas que não integram a comunidade e são defensoras da mineração.
Segundo o Movimento Pelas Águas, do Serro, na sexta-feira, 19, a Associação informou que manterá a reunião, mas o protocolo de consulta não será votado. Os órgãos da promotoria pedem o cancelamento da votação até que “uma reunião conjunta dos ministérios públicos seja realizada e todos os esclarecimentos sejam efetivamente dados à população”.
A condução do protocolo de consulta tem motivado intensos embates na comunidade. Os ministérios públicos intervieram no processo após uma reunião sobre a elaboração do protocolo, em 17 de março, render ameaças às lideranças contrárias ao empreendimento em meio a um clima tenso.
Muitos quilombolas que historicamente ocupam o território não reconhecem a Associação Comunitária. Segundo esses moradores, ela atualmente inclui pessoas não quilombolas entre os seus associados e na diretoria. Além disso, a diretoria eleita em janeiro deste ano é acusada de violar o estatuto da Associação e de agir contra os interesses quilombolas.
Os protocolos de consulta são determinados pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) visando garantir que as comunidades tradicionais sejam consultadas previamente cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas que possam de alguma maneira afetá-las diretamente.
Na recomendação dos ministérios públicos é ressaltado que “a consulta é um processo de diálogo, de conversas justas e de boa-fé que garante a participação dos povos diretamente afetados, respeitando suas particularidades culturais, seu jeito e seus planos de vida e de futuro.”
O documento, assinado pelo procurador da República, Frederico Pellucci, e pelos promotores de Justiça Paulo Cesar de Lima, Camila Aparecida Pires e Luísa Carla Guimarães, é destinado ao presidente da Associação Comunitária Quilombola de Queimadas, Ataíde de Paula.
Coordenador do Núcleo de Direito Ambiental do Projeto Manuelzão, Pedro Andrade avalia que a pressão jurídica e comunitária “tem sido essencial para preservar o direito dos moradores da comunidade de serem ouvidos de forma plena”.