29/08/2024
Descumprindo determinação judicial que suspendeu atividade, mineradora segue operando na área com máquinas e mais de 40 caminhões, denunciam moradores vizinhos
Texto atualizado às 15h:57 de quarta-feira, 4 de setembro de 2024.*
Moradores vizinhos à Serra do Curral denunciam que a Empresa de Mineração Pau Branco (Empabra) está descumprindo a decisão judicial obtida pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), no último dia 14, que ordena a suspensão imediata de todas as operações de remoção e transporte de minério de ferro na mina Corumi, localizada em área tombada da serra, em Belo Horizonte. Relatos dão conta de que a mineradora segue atuando na área, com máquinas e ao menos 40 caminhões.
A Empabra atuava com base em uma autorização da Agência Nacional de Mineração (ANM), de 16 de outubro de 2023, para retirar e comercializar minério previamente lavrado e estocado na mina Corumi, sob pretexto de uma ação emergencial para evitar o carreamento do material com a chegada da época de chuva, “dificultando inclusive uma possível retomada da recuperação ambiental da área”.
Não demorou para que a “boa ação” se revelasse como extração ilegal de mais minério. Em 15 de maio, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) embargou as operações da Empabra após uma vistoria flagrar exploração irregular na área. Além da multa de R$64.945,69 por crime ambiental gravíssimo, ficou estipulada multa diária de R$27.957,82 em caso de descumprimento da ordem, que é dobrada a cada reincidência.
Contudo, em 10 de junho, o juiz Thiago Grazziane Gandra, da 1ª Vara dos Feitos da Fazenda Pública Municipal de BH, reverteu o embargo da PBH. A Prefeitura apresentou um recurso e, dias depois, o desembargador Jair Varão, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), determinou nova paralisação das atividades, em 18 de junho. Moradores de bairros vizinhos, como o Taquaril, denunciaram à época que as atividades seguiam.
Vizinho da área, o engenheiro e ambientalista Euler Cruz registra a movimentação de caminhões na área da Empabra em 19 de junho. Vídeo: Euler Cruz.
A “bem-intencionada” Empabra recorreu à Justiça Federal e encontrou acolhimento do juiz substituto Robson de Magalhães Pereira, do Tribunal Federal da 6ª Região (TRF-6), que permitiu a retomada das atividades na mina Corumi em 30 de julho. A mineradora alegou que fiscalizações da Agência Nacional de Mineração (ANM) e da Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam), posteriores à vistoria da PBH, não encontraram indícios de extração ilegal.
No último dia 14, saiu a última decisão judicial vigente, da 9ª Vara Cível de Belo Horizonte, atendendo a uma ação civil pública do MPMG. A sentença ordena a suspensão imediata de todas as operações e impõe multa diária de R$ 50 mil em caso de descumprimento.
Dias depois, o MPMG coordenou uma operação de fiscalização, na última sexta, 23, junto da Defesa Civil Estadual, o Corpo de Bombeiros, a Polícia Militar de Meio Ambiente, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad), a Feam e o Comando de Aviação do Estado (ComAvE), mirando todas as mineradoras que recentemente atuavam na Serra do Curral ou pleiteiam a exploração do local: além da Empabra, a Fleurs, a Gute Sicht e a Tamisa.
Segundo reportagem do jornal O Tempo, que acompanhou a fiscalização, máquinas pesadas foram flagradas em operação dentro da mineradora Empabra. O relato de moradores vizinhos à área, corrobora as informações de que, a despeito da última decisão judicial, a Empabra segue atuando.
O engenheiro e ambientalista Euler Cruz, que mora a 300 metros da entrada da mina, denuncia a movimentação. “Os caminhões não param há semanas. Dia e noite, com muito barulho e poeira, um verdadeiro inferno. A vinda do MPMG e outros aqui não adiantou nada. Estão escavando muito”.
Outro vizinho da área, o médico Arthur Nicolato relata que, “infelizmente, a Empabra está com força total minerando essa noite… Mais de 40 carretas em circulação”.
A Empabra obteve uma licença da ANM, posteriormente corroborada pela Feam, no dia 16 de outubro de 2023, para retirar ações emergenciais de retirada de minério previamente lavrado e estocado na mina Granja Corumi. Diferentemente do que a Empresa tem afirmado, de que “realiza apenas ações emergenciais determinadas pelas autoridades competentes”, partiu dela o pedido para retirar e comercializar o material.
A licença não permitia a extração de minério na área. Apenas permite a limpeza e escoamento de materiais que já foram extraídos e permaneceram na área desde a paralisação das atividades da Empabra em 2019, que foi motivada, entre outras irregularidades, por extração ilegal.
Na época, foi estabelecido o dever da empresa de apresentar em até 180 dias um Plano de Recuperação de Área Degradada (Prad) e um Plano de Fechamento de Mina, bem como a definição do uso futuro da área recuperada. A empresa também tinha 60 dias para realizar o desassoreamento de todos os sumps (bacias para conter as águas da chuva e que sobem do lençol freático) na área da mina Granja Corumi, com a remoção e disposição em local adequado dos materiais como preparação para o período chuvoso de 2023/2024.
Ao jornal O Tempo, a Empabra afirma que “em abril de 2024, a Empabra apresentou à ANM o Plano de Fechamento definitivo da Mina Corumi e reitera seu compromisso de fechar a mina, com a intenção de integrar a área recuperada ao Parque das Mangabeiras”.
Em entrevista ao portal Brasil de Fato Minas Gerais, o professor Marcus Vinícius Polignano, coordenador do Projeto Manuelzão falou sobre a atuação da mineradora. “Não existe um metro quadrado de área reparada, mas existe uma cratera gigantesca. Eu diria que a cratera é três ou quatro vezes maior que o tamanho da área efetivamente explorada. Caminhões de minérios já foram retirados. Os moradores já fizeram várias manifestações, demonstrando que, há muito tempo, a empresa vem fazendo a extração”.
O Projeto Manuelzão questionou a AMN por que a agência mantém a autorização para as ações da Empabra mesmo após as inúmeras denúncias de extração ilegal na área, além a respeito da flagrante perda de objeto da medida, uma vez que há meses já não estamos no período chuvoso — em BH não chove há mais de 130 dias —, e sobre a capacidade da agência de fiscalizar as atividades da Empabra, já que mesmo as vistorias de barragens estão suspensas por tempo indeterminado por falta de recursos.
A reportagem aguarda a resposta da agência.
A Granja Corumi, localizada logo abaixo do Pico Belo Horizonte, teve suas atividades de mineração iniciadas na década de 1950, quando a exploração desenfreada gerou uma cratera de 70 metros de profundidade em uma área de 66 hectares, além de uma pilha de minério fino sem valor econômico na época. Após o tombamento da Serra do Curral em 1990, a mineração foi interrompida devido à pressão popular e à ação do MPMG, mas a recuperação ambiental da área ficou sem plano definido.
A partir de 2003, a Embrapa fecha sucessivos acordos com o MPMG e a Semad para intervenções na área, permitindo-se sempre a comercialização de milhões de toneladas do fino de minério proveniente das ações.
Em 2006, por meio de um aditivo a um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado com o MPMG, a mineradora foi obrigada a recuperar o local conforme medidas definidas em um Prad. O plano foi apresentado no ano seguinte, reformulado em 2009 e começou a ser executado somente em 2012.
Contudo em 2015, a Empabra conseguiu uma licença junto à Semad, com anuência dos demais órgãos nas esferas municipal, estadual e federal, para lavrar 1,5 milhão de toneladas por ano, mesmo estando em área tombada da Serra do Curral. A lenta recuperação deu lugar à rápida expansão da devastação.
Entre uma irregularidade e outra, a empresa minerou a área de forma intermitente até 2019, quando teve as operações embargadas. A Empabra explorou trechos não permitidos e quantidades acima do autorizado, além de fornecer informações falsas à Semad.
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* Corrigimos a data da decisão da 9ª Vara Cível de Belo Horizonte que suspendeu as atividades da Empabra; o despacho foi assinado em 14 de agosto, não em 19 de agosto, como anteriormente informado.