Mudanças climáticas, desmatamento e pandemias: relatório da ONU aponta futuro caótico - Projeto ManuelzãoProjeto Manuelzão

Mudanças climáticas, desmatamento e pandemias: relatório da ONU aponta futuro caótico

18/08/2021

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU está concluindo um relatório que apontará as consequências entre alterações nos ecossistemas e o surgimento de novas pandemias

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou em relatório do dia 9 de agosto que a temperatura global da superfície terrestre continuará aumentando até pelo menos meados deste século, considerando todos os cenários de emissões. Além disso, o relatório informou que até o fim do Século 21 poderá ocorrer um aquecimento global acima de 1,5 ° C e 2 ° C, a menos que haja reduções profundas nas emissões de CO2 e outros gases de efeito estufa nas próximas décadas.

O “Mudança Climática 2021: A Base da Ciência Física” faz parte de uma série de relatórios que preparam para a Cúpula do Clima, a COP-26, que ocorrerá em novembro em Glasgow, Escócia. O relatório prevê uma série de catástrofes e responsabiliza diretamente o homem pela emissão de gases de efeito estufa.

Entre as possíveis consequências irreversíveis até o fim do século estão aumento do aquecimento, da frequência de ondas de calor marinhas, da acidificação e da baixa dos níveis de oxigênio. Aumento no nível de precipitações, de inundações e de oceanos. Mudança de padrões de umidade; inversões climáticas, com aumento de precipitação em zonas altas e diminuição nas regiões subtropicais; e maior duração de estações quentes, o que pode impactar criticamente a saúde e a produção de alimentos. Além do derretimento de geleiras e degelo do permafrost (o solo permanentemente gelado).

O relatório prevê ainda que eventos extremos que acontecem a cada 100 anos nos mares podem ocorrer anualmente. 

Mas as consequências das emissões descontroladas de CO2 na atmosfera não param por aí. O Grupo de Trabalho II do IPCC revelou ao UOL que um próximo relatório, em vias de conclusão, mostrará “o impacto de mudanças climáticas nos ecossistemas, sociedades humanas e sua infraestrutura, com o risco da perda de biodiversidade e futuras pandemias”. O relatório apontará relações entre as mudanças climáticas e o aumento de desastres naturais e pessoas desalojadas, além de estabelecer uma relação entre as ações antrópicas que elevam a temperatura global e o aumento de foco de doenças transmitidas por vetores, pela água e por alimentos em países fora da zona tropical. Um terceiro impacto analisado será na segurança alimentar. 

As perspectivas são totalmente pessimistas. “O risco de dengue crescerá e seu alcance será espalhado na América do Norte, Ásia, Europa e África subsaariana, colocando potencialmente outras 2,25 bilhões de pessoas em risco […] As mudanças climáticas provavelmente aumentarão a capacidade vetorial da malária e outras infecções em partes da África Subsaariana, África Oriental e Austral, Ásia e América do Sul. Doenças infecciosas ligadas à pobreza se tornarão mais severas, assim como a intensidade de febres hemorrágicas como ebola”, descreve trecho do documento preliminar.

O estudo também aponta que, na segunda parte deste século, de acordo com as projeções de crescimento populacional global em 1,6 bilhão a 2,6 bilhões de pessoas, mais pessoas estarão vulneráveis por viverem em regiões sem serviços básicos de saneamento e atendimento de saúde, aumentando as doenças transmissíveis, vetoriais e transmitidas pela água. A falta de condições mínimas de higiene impacta a limpeza e consumo de alimentos causando surtos de doenças bacterianas alimentares e diarreias, causadas por Salmonella e Campylobacter, por exemplo. O aquecimento também pode aumentar as infecções fúngicas em alimentos que são retirados do mar e águas doces, como algas e peixes.

Desmatamento e o surgimento de pandemias

Queimadas e desmatamento gerado pelo agronegócio podem contribuir para novas pandemias. Foto: Moises Silva Lima sob licença CC 3.0.

O relatório traz outro ponto importante tendo em vista as origens apontadas para a covid-19, a relação entre mudanças climáticas, mudanças de ecossistemas e saúde, especialmente a relação entre retirada de animais de seus habitats e a proliferação de novos vírus. O estudo aponta que “a exploração da vida selvagem e a perda de habitats naturais têm aumentado as oportunidades de saltos de patógenos da natureza para as populações humanas” e o surgimento do novo coronavírus aponta exatamente para o morcego e o pangolim, o mamífero mais traficado do mundo. As duas espécies teriam sido os possíveis vetores da doença.

Em um vídeo para o canal do médico cancerologista Drauzio Varella, a professora do Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília, Mercedes Bustamante, afirmou que “um sistema biodiverso é muito mais resiliente a perturbações e consegue manter um equilíbrio para diferentes formas de vida, entre elas uma enorme variedade de microrganismos. Alguns deles podem se tornar organismos patogênicos, que causam doenças aos seres humanos”. O desmatamento, portanto, desequilibra esse sistema e aproxima o contato das espécies silvestres com o homem. 

O professor da Faculdade de Medicina da UFMG e coordenador do Projeto Manuelzão, Marcus Vinícius Polignano, reforça que a mudança climática tem um efeito mediado para a geração de doenças. A mudança climática está diretamente relacionada ao aquecimento global, que por sua vez gera a proliferação de vetores. Por outro lado, ela gera também a escassez hídrica que se configura no território e faz com que os animais migrem para outras mediações, se aproximando das pessoas. A terceira opção dessa equação são os períodos secos que geram focos de incêndio na vegetação, o que causa perda do bioma, que já é suficientemente grave, mas leva também os poluentes e doenças respiratórias para as cidades. 

“Mudança climática é como um catalisador, modifica a equação, o que modifica tudo… É preciso entender que nós fazemos parte de ecossistemas. Não estamos fora, estamos dentro”, adverte Polignano.

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