Mundo mais que complexo

20/04/2011

Discussão sobre questões ambientais precisa levar em conta aspectos que marcam as relações contemporâneas


Foto: Comissão Pastoral da Terra – Alagoas
Questões
ambientais ganham novos sentidos e desafios ainda maiores em tempos de
globalização. Impõe-se a necessidade de discussões sobre meio ambiente que
passem por questões de ordem ética, política e filosófica. A comunicação se
insere nesse contexto com um discurso muito peculiar sobre o meio ambiente. “É
um discurso muito ligeiro: de um lado catastrófico, de holocausto, que o
planeta está vivendo seus estertores e a solução é ‘Plante uma árvore’ ou então
‘faça a coleta seletiva de lixo’. Essa é a crítica do geógrafo Carlos Walter
Porto-Gonçalves, professor da Universidade Federal Fluminense e autor do livro “A
globalização da natureza e a natureza da globalização”.

Em entrevista
ao Projeto Manuelzão, ele explica como as questões ambientais podem ser
compreendidas na contemporaneidade e discute o papel desempenhado pela mídia nesse
debate.

 

 O que pode ser entendido como neoliberalismo ambiental?

 Uma tendência a tratar os temas
ambientais sempre na perspectiva mercantil. Nos últimos dois anos desde a
Conferência das Partes de Copenhague, depois em Cancun, você viu uma mudança
significativa no tratamento do tema do clima. O tema da mudança climática
global vinha sendo negada pelos Estados Unidos porque eles se recusavam, por
exemplo, a assinar o Tratado de Kyoto. Quando os setores ligados ao mercado
financeiro descobriram que podiam ganhar dinheiro com isso, já mudaram
completamente o discurso. Virou um tema generalizado como se fosse um tema
natural. Ou seja, conseguiram converter também o clima em oportunidade de
negócio. Isso está acontecendo em todas as áreas: uma tendência de converter
tudo em negócio. Eu costumo ironizar dizendo que é uma espécie de nova Lei de
Lavoisier: na natureza nada se perde, tudo se transforma em oportunidade de
ganhar dinheiro. Esse é o primeiro aspecto. Um outro aspecto que me parece
também interessante destacar é que, na medida em que o neoliberalismo tem como
uma das suas características o abandono por parte do poder público das
políticas sociais e sobretudo aquelas de caráter universal, de direitos em
geral, uma nova forma dos governos atuarem nessa lógica liberal que é através
das organizações neo-governamentais. São
as chamadas ONGs, que inicialmente se chamavam Organizações Não -Governamentais,
mas cada vez mais são parte das políticas governamentais e do Banco Mundial.
Elas não são mais não-governamentais, elas são neo-governamentais. O Estado sai das políticas públicas e meio que
terceiriza a sua ação através de organizações neo-governamentais.

 

Você fala em seu livro de estratégias de poder que estão em jogo na
geopolítica da biodiversidade. Qual o impacto ambiental dessas estratégias de
poder?

 Os países que dispõem de riquezas
ambientalmente significativas são países que não detêm o poder econômico e, sobretudo,
o poder tecnológico. Os países que detêm a tecnologia, os capitais são
geralmente os países do Primeiro Mundo; e os países da África, América Latina e
Ásia são os países que geralmente detêm as maiores reservas de biodiversidade,
água e etc. E você passa a ter grande parte da geopolítica global colocada para
esses países exportarem commodities para
captarem recursos porque a moeda internacional é o dólar. Como eles devem muito
para ganhar dólar, eles exportam cada vez mais matéria-prima. Mas cada vez mais
matéria-prima significa o quê? Cultivo cada vez mais extenso, uso cada vez mais
intensivo de água e isso acaba tendo impactos ambientais enormes derivados
dessa geopolítica global que está em curso.

 

Como a questão da água é pensada nesse contexto de globalização?

Principalmente tem sido pensado
muito mais a água não como um direito. A água tem sido pensada muito mais como
uma mercadoria. Como se exporta água? Se exporta água naquilo que se gasta,
seja produzindo minério, seja produzindo soja. Esse é o primeiro aspecto: o
tratamento da água como mercadoria e não água como um direito das populações. Em
Cochabamba, na Bolívia, em 2000, aconteceu o primeiro caso de uma coalisão de
ambientalistas, camponeses, indígenas para expulsar uma empresa que acabava de
privatizar as águas na região de Cochabamba. Foi o primeiro caso de expulsão de
uma multinacional que acabava de privatizar a água, eles conseguiram fazer com
que fosse revogado essa concessão e retornasse como um direito e não como uma
mercadoria. É mais uma parte do neoliberlismo ambiental, transformar a água
também em mercadoria.

E aí você tem os discursos de que
a maior parte da água do planeta é uma água salgada, outra parte da água está
muito ligada às áreas de geleiras, de glaciares e aí o raciocínio vai te
conduzindo de tal maneira que você vai percebendo a escassez da água. A água
que a gente bebe em grande parte evapora e evapora inclusive dos mares. Então
não tem nada dizer que a maior parte da água do planeta é salgada. Na verdade
essa parte também sofre evaporação. No fundo, quando eu produzo o discurso da
escassez estou preparando o discurso da privatização porque se alguma coisa é
abundante você não pode vender. À medida em que você produz a ideia de
escassez, você começa então a dizer que a solução é vender. O próprio discurso
da escassez da água vai preparando a ideia de que é legítima a privatização e
aí até erros científicos banais como esses começam a ser perpetrados.

 

Você fala que o conceito de territorialidade tem relação tanto com
bases ecológicas quanto com sentidos existenciais. A compreensão de questões
ambientais a partir do território de bacia hidrográfica e não de limites
políticos entre estados e municípios faz parte do que se pode chamar de nova
territorialidade?

 Escolher a bacia hidrográfica
como critério também é um critério político. Não tem divisão que não vai ser
política. As chuvas que caem numa bacia hidrográfica, na verdade não são
geradas na bacia hidrográfica, elas vem de fora. Então tem dinâmicas que
transcendem as bacias. Além disso, tem os aqüíferos, os aqüíferos também, que
são explorados, não se reduzem às bacias, atravessam inclusive bacias, que é
critério geológico. Com o discurso da bacia você tenta reorganizar politicamente
os atores. Claro que você já tem territorialidades anteriores politicamente configuradas
em torno de municípios, estados, etc, que já tem grupos de poder estabelecidos
nessas territorialidades, digamos assim, convencionais. Quando você recoloca e
tenta trazer a bacia hidrográfica como critério, você está tentando deslocar o
sentido dos atores. Eu costumo dizer que quem escolheu o Rio Paraguai para
separar o Brasil da Bolívia não foi o Rio Paraguai. Também foi uma escolha
política. Não existe divisão natural que seja divisão natural, as divisões
naturais são escolhas feitas pelos homens e acabam sendo políticas.

 

Qual a função que a comunicação vem desempenhando atualmente? Você
acredita que ela estimula esse debate político e essa valorização da política
sobre as questões ambientais ou não?

Tem uma mídia cada vez mais
“empresarializada”, dominada pela lógica empresarial. Essa está absolutamente
contaminada pelos interesses das grandes corporações. Isso é preciso assumir
logo de cara. Tem uma comunicação que está comprometida diretamente com as
grandes corporações, são as mídias das grandes redes de televisão, de grandes
grupos empresariais corporativos, as grandes empresas de comunicação são
negócios e aí os interesses dos patrocinadores acaba interferindo claramente […].

 

Como essa situação se materializa no discurso sobre o meio ambiente?

É um discurso muito ligeiro: de
um lado catastrófico, de holocausto, que o planeta está vivendo seus estertores
e a solução é “Plante uma árvore” ou então faça a coleta seletiva de lixo. Então
o discurso parece esquizofrênico, entre o diagnóstico catastrófico e as
soluções absolutamente pueris. Não que as pessoas devam jogar lixo no chão, ou
não devam fazer coleta seletiva de lixo. Agora, diante da gravidade do que está
em curso, propor essas soluções…

A gente vê quase sempre a
imprensa falar que é preciso acordos internacionais porque na verdade vivemos
no mesmo planeta, porque as dinâmicas naturais não obedecem às fronteiras entre
os países, o que eu acho correto. Mas também deve-se dizer que as dinâmicas
naturais não respeitam as propriedades privadas, o empresário privado ainda é
uma instituição que parece um senhor da Idade Média, parece que é proprietário
absoluto. E não é porque o que ele faz na sua propriedade não tem efeitos só na
sua propriedade, tanto sociais como ambientais. A gente está diante da queda de
vários muros, não  só o muro de Berlim e
não só a necessidade de acordos internacionais, é também o condicionamento
social da própria propriedade privada. A gente não sabe até hoje a constituição
química de certos produtos que a gente consome normalmente no dia a dia porque
o direito dos proprietários de sigilo comercial está acima do direito à vida,
como se eu só tivesse o direito de discutir os efeitos como o estufa, por
exemplo, e não pudesse discutir as causas. É isso que está por trás da ideia da
sustentabilidade. Todo mundo quer ser sustentável, mas ninguém discute porque
temos uma sociedade insustentável, quais são as causas da insustentabilidade?
Não seria você ter uma sociedade que está referida o tempo todo num parâmetro
de riqueza que é meramente quantitativo que é o dinheiro? E qual o limite da
quantidade? É o ilimitado. Então numa sociedade pautada pelo ilimitado,
enquanto requerente de riqueza, ela tende a pressionar o tempo todo a qualidade
do ambiental, da vida, da cultura dos povos, etc.

 

Qual deveria ser o papel da comunicação nesse novo contexto? Como você
acredita que seria a forma ideal de comunicação?

Os meios de comunicação deveriam
ser tratados como coisas de interesse público e aí vem a necessidade de um
controle democrático da comunicação que está cada vez mais controlada por meios
privados. É como se fosse um grande shopping que a gente tem enormes
dificuldades de se manifestar porque estão controlados pelas grandes
corporações, etc. Então a gente fica vivendo dessas mídias alternativas onde a
gente tenta interferir via internet que alguma conseqüência acaba provocando
[…]. Estamos diante de uma necessidade imensa de uma revolução democrática
nos meios de comunicação. 

 

Esse papel pode ser atribuído às novas mídias? Elas têm uma inserção
diferente nesse contexto ou é algo ainda maior que a internet, por exemplo?

Ela tem que ser mais profunda,
mais do que o direito de ser informado, você tem o direito a informar, você tem
que multiplicar as fontes. Ao mesmo tempo você tem as redes que precisam se
articular mais, a gente acaba apelando pros facebooks
da vida, para os twitter que acabam
sendo hoje um recurso de fazer certas denúncias, mas não tem o impacto de redes
de televisão […].

 

Página Inicial

Voltar