04/06/2025
Aprovado pelo Senado, PL da Devastação é repudiado nacionalmente por favorecer interesses econômicos e ameaçar populações e áreas protegidas
Por 54 votos a favor e 13 contra, o Senado Federal aprovou, no último dia 21, o projeto de lei que desmantela o licenciamento ambiental no país. O Projeto de Lei 2.159/2021, da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, flexibiliza profundamente as proteções ambientais em favor de interesses econômicos. A proposta, conhecida como PL da Devastação, ainda revoga dispositivos da Lei da Mata Atlântica e abre brecha para o desmatamento dos remanescentes de floresta mais preservados do bioma.
Entre os retrocessos previstos está a adoção do licenciamento por adesão e compromisso (LAC) para permitir a concessão automática de licenças ambientais exclusivamente via autodeclaração do empreendedor, sem a exigência de análises por parte dos órgãos competentes. A modalidade dispensa apresentação de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e, portanto, transforma o processo em um autolicenciamento.
O projeto também cria uma licença ambiental especial (LAE), destinada a projetos considerados “prioritários” ou “estratégicos” pelo governo federal, que submete a ordem e o sistema de análise a pressões e interesses políticos externos. O processo dispensa etapas de análise e prioriza a emissão em até um ano, sem necessidade de EIA em casos específicos.
Não é estabelecida, no texto, uma lista mínima de atividades que devem passar pelo licenciamento, como mineração, metalurgia ou obras civis. A decisão é transferida para estados e municípios, sem qualquer parâmetro nacional, o que compromete a harmonização da legislação ao promover divergências de classificação entre regiões.
No Senado, presidido por Davi Alcolumbre (União-AP), o projeto foi relatado por Tereza Cristina (PP-MS) e Confúcio Moura (MDB-RO).
O PL ameaça gravemente as áreas protegidas, incluindo territórios indígenas e quilombolas e unidades de conservação (UCs). Entre os aspectos mais preocupantes da proposta está a restrição da necessidade de consulta prévia às comunidades na área de impacto de empreendimentos apenas a povos indígenas em terras já demarcadas e comunidades quilombolas tituladas.
Esse entendimento ignora outros grupos tradicionais, além de violar direitos garantidos pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre os povos indígenas e tribais, da qual o Brasil é signatário. A convenção assegura que povos e comunidades tradicionais sejam consultados sobre qualquer empreendimento ou ação que impactem seus territórios, cultura e modos de vida, o que não se restringe apenas às comunidades com territórios formalmente reconhecidos. Isso porque, historicamente apagados, muitos povos e comunidades estão em processo de retomada de suas identidades e territórios.
Na mesma linha, o texto prevê a participação das autoridades envolvidas nos processos de licenciamento de UCs, como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e órgãos estaduais e municipais competentes, somente nas situações em que essas áreas protegidas estiverem inseridas dentro da área diretamente afetada (ADA) pelo empreendimento.
Outro problema grave é que a ausência de manifestação dos órgãos especializados, como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e o ICMBio, não impede a emissão de licenças e seus pareceres tornam-se não vinculantes, permitindo que os processos desconsiderem decisões técnicas.
O texto dispensa o licenciamento para inúmeras atividades agrossilvipastoris mediante autodeclaração, ignorando decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que já declararam inconstitucionais normas similares. Essa flexibilização, aliada à facilitação de obras de infraestrutura, como a abertura de rodovias, representa uma ameaça ainda maior para a Amazônia, onde o desmatamento está fortemente associado à construção de estradas.
As águas também estão em risco com a possibilidade de que a outorga não seja considerada no licenciamento ambiental, como determina o PL. A outorga é um instrumento da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), que orienta a gestão das águas no Brasil e é indispensável para a garantia de segurança hídrica e do acesso à água em qualidade e quantidade.
A proposta desvincula esse instrumento do licenciamento ambiental, inclusive para empreendimentos que utilizem a água, como hidrelétricas, reservatórios de abastecimento público e estações de tratamento.
O projeto ainda abarcou, de última hora, uma emenda que revoga dispositivos importantes da lei de proteção da Mata Atlântica. Assinada pelo senador Jayme Campos (União-MT), o “jabuti” revoga os parágrafos 1º e 2º do Artigo 14 da legislação em vigor, permitindo supressão de vegetação primária, secundária e em estado avançado de regeneração sem análise prévia dos órgãos ambientais estaduais ou federais.
Segundo a Fundação SOS Mata Atlântica, “a decisão retira garantias históricas de proteção e ameaça diretamente os 24% restantes da cobertura original da Mata Atlântica, especialmente os 12% restantes de florestas maduras”.
Em nota técnica, o Instituto Socioambiental (ISA) afirmou que, “ao inviabilizar a participação das autoridades responsáveis, considerar parcialmente o conjunto de áreas protegidas no Brasil e reduzir significativamente a área de influência do empreendimento, o PL nº 3.729/2004 resultará no aumento do desmatamento e degradação ambiental nas áreas protegidas em níveis que impedirão o Brasil de cumprir suas metas assumidas em acordos internacionais”.
O Observatório do Clima, em análise detalhada do texto, identificou que, se mantidas as disposições atuais, muitas delas inconstitucionais, “a consequência será, de forma inevitável, a intensa judicialização da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, gerando insegurança jurídica para as atividades econômicas e para a comunidade”.
No entendimento das entidades, a proposta fere o princípio do não retrocesso ambiental, que proíbe o recuo em direitos e proteções já consolidados a fim de assegurar o direito constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Para Marcus Vinícius Polignano, coordenador do Projeto Manuelzão, o projeto “é um retrocesso enorme para a gestão ambiental e uma ameaça ao futuro socioambiental do país. Essa tratativa de considerar o ambiente como um adversário no processo do desenvolvimento econômico é um equívoco total e um risco para o futuro no que tange ao desenvolvimento do próprio país. É um sucateamento de toda a base fundamental do país, que é a proteção da produção de água, das matas e da biodiversidade”.
O PL 2.159/2021 agora retorna à Câmara dos Deputados para revisão.
Na manhã do último domingo, 1º, centenas de organizações, movimentos sociais e ambientalistas saíram às ruas de todo o país em um ato nacional unificado contra o PL da Devastação. Em todas as regiões do Brasil, pelo menos 17 cidades em 12 estados aderiram às mobilizações, incluindo diversas capitais, como São Paulo, Brasília, Manaus, Belém, Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre.
Em Belo Horizonte, a manifestação teve início na Praça da Liberdade às 9h e seguiu até a Praça Afonso Arinos, onde se encerrou às 14h. O ato reuniu movimentos ambientalistas, indígenas e de proteção dos animais, estudantes e organizações da sociedade civil, em repúdio ao projeto considerado o maior ataque ao meio ambiente no país desde a reforma do Código Florestal em 2012.
Além de marcar posicionamento contrário à proposta, a manifestação na capital mineira também repudiou o ataque à Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, perpetrado por senadores na última terça-feira, 27, na Comissão de Infraestrutura do Senado Federal. A ministra se retirou de uma sessão após ouvir do senador Plínio Valério (PSDB-AM) que não merecia respeito.
O ato ainda lembrou os desastres-crime causados pela mineração nos rios Doce e Paraopeba e alertou para os riscos de liberação da atividade em terras protegidas, caso o PL seja aprovado. O Projeto Manuelzão marcou presença na manifestação.
Participe da campanha contra o PL da Devastação. Acesse o site e pressione o presidente da Câmara dos Deputados para que ele rejeite a proposta: pldadevastacao.org. O movimento se articula também nas redes sociais, por meio de tags como #pldadevastaçao.