O preço do concreto: cenas de terror se repetem após chuvas na Grande BH - Projeto ManuelzãoProjeto Manuelzão

O preço do concreto: cenas de terror se repetem após chuvas na Grande BH

02/11/2021

Cada vez mais frequentes, desastres denotam a urgência de repensarmos nosso modelo de urbanização e a relação das cidades com suas águas

Depois de muito tempo de seca, altas temperaturas e recordes de queimada, as chuvas voltaram a cair em outubro na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Nesta segunda, 1º de novembro, véspera do feriado de Finados, a cidade registrou temporais, alagamentos e inundações. A Defesa Civil emitiu alertas de até 80 milímetros de chuva, granizo e possibilidade de risco geológico, válido até quarta-feira (3), em sete regiões: Pampulha, Nordeste, Noroeste, Leste, Oeste, Centro-Sul, Barreiro, Venda Nova e Norte. Parte significativa de todo o volume de precipitação previsto para novembro já caiu na cidade.

Ontem, no final da tarde e início da noite, todas as regionais de Belo Horizonte tiveram fortes chuvas, principalmente a Oeste e a Pampulha. A avenida Tereza Cristina, no Barreiro, ficou alagada e foi bloqueada às 18h50. Debaixo dela, mais uma vez o córrego Ferrugem ficou cheio e correu risco de transbordar. Esse é o motivo por trás de tantas inundações na cidade: a maior parte de nossos córregos e ribeirões são canalizados e poluídos por rejeitos sólidos e esgoto, elementos que impedem o devido escoamento da água das chuvas.

Além da Tereza Cristina, devido ao risco de transbordamento do ribeirão Arrudas e do córrego Ferrugem, as avenidas Francisco Sá e Silva Lobo, também na regional Oeste, precisaram ser interditadas devido ao alto risco de transbordamento dos córregos Piteiras e dos Pintos. A Avenida Vilarinho, em Venda Nova, também foi paralisada no início da tarde. Na Região Centro-Sul, a Rua Joaquim Murtinho e a Avenida Prudente de Moraes precisaram ser fechadas por causa de pontos de alagamento causados pelo transbordamento do Córrego do Leitão.

Os efeitos das fortes chuvas sobre a estrutura urbana belorizontina não são novidade: todo ano, de meados do outono até o final do verão, a cidade sofre com os riscos das enchentes, alagamentos e deslizamentos de terra. A capacidade do solo de absorver as chuvas nas cidades está diretamente ligada à presença de territórios permeáveis, como áreas verdes e leitos de água, além da saúde e robustez dos próprios rios e córregos. As consequências são mais graves para pessoas em vulnerabilidade social e que moram em regiões com infraestrutura urbana insuficiente, como às beiras de corpos d’água, em encostas de morros, em locais onde falta calçamento e saneamento básico.

Soluções não existem fora da natureza

Em regiões como Venda Nova, Barreiro e Oeste, o problema das enchentes e alagamentos é histórico. A cultura da canalização dos rios, que estão debaixo das principais avenidas em toda a Grande BH – dos 654 quilômetros da malha fluvial de Belo Horizonte, 208 estão escondidos sob ruas, avenidas e construções. Em fevereiro de 2020, passou a vigorar em Belo Horizonte o novo Plano Diretor da capital mineira, que proíbe novas canalizações de rios na cidade. É um primeiro passo na construção de um novo modelo de cidade, mas ainda há muito a ser feito.

Na mesma época, o Manuelzão e mais de 20 outras organizações apresentaram à Câmara Municipal de Belo Horizonte “10 propostas para lidar com as enchentes em BH”. No documento, os signatários destacam que as dificuldades em lidar com a diversidade hídrica na capital mineira ocorre menos pela falta de investimentos e mais pela lógica equivocada do empenho dos recursos públicos. É urgente repensarmos nosso modelo de urbanização e relação com as águas: precisamos de cidades que abarquem, e não contornem a natureza. É necessário entender a geologia da cidade, de alta altitude, para elaborar soluções efetivas de drenagem, ao invés de empenhar milhões de reais para lidar com os estragos de sempre.

O primeiro passo apontado é a criação de cordões de recuperação de áreas permeáveis, iniciando pelas regiões mais elevadas em direção ao fundo de vale, diminuindo assim a pressão hídrica sobre as partes mais baixas e a aplicação do princípio previsto no Código Florestal Brasileiro de preservação do terço superior dos morros para recuperação hídrica dos cursos d’água. Outras medidas prioritárias são o investimento no tratamento de cursos d’água e a criação de parques ciliares, a criação de corredores ecológicos e áreas verdes. Além de menos onerosas do que as soluções de concreto, as ações são apontadas como capazes de aumentar a permeabilidade do solo, diminuir a velocidade com que a água chega aos fundos dos vales e mesmo possibilitar uma relação lazer e bem-estar da população com seus cursos d’água.

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