O Projeto Manuelzão e a Transdisciplinaridade

16/08/2011

Artigo do idealizador do Projeto Manuelzão e Professor da Faculdade de Medicina

Estamos plenamente conscientes das
dificuldades inerentes à complexidade da estrutura de governo da UFMG,
que sempre precisa consertar o carro em movimento. Mas, ao mesmo tempo,
decisões históricas precisam ser tomadas, indo além do senso comum, para
mudar o rumo das universidades brasileiras.

E estamos aqui solicitando fraternalmente a solidariedade
acadêmica aos nossos colegas professores, estudantes e técnicos da UFMG
bem como da direção da Universidade, para que examinem nossas
ponderações sobre as condições de trabalho do Projeto Manuelzão. Vivemos
um momento de intensa angústia e impasse, resultado dos efeitos
cumulativos e sinérgicos de adiamentos constantes de decisões por força
de circunstâncias conceituais, institucionais e práticas no interior da
UFMG nos anos passados. Fizemos a nossa parte nesses 14 anos.

Não podemos aceitar passivamente o findar de nossas
esperanças de sujeitos do processo histórico e terminar em vão tantos
esforços, reconhecidos pela academia e pelo conjunto da sociedade, pelo
que estamos realizando em ensino, pesquisa e extensão focados na Bacia
Hidrográfica do Rio das Velhas.

A UFMG não se preparou devidamente para esse momento. A
criação de órgãos suplementares ou de núcleos transdisciplinares está na
ordem do dia no plano internacional. Na ausência de condições
institucionais ideais, é mais conveniente se pagar o preço de deixar
iniciativas criadoras aflorarem, trazendo sentimentos novos à
universidade, que pisar no freio. É preferível viver uma primavera. Essa
atitude será melhor que sufocar essas atividades agora para depois
tentar ressuscitá-las. Os momentos não voltam. A história reconhecerá o
mérito e a coragem dos dirigentes da UFMG em correr os riscos da
mudança, mesmo porque não mudar agora é risco maior. Sabemos que a
inteligência emocional move, enquanto a racionalização burocrática
paralisa.

A transdisciplinaridade só é possível com a transgressão de
fronteiras conceituais e princípios tradicionais de organização do
conhecimento. Sim, respeitar as disciplinas é imprescindível, pois geram
conhecimentos, mas elas precisam ter liberdade para se articularem.
Imaginamos que seja este o sentido de finalmente estarmos todos nos
concentrando no campus Pampulha, superando nossa origem de unidades
autônomas. A um Prêmio Nobel de Medicina é atribuída a máxima segundo a
qual “o mundo tem problemas, a universidade tem departamentos”. A frase
resume o quanto o isolamento das áreas prejudica a pesquisa, o ensino e
a compreensão do Universo. A universidade não pode ter muros
interiores. A transdisciplinaridade é hoje, inclusive, defendida pelo
Conselho de Pesquisa, Ensino e Extensão (Cepe) como uma das prioridades
de investimentos e articulações para o desenvolvimento de atividades de
ensino, pesquisa e extensão.

Mas toda estrutura de poder e de gerenciamento tem por
lógica a sua própria sobrevivência e reprodução, e nessa direção é
costume abdicar de seus projetos de transformação, resistindo às
mudanças. Porém, elas não são mais importantes que as transformações
qualitativas impulsionadas pelo desenvolvimento das forças produtivas do
conhecimento.

O desenho institucional da UFMG está defasado frente ao
desenvolvimento das iniciativas acadêmicas mais avançadas. Para fazer,
há muito mais obstáculos que para deixar de fazer; não faz nem deixa
fazer. Essa lógica é perversa. No nosso caso, não nos move nenhum
sentimento menor, seja de corporativismo, de propriedade intelectual, de
poder, trata-se unicamente de uma linha de trabalho em torno de uma
teoria e de uma proposta acadêmica de ensino, pesquisa e mobilização da
sociedade, que conquistaram amplo respaldo da comunidade acadêmica e da
sociedade em geral.

Reivindicamos que nos seja concedido o terreno já prometido
para construirmos o Centro Transdisciplinar em Bacias Hidrográficas e
Saúde Coletiva Ecossistêmica/Projeto Manuelzão/UFMG, para integrar as
nossas atividades acadêmicas de ensino-pesquisa, extensão e
pós-graduação dos diversos departamentos e disciplinas que integram o
Projeto Manuelzão, arcando nós com os custos de construção e dos
equipamentos através de captações de nossa responsabilidade. Isso dará
plenas condições para o funcionamento do nosso Conselho Gestor
Transdisciplinar e convivência acadêmica. Aliás, o ex-reitor Ronaldo
Pena e seus pró-reitores tinham esse entendimento e se comprometeram
oferecendo área para esta construção, que chegou a ser reservada em
croquis pela professora Maria Lúcia Malard, e obteve parecer favorável
do professor Bismarck Vaz da Costa, que ficou na dependência de
assinatura de uma unidade responsável. Chegamos a mobilizar parceiros
externos à UFMG solidários em apoiar e financiar esta edificação, de
características ecológicas.

O objetivo é trabalhar em uma perspectiva estratégica de
expansão das metodologias consolidadas na bacia do Rio das Velhas para a
bacia de todo o Rio São Francisco, em defesa da biodiversidade. Dessa
forma, a liderança e a capacidade nucleadora de nossa Universidade serão
construídas em redes de parcerias nacionais e internacionais na busca
de soluções na área ambiental. Consideramos que nesses 14 anos
conquistamos legitimidade social e acadêmica para apresentar esta
proposta à UFMG e credibilidade para afiançá-la.

O todo é maior que a soma das partes, assim como a UFMG é
maior que a soma de departamentos e unidades, e o Manuelzão é maior que
os seus setores e atividades tomados isoladamente e fisicamente
desconectados. O desenvolvimento da ciência tem se dado pela revisão e
reorganização permanente dos seus princípios e não pelo mero acúmulo dos
conhecimentos. Esse é um dos princípios da transdisciplinaridade, sendo
essencial uma convivência que permita essas discussões cotidianas em
função de interesses científicos e metas. O Manuelzão está e sempre
esteve aberto a seguir essa linha de trabalho.

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