04/07/2025
Conferência sobre Mudanças Climáticas será realizada na capital do Pará, em novembro, em meio a desafios e questionamentos crescentes
Em novembro de 2025, o Brasil receberá pela primeira vez a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP). A 30ª edição do evento, promovido pela Organização das Nações Unidas (ONU), reúne, em Belém, capital do Pará, políticos, cientistas e representantes da sociedade civil da maior parte do mundo para definir estratégias e compromissos de combate à crise climática. O acontecimento, inédito no Brasil, vem gerando expectativas em toda a sociedade por representar uma oportunidade histórica para o país reafirmar seu papel de liderança nas negociações sobre mudanças climáticas e sustentabilidade global.
A Conferência das Partes (COP) surgiu da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), inaugurada durante a Cúpula da Terra no Rio de Janeiro em 1992. A UNFCCC entrou em vigor em 1994, sendo a primeira COP realizada em Berlim, em 1995. Desde então, estes encontros anuais têm sido palco de decisões importantes, como o Protocolo de Kyoto (1997), tratado feito com o objetivo de reduzir as emissões de gases do efeito estufa, e o Acordo de Paris (2015), que estabeleceu a meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C acima dos níveis da época pré-industrial. Cabe lembrar que em 2024, segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), foi registrado o recorde de temperatura global, que ficou 1,55°C acima do limite estabelecido pelo Acordo de Paris.
Para Marcus Vinícius Polignano, diretor do Instituto Guaicuy, limitar o aquecimento a 1,5°C é reconhecer que cada grau adicional a isso eleva significativamente os riscos de eventos climáticos extremos. “Não é muito difícil entender isso, porque já estamos vendo acontecer com tanta regularidade as chuvas desproporcionais, o aumento do nível do mar, a perda de biodiversidade e até o desaparecimento de recifes de coral”, detalha. Para o professor, explicar de uma forma didática a situação atual é pensar como se o planeta Terra estivesse com uma febre alta, precisando de ajuda.
“O aumento da temperatura é uma febre, consequência de uma doença muito maior que é essa estruturação de modelos econômicos capitalistas que não dialogam de nenhuma maneira com a convivência com o meio ambiente. Ao longo de décadas, a COP vem dizendo que não podemos caminhar com a temperatura acima de 1,5ºC até o final de 2030, mas na verdade o que a gente vem assistindo é cada vez mais o caminho para uma direção contrária. Será, sim, um desafio encontrar soluções se o capital seguir sendo a prioridade do ser humano”, explica.
Entre outros objetivos a serem cumpridos pelos países que integram a COP está o de oferecer suporte às comunidades vulnerabilizadas para que elas possam se adaptar às mudanças do clima. “Falar sobre o racismo ambiental é urgente. Os efeitos das mudanças climáticas não atingem todas as pessoas de forma equivalente. E isso deve ser pensado coletivamente, com políticas públicas que deem conta de suprir essa desigualdade”, pontua Polignano.
Outra prioridade dos países que integram a COP é a redução das emissões de carbono. Neste sentido, segundo Polignano, é comum que seja citada a transição energética como solução incontornável e irretocável para a crise climática, mas ele reitera que este tema exige cuidado e atenção. “Ainda é algo muito abstrato. O que vemos prevalecer é a economia do carbono, alguns países estão querendo produzir ainda mais petróleo. Vemos uma Terceira Guerra Mundial prestes a acontecer por causa do petróleo. O Brasil também está aprovando a exploração do petróleo na própria foz do Rio Amazonas”, pontua.
O diretor do Guaicuy também citou o debate sobre a transição energética, tema que tem gerado bastante expectativa em quem está atento aos debates da COP 30. “A transição energética sugere uma energia ‘limpa’, mas o que seria isso? O que são as energias renováveis, quais são os seus impactos? Elas realmente contribuem para a proteção do meio ambiente ou será mais um modelo econômico com palavras enfeitadas?”, questiona.
No total, a UNFCCC conta com 198 países signatários, que estarão com seus representantes na COP 30. Todos eles têm direito a voz nas negociações, embora o peso político de suas posições varie. O evento dura duas semanas, sendo a primeira dedicada a discussões mais técnicas e a segunda para encontros políticos e assinatura de acordos. Em paralelo a isso, acontecem diversos eventos, como exposições, workshops e palestras.
A conferência é dividida em duas zonas. Na azul, gerenciada pela ONU, acontecem as negociações políticas e os encontros diplomáticos. Para assegurar que o processo seja transparente, é comum que essas reuniões contem com a presença de observadores, incluindo representantes de agências da ONU, organizações intergovernamentais, Organizações Não Governamentais (ONGs), instituições religiosas e também da imprensa. Depois dos diálogos, cada grupo costuma apresentar uma proposta, que contribui para a elaboração do documento final da cúpula. Esse texto é desenvolvido e amplamente discutido nos dias finais do evento, com a participação dos líderes de cada delegação.
Já na zona verde, são disponibilizados os painéis para acompanhamento do público geral dos debates promovidos por ONGs, além de outros eventos. A expectativa é que a COP 30 receba de 40 a 60 mil pessoas na capital paraense.
A participação dos Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs) na COP 30 é fundamental para garantir que suas vozes e saberes sejam considerados nas decisões sobre o clima e o meio ambiente. “Esses grupos representam conhecimentos ancestrais e práticas sustentáveis que podem contribuir significativamente para a construção de soluções justas e eficazes frente à crise climática”, justifica Polignano. Segundo a declaração política divulgada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) em abril deste ano, esses povos estão se unindo para fortalecer sua presença na conferência, defendendo seus direitos e promovendo uma agenda de Justiça Climática que reconheça suas especificidades e contribuições. A carta reafirma a aliança histórica entre os povos e sua centralidade na luta contra a crise climática.
A deputada federal, professora e ativista indígena Célia Xakriabá (Psol-MG) contou que está há tempos dialogando com lideranças de várias regiões de Minas, com movimentos sociais, com universidades e com a sociedade civil para construir uma representação diversa e enraizada nas discussões da COP 30. “Queremos garantir que quem fale na COP fale com legitimidade, com vínculo com o chão da luta. Não é sobre ir à COP pra tirar foto, é pra reivindicar política pública, território, orçamento. É pra que o mundo saiba que não existe transição ecológica sem transição de poder”, afirma.
Para a deputada indígena, pela primeira vez, a floresta vai falar em sua própria língua neste evento. “A realização da COP 30 no Brasil, e especialmente na Amazônia, abriu caminhos para que mais vozes originárias estejam presentes. Mas não é uma concessão: é fruto de muita luta, articulação e resistência dos povos indígenas e das comunidades tradicionais. A gente não quer só estar na COP, queremos mudar o tom da conversa. Porque quem cuida da terra precisa ser ouvido quando o assunto é clima. Não dá pra debater futuro sem escutar quem está lutando pelo presente há mais de 500 anos”, diz.
Segundo ela, os povos originários e demais povos tradicionais vão levar as demandas da terra, das águas e dos povos do Cerrado – que é o berço das águas, mas também o bioma mais destruído do Brasil. “Minas Gerais é um território de injustiças ambientais históricas, marcado pela mineração predatória, pelos rompimentos de barragens e pelo racismo ambiental. Nós vamos levar denúncias, mas também vamos levar alternativas. Vamos mostrar que os territórios tradicionais não são áreas atrasadas: são territórios de futuro, de tecnologia ancestral, de cuidado com o clima”, afirma.
Célia aproveita para dizer que deseja que o encontro seja um marco para reconhecer que sem justiça climática não há justiça social. “Esperamos que o Brasil, como anfitrião, escute mais os povos que protegem os biomas do que os CEOs que lucram com sua destruição. Não basta dizer que é uma COP da Amazônia, é preciso garantir que ela seja feita com os amazônidas, com os povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, com as mulheres e juventudes que vivem na linha de frente da crise climática”, comenta.
Tanto Polignano como Célia Xakriabá reafirmam a importância da participação da sociedade civil nos debates presentes na COP 30, não somente durante o evento, mas de forma permanente. “Um caminho possível para quem quer dar este passo é pesquisar ONGs e Organizações da Sociedade Civil (OSCs) com projetos relacionados ao tema. Também tem os Movimentos Sociais de Base, normalmente mais voltados para as pautas como a luta por água, luta contra os agrotóxicos, luta por demarcação. Existem os movimentos identitários, movimentos negros, indígenas, de comunidade tradicionais, de vários outros grupos, que também têm suas lutas focadas na reivindicação dos direitos de cada um”, exemplifica Polignano.
Conforme divulgado pelo jornalista Daniel Camargos na Carta Capital, grandes empresas do ramo da mineração e do agronegócio irão financiar a cobertura da mídia do evento. Com um histórico de violações socioambientais, empreendimentos como a Vale, JBS e Hydro estão interessadas em oferecer estrutura para jornais como Folha de São Paulo, O Liberal e O Globo.
Sobre este tema, Polignano questiona qual seria o real interesse das empresas citadas em patrocinar justamente os veículos de mídia. “É uma forma de controlar o que vai ser noticiado. É esperado também que as empresas envolvidas em crimes ambientais tentem se aproveitar deste tipo de evento para exercer o que a gente chama de Greenwashing, ou ‘lavagem verde’ em português. Nesses momentos e nessas oportunidades de grande visibilidade, elas aproveitam para enganar a sociedade, fingindo oferecer produtos e serviços que vão de acordo com a responsabilidade ambiental. Sabemos que, na verdade, o que prevalece para elas é o lucro. E para lucrar, elas seguem sendo capazes de destruir e matar”, sinaliza Polignano.