Operação expõe esquema bilionário de corrupção e crimes ambientais em Minas Gerais – Projeto Manuelzão

Operação expõe esquema bilionário de corrupção e crimes ambientais em Minas Gerais

17/09/2025

Polícia Federal prende diretor da ANM e desarticula organização criminosa que fraudava licenças para mineração ilegal

Corrupção no licenciamento devastou serras e bacias hidrográficas do estado. Foto: Luiz Santana/ALMG.

A Polícia Federal desarticulou nesta quarta-feira, 17, uma organização criminosa especializada em fraudar licenciamentos ambientais para mineração irregular em Minas Gerais. A rede criminosa envolve um conglomerado de mais de 40 empresas que atuam na extração de minério no estado, movimentando R$ 1,5 bilhão em um esquema de corrupção e crimes ambientais.

A operação Rejeito, realizada em conjunto com a Controladoria-Geral da União (CGU), o Ministério Público Federal (MPF) e a Receita Federal, cumpriu 22 mandados de prisão e 79 mandados de busca e apreensão. Entre os alvos está o diretor da Agência Nacional de Mineração (ANM), Caio Mário Trivellato Seabra Filho, preso junto ao ex-diretor nacional da agência Guilherme Santana Lopes Gomes. Segundo a decisão judicial, os dois são suspeitos de facilitar autorizações e trâmites internos para a extração ilegal de minério, ignorando pareceres técnicos e favorecendo empresas privadas em troca de vantagens indevidas.

O grupo investigado corrompeu servidores públicos em diversos órgãos estaduais e federais de fiscalização na área ambiental e de mineração a fim de obter autorizações fraudulentas para exploração em grande escala, inclusive de áreas de alto valor histórico e ambiental, como a Serra do Curral, patrimônio tombado e principal símbolo de Belo Horizonte.

Corrupção sistêmica

A decisão detalha um complexo esquema de cooptação de servidores de diferentes órgãos, entre eles a ANM, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), o Instituto Estadual de Florestas (IEF), o Conselho de Política Ambiental (Copam) e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Indícios mostram pagamento de propinas, falsificação de documentos e influência em decisões para aprovar ou cassar licenças conforme os interesses privados.

Além do núcleo de liderança e do administrativo-financeiro, o inquérito identificou núcleos de investidores, operadores e articuladores políticos, responsáveis por saques em espécie, criação de empresas “laranja” e bloqueio de iniciativas legislativas de proteção ambiental.

No centro da rede criminosa está um trio empresarial que coordenava as operações: Alan Cavalcante do Nascimento, que exercia a coordenação geral da organização, controlando pagamentos de propina e articulando operações financeiras; o ex-deputado estadual João Alberto Paixão Lages, que ocupava o cargo de “diretor de relações interinstitucionais”, responsável pela articulação política com autoridades e Helder Adriano de Freitas, que atuava como “diretor operacional”, especialista técnico que elaborava contratos e coordenava operações minerárias junto aos órgãos ambientais.

A investigação demonstra que os três ampliaram exponencialmente as atividades criminosas após se tornarem réus na operação Poeira Vermelha, em 2020, ao invés de encerrar as irregularidades. Entre novembro de 2020 e maio de 2022, criaram dezenas de empresas de fachada e expandiram a rede de corrupção para múltiplos órgãos públicos.

Entre os presos também está o ex-chefe da Polícia Administrativa da Polícia Federal, Rodrigo de Melo Teixeira, que até o fim do ano passado ocupava o cargo e atualmente era diretor de administração e finanças. A PF afirma que eles atuaram em um processo com o objetivo de favorecer uma das empresas investigadas, a Aiga Mineração, em troca do recebimento de propina.

A organização operava através de um intrincado sistema de empresas de fachada. A Fleurs Global Mineração funcionava como núcleo financeiro, movimentando R$ 4,3 bilhões entre 2019 e 2024; a Mineração Gute Sicht era a empresa original do esquema, utilizada nas primeiras operações irregulares na Serra do Curral e a Minerar Participações controlava os principais projetos minerários bilionários.

Os investigados responderão por crimes de organização criminosa, corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro e crimes ambientais. Além das 22 prisões, a Justiça Federal determinou bloqueio patrimonial de mais de R$ 1 bilhão, atingindo 64 pessoas físicas e jurídicas. As atividades econômicas de 42 empresas foram suspensas, incluindo mineradoras, consultorias ambientais e sociedades anônimas de fachada.

Os 79 mandados de busca e apreensão foram cumpridos em residências, empresas, gabinetes da Feam, IEF, ANM e Copam, além do escritório de advocacia suspeito de intermediar propinas. O processo segue em andamento e a PF afirma que novas fases da investigação poderão revelar a extensão dos danos e a participação de outros agentes públicos e privados.

Histórico de ilegalidades

O Projeto Manuelzão e o Instituto Guaicuy há anos acompanham e denunciam irregularidades e casos suspeitos de corrupção no setor de mineração no estado. “Essa operação da Polícia Federal é algo que a gente espera há muito tempo, porque faz muito tempo que a gente já sabe que existe uma máfia atuando na Serra da Curral, essa organização criminosa”, declara o advogado do Projeto Manuelzão, Pedro Andrade.

“Nós inclusive judicializamos muitos desses casos, a gente judicializou o caso da Taquaril Mineração, a Tamisa, e atuamos no caso da Empabra, com uma ação civil pública que resultou no acordo em que a mineradora desistiu de continuar operando na Serra do Curral”. As ações do Empoderamento Jurídico, projeto do Manuelzão que presta assessoria para comunidades em áreas impactadas por grandes empreendimentos, resultaram num dossiê de casos envolvendo as atividades criminosas das empresas mineradoras inseridas no esquema na Serra do Curral. O livro será lançado em breve.

“Nos casos da Fleurs, da Patrimônio Mineração, na Serra de Ouro Preto, da Ônix Mineração, nós atuamos extrajudicialmente e judicialmente e todos eles revelavam um padrão de irregularidade”, afirma Maria Vitória Calais, advogada integrante do projeto e responsável pelo dossiê. “Licenciamentos ambientais extremamente precários, pressões das empresas sobre os órgãos públicos, os próprios órgãos públicos sendo cooptados e também um desrespeito enorme em relação às comunidades atingidas, que não são ouvidas”.

Para a advogada, a operação reforça os apontamentos e denúncias feitos pelo projeto e comprova que a mineração no estado é estruturada num sistema de ilegalidades. “Temos o compromisso de continuar apoiando as comunidades, exigindo que as investigações sejam realizadas e que haja uma reparação com relação a todos os danos causados, que são enormes e impactam todo o estado de Minas Gerais”.

A decisão judicial lista as principais mineradoras beneficiadas pelo esquema, entre elas a Fleurs Global, que recebeu licença de operação às margens do Rio das Velhas mesmo autuada 17 vezes por crime ambiental; Patrimônio Mineração, que soterrou de forma ilegal e deliberada uma gruta na comunidade de Botafogo, em Ouro Preto; Gute Sicht, investigada por extração irregular de minério na Serra do Curral e a Ônix, acusada de abrir cavas e destruir nascentes em áreas de preservação permanente no Quadrilátero Ferrífero-Aquífero.

Confira a lista completa dos alvos da operação Rejeito no site do Observatório da Mineração.

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