Os núcleos Manuelzão e a cidadeProjeto Manuelzão

Os núcleos Manuelzão e a cidade

07/02/2024

Um giro pelas atividades e conquistas recentes na defesa do verde e das águas em BH

[Matéria de Pedro Bernardo publicada nas páginas 24 e 25 da Revista Manuelzão 94, na editoria Jornadas; republicamos aqui com algumas edições para adaptar o texto ao formato do site. Acesse a edição 94 e as edições anteriores da Revista Manuelzão através deste link.]

Formando uma teia dinâmica de conexões entre o Projeto Manuelzão e a sociedade civil, os Núcleos Manuelzão funcionam como fóruns de discussão, concepção e implementação de ações para preservar e revitalizar as bacias hidrográficas urbanas. Mais que isso, são vetores de um novo modelo de cidade, orientados pela construção de uma trama verde e azul capaz de preparar o tecido urbano para enfrentar as mudanças climáticas e promover qualidade de vida às populações.

Na capital mineira, um ponto alto nessa trajetória recente foi o lançamento, no início de outubro, do documentário Reconciliar (2023), que tem no centro da narrativa o Córrego Capão. O Capão nasce no bairro Céu Azul, em Venda Nova, forma o Ribeirão Izidora, que então encontra o Ribeirão do Onça e por fim o Rio das Velhas. O documentário surgiu da parceria entre o diretor André Carvalho e Roseli Correia, professora de História e coordenadora do Núcleo Capão, criado em 2013. 

Reconciliar propõe um mergulho na vida das comunidades do entorno do córrego e em seus esforços para proteger da degradação o Capão e suas memórias. O objetivo de seus defensores é a criação de um parque ciliar para proteger a nascente do córrego e a vegetação de suas margens. A produção investiga os casos menos conhecidos da região Norte de Belo Horizonte. Desde uma época latifundiária de fazendas históricas até as lutas cotidianas enfrentadas pelas comunidades, Reconciliar proporciona uma visão abrangente do passado e presente da área por onde o Capão serpenteia.

“A recepção do filme está sendo maravilhosa! Professores estão exibindo o documentário como forma de propor alternativas envolvendo o tema da defesa das águas urbanas em suas aulas”, sublinha Roseli. “Nossa expectativa é facilitar a exibição do documentário nas escolas e em outros locais ao longo da bacia do Capão como praças e espaços a céu aberto, criando noites de cinema ao ar livre”.

Expansão do Parque do Trevo

 Êxitos importantes também foram conquistados recentemente na ampliação das áreas verdes de BH, uma delas na região da Pampulha. Em 27 de outubro, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) decretou a expansão — aguardada por quase uma década — do Parque Municipal do Bairro Trevo. Com a incorporação de uma área vizinha de 28 mil m², o Parque do Trevo tem agora 52 mil m².

Com a expansão, o parque terá mais condições de cumprir seus objetivos de preservar as quatro nascentes e as áreas de recarga em seu interior, propiciar o desenvolvimento do ecossistema local, impedir ações de desmatamento e oferecer oportunidades de visitação e lazer. A comunidade ainda luta pela anexação de outra área privada vizinha ao parque, onde está a nascente do Córrego Olhos d’Água.

A publicação do decreto foi comemorada com o plantio de 280 mudas. A iniciativa foi organizada pelo Núcleo Olhos d’Água, o Bora Plantar BH e o Projeto Pomar BH, junto ao vereador de BH Wagner Ferreira. Contou ainda com a presença de turmas da Escola Estadual Deputado Álvaro Salles e com as crianças do projeto de futebol do Campo Estrela. Cerca de 150 pessoas estiveram presentes.

Wagner Eustáquio, gestor ambiental e uma das lideranças do Núcleo Olhos d’Água, conta que o Núcleo “já planeja novas ações como trilhas ecológicas, confecções de brinquedos e ações de plantio, além de encontros periódicos visando conscientizar os moradores sobre a importância de proteger áreas verdes tão importantes, principalmente no momento de crise ambiental vivida em todo o planeta”.

Mata do Havaí

Outra conquista importante para a capital foi formalizada em outubro: a Precon Engenharia, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e a PBH assinaram um acordo para a recuperação ambiental da Mata do Havaí, localizada na região Oeste. A construtora desistiu do empreendimento residencial que previa para a área 30 mil m² e se comprometeu a restaurar a vegetação de Mata Atlântica que suprimiu de forma irregular e a revitalizar uma nascente degradada durante as intervenções.

A ação civil pública que motivou o acordo foi movida pelo Instituto Guaicuy, ONG de apoio às atividades do Projeto Manuelzão, em nome da comunidade do entorno, que se mobiliza pela defesa da mata desde 2009. Depois da derrubada de 927 árvores, a obra foi interrompida em junho de 2021, após a Justiça constatar que a licença concedida pela PBH violava o Plano Diretor da cidade.

Além da biodiversidade de Mata Atlântica, a área verde abriga oito nascentes da sub-bacia do Córrego Cercadinho, afluente do Ribeirão Arrudas. “É um alívio saber que o Córrego Cercadinho não perderá suas nascentes, podendo continuar vivo”, celebrou Neide Pacheco, a Neidinha, psicóloga, liderança do movimento SOS Mata do Havaí e do Núcleo Cercadinho.

Em uma região marcada por acentuada verticalização e adensamento urbano e, não sem surpresa, pelo aumento de enchentes e inundações, a Mata do Havaí contribui para a retenção da água das chuvas e para a qualidade ambiental da área, amenizando a temperatura e melhorando a qualidade do ar.

Para Neidinha, moradora do Havaí há mais de 30 anos, a vitória tem sabor especial: “todos os movimentos ficaram extremamente satisfeitos com a desistência da construtora. A decisão veio para coroar um processo coletivo que contou com a mobilização de toda a comunidade da circunjacência”.

Para o futuro, considerando a carência de espaços públicos de lazer na região, a comunidade espera que a mata seja gerida pela prefeitura e transformada em um parque para uso socioambiental. 

Movimento Izidora

O Movimento Parque Izidora está em meio a uma mobilização semelhante. A organização aspira à conversão em parque ecológico de uma área de 167 hectares na região Norte da capital, na divisa com Santa Luzia. O local é um relicário de águas e biodiversidade, abrangendo dezenas de nascentes ainda não catalogadas, quatro córregos de água limpa, entre eles o Pocinho Azul, que se destaca pela coloração azulada causada pelos minerais presentes na água, além do Ribeirão Izidora.

A fauna de Cerrado e Mata Atlântica abriga 126 espécies de pássaros, incluindo o cuitelão, espécie ameaçada de extinção que se tornou símbolo do movimento, e mamíferos grandes como o lobo-guará já foram avistados por moradores.

“A área é menor que a do Parque das Mangabeiras, mas guarda riquezas que podem ser comparadas às dele, porém em vez de estar numa região rica da cidade, está em uma zona de periferia”, avalia Cleiton Henriques, gestor cultural, integrante do movimento e colaborador do Núcleo Tamboril. “Para além da luta ambiental, também queremos muito que esse lugar garanta o direito ao lazer da população”.

Essa região do Izidora é classificada como Área de Preservação PA-1, a maior proteção concedida pelo Plano Diretor da cidade. Contudo, encara problemas como a especulação imobiliária, queimadas e descarte irregular de lixo e entulho, principalmente na estrada que passa dentro da área de proteção e corta o leito do Córrego Santinha.

“Por esses e tantos outros motivos acreditamos na urgência de transformar essa área em um parque ecológico, como uma unidade de conservação, um espaço cultural para a comunidade. A gente tem se somado a várias outras lutas na cidade, em um processo desgastante, às vezes injusto, assumindo o que deveria ser um movimento natural do poder público de defender uma área com toda essa riqueza e trabalhar para transformá-la num parque”, conclui Henriques, sem desanimar.

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