Pesquisadores revelam que regimes de seca têm forte influência sobre biodiversidade - Projeto ManuelzãoProjeto Manuelzão

Pesquisadores revelam que regimes de seca têm forte influência sobre biodiversidade

08/09/2021

Segundo estudo feito pela UFMG em parceria com universidade americana, variação de temperatura não é fator prevalente, como se acreditava

[Matéria de Teresa Sanches e Matheus Espíndola publicada no site da UFMG nesta terça-feira, 7 de setembro.]

Os primeiros resultados de estudo coordenado na UFMG, em colaboração com a Universidade do Arizona (EUA), revelam que os regimes de seca têm influência fundamental sobre a diversidade da vida na Terra. As variações de temperatura não têm papel prevalente, como os cientistas pensavam. Por meio de abordagens macroecológicas, os pesquisadores testaram hipóteses sobre os mecanismos que criaram os padrões de biodiversidade em escalas continentais.

“O que encontramos muda nossa percepção sobre os impactos que a biodiversidade pode sofrer em cenários de mudanças climáticas globais”, afirma o professor Danilo Neves, do Departamento de Botânica do ICB-UFMG. Ele é o primeiro autor do artigo The adaptative challenge of extreme conditions shapes evolutionary diversity of plants assemblages at continental scales, que será publicado nesta quarta, 8 de setembro, na PNAS, a segunda revista científica mais citada do mundo.

O estudo vem produzindo, segundo o professor, um banco de dados sem precedentes sobre a composição de espécies nos diversos ecossistemas terrestres das Américas. Foram também compiladas árvores filogenéticas (filogenias) que representam as relações de parentesco (evolutivas) da maioria das linhagens de plantas terrestres. Esses resultados fazem parte de projeto de pesquisa financiado pelo Instituto Serrapilheira.

Danilo Neves conta que a primeira etapa do trabalho destinou-se a enriquecer o conjunto de dados sobre a região da Amazônia – trata-se da maior lacuna no que se refere a informações sobre a biodiversidade em ambientes terrestres. “Partimos de um banco de dados preliminar sobre a diversidade de plantas em florestas de terras não inundáveis na Amazônia. Nesse novo esforço, focamos na inclusão de espécies encontradas em vegetações pouco estudadas, como as várzeas [florestas inundáveis] e as campinaranas [florestas sobre solos arenosos]”, explica o professor, acrescentando que o novo conjunto de dados será base de futuros estudos sobre a ecologia de biomas tropicais.

Danilo Neves coleta material na Floresta Nacional de Caxiuanã, no Pará. Acervo do pesquisador.

Do extremo norte ao extremo sul

Conforme a hipótese do conservadorismo tropical, os principais grupos de animais e plantas se originaram em regiões tropicais, há centenas de milhões de anos. A biodiversidade em ambientes temperados (como nos Estados Unidos, no Canadá e no extremo sul da América do Sul), portanto, seria derivada desses grupos, e mais recente.

“A hipótese parte da premissa de que a menor diversidade de espécies nas regiões temperadas deve-se ao menor tempo que suas linhagens tiveram para se diversificar, em comparação com as regiões tropicais, onde a maior parte do Brasil se encontra, por exemplo”, observa Danilo Neves.

A hipótese do conservadorismo tropical, segundo ele, também propõe que a colonização de ambientes temperados ao longo da história evolutiva aconteceu em poucos grupos de animais e plantas. Essa raridade evolutiva na colonização de novos ambientes é conhecida na literatura científica como conservadorismo filogenético. “Nesse trabalho, testamos as predições da hipótese do conservadorismo tropical levando em consideração todo o espectro de variação climática existente do extremo norte do Canadá ao extremo sul da Argentina e do Chile.”

Adaptações raríssimas

A visão mais aceita é de que a maioria das espécies teria surgido em ambientes nos quais o clima é mais úmido e tropical. Analisando os padrões de biodiversidade nas Américas do Norte e do Sul, o grupo liderado por Danilo Neves detectou que regiões extratropicais (sazonalmente frias) e com regimes de seca marcantes abrangem linhagens de plantas ainda mais recentes. “A flora de regiões xéricas [áridas], como os desertos do Atacama, no Chile, e de Sonora, na fronteira entre Estados Unidos e México, é derivada de um grupo extremamente restrito de linhagens da filogenia das plantas. Esse padrão indica que as adaptações necessárias para colonizar ambientes xéricos surgiram raríssimas vezes ao longo da recente história evolutiva das plantas”, afirma o cientista.

O Brasil abriga pequena porção desse ecossistema, no sul do Mato Grosso do Sul. “Muitas dessas áreas são pouco estudadas. Certamente, ainda existem espécies a serem coletadas pela primeira vez em ambientes xéricos e descritas pelos cientistas”, alega o professor.

Danilo Neves destaca que os estudos sobre mudanças climáticas globais projetam cenários de aumento da seca em muitas regiões que hoje são úmidas, como a Amazônia. Por isso, é essencial proteger as linhagens de plantas que desenvolveram tolerância à seca. “Essas espécies serão capazes de colonizar regiões que se tornarem mais secas, contribuindo para o funcionamento desses novos ecossistemas”, defende.

Uma das principais contribuições do trabalho publicado pela PNAS, reforça o professor do ICB, reside na reiteração de que a condição de seca, negligenciada em estudos anteriores, é um fator, no mínimo, tão importante quanto o frio extremo para a distribuição da biodiversidade de plantas na Terra. “Tendo em vista que as adaptações para tolerar condições xéricas são evolutivamente raras, o impacto será imenso se ambientes úmidos se tornarem mais secos com as mudanças climáticas globais. Possivelmente, famílias inteiras de plantas seriam extintas nesses ambientes, já que muitas delas são desprovidas das adaptações necessárias para tolerar as secas”, alerta Danilo Neves.

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