Pico do Itambé é reconhecido como sujeito de direitosProjeto Manuelzão

Pico do Itambé é reconhecido como sujeito de direitos

17/01/2025

Decisão inédita fortalece preservação ambiental em meio às ameaças da mineração

Vista do topo do Pico do Itambé. Foto: Parque Estadual do Pico do Itambé

O município de Santo Antônio do Itambé, localizado na região do Alto Jequitinhonha, em Minas Gerais, acaba de dar um passo decisivo em defesa do meio ambiente. O  Pico do Itambé, conhecido como o “Teto do Sertão Mineiro”, foi oficialmente reconhecido como sujeito de direitos, uma conquista histórica para a preservação do Cerrado e para as comunidades tradicionais da região.

Com mais de 2.000 metros de altitude, o Pico do Itambé é um dos pontos mais altos da Serra do Espinhaço e abriga uma biodiversidade única, composta por espécies da fauna e flora do Cerrado que estão ameaçadas de extinção. Além de sua importância ecológica, o pico é um símbolo de resistência cultural para os povos quilombolas e comunidades locais, que há décadas enfrentam as ameaças crescentes da mineração na região.

A declaração do Pico do Itambé como sujeito de direitos ocorre em um contexto de intensificação das atividades mineradoras no Alto Jequitinhonha. Projetos como o “Vale do Lítio”, apoiados pelo governo estadual, têm causado impactos graves na região, incluindo a contaminação de recursos hídricos, danos estruturais às residências e o adoecimento mental das populações afetadas. Nesse cenário, a iniciativa reforça a luta contra a degradação ambiental e social provocada por esses empreendimentos.

Visão do Pico do Itambé. Foto: Parque Estadual Pico do Itambé

Além de proteger o ecossistema do Cerrado, a medida também ressalta a relevância histórica do Pico do Itambé, que já foi um marco referencial para naturalistas e exploradores durante o ciclo do diamante, no século XIX. Seu valor cultural e natural é tão significativo que, em 1989, o local foi tombado como monumento natural pela Constituição do Estado de Minas Gerais.

No âmbito jurídico, a expressão “sujeito de direito” significa que o Pico do Itambé, agora, tem seus direitos garantidos e protegidos por lei, assim como uma pessoa física ou uma entidade. Essa declaração transcende o simbolismo jurídico. No âmbito ambiental, ela cria um precedente para a preservação de ecossistemas ameaçados no Brasil, especialmente em regiões como o Alto Jequitinhonha, onde a mineração e o desmatamento são desafios constantes. O reconhecimento oferece uma base legal para defender o pico e seu entorno contra ações predatórias, promovendo a conservação de um dos mais importantes patrimônios naturais e culturais de Minas Gerais.

O Parque Estadual do Pico do Itambé, que abrange mais de 4.700 hectares, é um santuário de biodiversidade. Nele, encontram-se campos rupestres, cerrados e matas de altitude, além de uma rica fauna, que inclui espécies emblemáticas como a onça-parda e o lobo-guará, ambas ameaçadas de extinção. A vegetação local é igualmente impressionante, com espécies endêmicas como as canelas-de-ema e orquídeas raras, que desafiam condições climáticas extremas.

No entanto, a pressão da mineração ameaça diretamente esse equilíbrio delicado. Famílias da região relatam problemas como contaminação das águas, perda de qualidade de vida e exclusão de processos decisórios. Além disso, há denúncias de retaliações e falta de participação popular nos debates que envolvem os impactos ambientais. O reconhecimento do Pico do Itambé como sujeito de direitos busca frear essas violações e dar voz às comunidades que lutam pela preservação de seus territórios.

Proteger o Parque é fundamental para garantir a segurança ambiental nos próximos anos. Foto: Parque Estadual Pico do Itambé

As comunidades quilombolas e tradicionais ao redor do Pico do Itambé desempenham um papel essencial nessa conquista. Para elas, o pico não é apenas um elemento da paisagem, mas uma referência espiritual, cultural e histórica. Ele simboliza resistência, pertencimento e conexão com o território, servindo como fonte de identidade para os habitantes da região.

Ao longo dos últimos anos, países como Equador e Bolívia têm incorporado visões ancestrais de seus povos originários, reconhecendo a Pachamama (Mãe Terra) como sujeito de direitos em seus sistemas jurídicos. Esse reconhecimento desafia as normas eurocêntricas e reforça a proteção do meio ambiente, validando a sabedoria ancestral que compreende a natureza como um ente vivo. Outro exemplo desse movimento no Brasil é o reconhecimento do Rio Laje, em Rondônia, também como sujeito de direito.

Marcus Polignano, coordenador do Projeto Manuelzão e professor da Faculdade de Medicina, atenta para a participação da população no processo: “A mobilização da sociedade e a percepção que ela passa a ter nos territórios são fundamentais para que a gente preserve esses ambientes naturais. Territórios preservados, com certeza, vão ser uma riqueza fundamental para o futuro dessas regiões.”.

O reconhecimento do Pico do Itambé como sujeito de direitos é mais do que uma vitória jurídica; é uma reafirmação da importância de proteger o meio ambiente e as culturas tradicionais frente às ameaças crescentes da mineração. Situado no coração do Alto Jequitinhonha, o pico é um símbolo da luta pela preservação do Cerrado e pela valorização das comunidades que ali vivem.

Essa medida abre precedentes para iniciativas semelhantes no Brasil, promovendo a ideia de que ecossistemas inteiros podem e devem ser protegidos com base em seu valor intrínseco. Além disso, o impacto econômico do turismo sustentável na região reforça que a preservação ambiental e o desenvolvimento podem coexistir. Trilhar as encostas do Pico do Itambé, admirar sua biodiversidade e ouvir as histórias dos povos que vivem sob sua sombra é testemunhar a força de um território que resiste.

Polignano completou, afirmando que: “É importante mencionar o aval do poder político local, que incorporou essa proteção dentro dos instrumentos legais, mostrando o compromisso com a preservação.”

Em tempos de crise ambiental global, a decisão de Santo Antônio do Itambé inspira esperança. O “Teto do Sertão Mineiro” agora tem seus direitos reconhecidos, garantindo que as futuras gerações possam herdar um patrimônio natural e cultural de inestimável valor. Que o exemplo do Pico do Itambé ecoe pelo país, lembrando que a preservação é um ato de resistência.

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