População se mobiliza contra devastação da Mata da Represa no bairro Havaí, em BH - Projeto ManuelzãoProjeto Manuelzão

População se mobiliza contra devastação da Mata da Represa no bairro Havaí, em BH

16/04/2021

Prefeitura de Belo Horizonte autorizou desmate de quase mil árvores pela construtora Precon, para a construção de um enorme condomínio; mata é lar de nascentes e funciona como pulmão da região Oeste

No final do mês de março, moradores do bairro Havaí, localizado na Região Oeste de Belo Horizonte, perceberam um barulho intenso de motosserras na mata próxima à rua da Represa, a denominada Mata da Represa. Trata-se de uma enorme área verde com considerável fauna e flora e que há décadas é uma das responsáveis pelo clima ameno da região, considerada como verdadeiro “pulmão” da área que engloba os bairros Havaí e Buritis.

Ao averiguar o que estava ocorrendo, os moradores do entorno constataram a existência de uma autorização de supressão vegetal concedida pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, que autorizava o desmate de 927 árvores. Conforme o projeto da Precon Engenharia, será construído um condomínio residencial com oito torres, em um espaço de 12 mil m². Os trabalhos começaram no mês de março e estão previstos para terminar em setembro de 2023.

A área escolhida para a construção do condomínio faz divisa com uma Área de Proteção Permanente (APP) da Mata da Represa e fica próxima a diversas nascentes do complexo Grota da Ventosa, que está na área da Sub-Bacia Hidrográfica do Córrego Cercadinho.

A surpresa e a consternação dos moradores diante do ataque à luz do dia a essa importante área verde foi grande. A Região Oeste de Belo Horizonte é marcada por ser uma das áreas de maior verticalização e adensamento urbano da capital. A redução da cobertura vegetal nativa em função das diversas intervenções e da expansão da urbanização têm gerado, não sem surpresa, o aumento do número de desastres naturais envolvendo enchentes e inundações na região nos últimos anos.

A importância da Mata da Represa para a drenagem hídrica e a qualidade do clima na área, surpreendentemente, não foi suficiente para convencer a Prefeitura Municipal a barrar o empreendimento da construtora Precon. O processo de licenciamento, gerido pelo Conselho Municipal de Política Ambiental (Comam), contudo, apresenta uma série de irregularidades e foi alvo de uma ação civil pública (ACP), movida pelo Institudo Guaicuy, associação civil de apoio ao Projeto Manuelzão.

Protesto dos moradores

Os moradores do bairro Havaí e de bairros vizinhos como o Jardim América, se manifestaram no último sábado, 10, contra a construção do residencial na área da Mata da Represa. Os manifestantes também pediram providências da Prefeitura Municipal para reaver o direito coletivo ao local.

“A Mata da Represa é uma das mais densas áreas verdes da bacia dos córregos Cercadinho e Ponte Queimada, que desaguam no rio Arrudas. É uma importante área de retenção de água das chuvas, preservação da fauna e de nascentes da Região Oeste. E, como orientado no novo Plano Diretor, deveria ser uma área destinada à comunidade. Temos exemplos no Brasil, em Curitiba, por exemplo, de preservação de áreas verdes e sua utilização pela população. É uma belíssima inspiração de futuro à Mata do Havaí”, argumenta Filipe Martins do Verdejar BH Jardim América, uma iniciativa pela rearborização do bairro de mesmo nome.

“Estamos vendo mais uma imensa área verde de Belo Horizonte destruída pela ganância do setor imobiliário e pela complacência da Prefeitura. Nas férias, esses senhores (altos agentes públicos e donos de construtoras) vão para Paris, Berlim, Sydney ou Nova York, se maravilhar com seus belíssimos parques e áreas verdes. E carregam na mala a destruição de potenciais equipamentos ambientais em sua própria cidade”, denuncia o integrante do Verdejar BH Jardim América.

O padre Igor Batista, da Paróquia São Judas Tadeu, também integrou a manifestação dos moradores da região no sábado. “Estamos juntos com essa mobilização para recordar que não podemos ter espaço apenas para os interesses particulares, mas espaço também para o bem público, para a comunidade, para o meio ambiente. Dessa forma, poderemos bem viver, poderemos cuidar da vida para que ela se prolongue, sem pensar apenas na necessidade imediata”, afirmou Batista.

“Além da pandemia que estamos vivendo, que possamos enxergar essas outras pandemias, da ganância, da insensibilidade com o meio ambiente. A fauna e a flora pedem socorro! Que todos se mobilizem e nos ajudem nesse combate”, completou.

Ação contra o licenciamento

Por irregularidades no processo de licenciamento, o Instituto Guaicuy entrou com uma ação civil pública (ACP) contra a Precon Engenharia, a Prefeitura Municipal, o Secretário Municipal de Meio Ambiente e o Diretor de Gestão Ambiental da Secretaria de Meio Ambiente de Belo Horizonte. Na ação, os advogados do Instituto Guaicuy apontam que o corte das 927 árvores afeta a qualidade de vida dos moradores da região, podendo ainda ocasionar desequilíbrio na flora, fauna e influenciar na qualidade hídrica das nascentes do complexo Grota da Ventosa.

Entre os impactos negativos apontados estão a redução da drenagem do solo e o aumento da densidade populacional do local (prospecto péssimo para as chuvas futuras), numa área com histórico de enchentes e perdas materiais decorrentes. “Verifica-se que o empreendimento não se adequa aos princípios constitucionais no que toca à garantia de um ambiente ecologicamente equilibrado”, diz trecho da ACP.

Outro ponto fundamental também é discutido na ação: o conflito da autorização para supressão com a legislação municipal vigente.

A autorização para a supressão da vegetação foi concedida em maio de 2019, com validade de 180 dias e após o prazo da referida autorização ter se esgotado, foi emitida nova autorização, em 27 de janeiro de 2021. O Parecer Técnico do Comam ao qual se refere a autorização de supressão, contudo, data de antes da promulgação do novo Plano Diretor de Belo Horizonte. Na ACP, argumenta-se que a autorização emitida este ano, da qual a Precon se valeu para o corte das árvores, desrespeitou as determinações da nova legislação municipal.

Isso porque área da Mata da Represa foi classificada no novo Plano Diretor como área PA-1, que a legislação deixa claro não caber qualquer tipo de flexibilização de uso para essas áreas, que são de preservação ambiental. Entre os critérios estabelecidos para para a proteção estão a presença de cobertura vegetal relevante e de nascentes, cursos d`água, lagoas e represas.

“Dessa forma, verifica-se que, diante da realidade concreta da área e dos diversos atributos ambientais relevantes, o Plano Diretor, instrumento básico da Política Urbana para ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes e para a preservação e promoção de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, estabeleceu severas restrições ao parcelamento, ocupação e uso do solo na área” apontam os advogados do Guaicuy, na ACP.

Mobilização surte efeito

Após os protestos dos moradores e o envio da ACP ao Ministério Público, a Prefeitura Municipal decidiu suspender por tempo indeterminado o desmatamento de cerca de 3 hectares que ocorreria na Mata. Uma reunião entre moradores da região e representantes da prefeitura está sendo realizada nesta tarde.

Novas manifestações foram realizadas pela população na tarde do último sábado, 17.

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