10/09/2024
Estado de Minas Gerais, responsável pelo licenciamento, e Vale recorreram da decisão que reconheceu ilegalidades na realização das audiências
O desembargador Miguel Ângelo de Alvarenga Lopes, do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6), decidiu manter a anulação das audiências públicas referentes ao licenciamento ambiental do projeto Apolo, da Vale. A mineradora e o Estado de Minas Gerais, responsável pelo licenciamento, recorreram da decisão da 5ª Vara Federal Cível de Belo Horizonte que reconheceu ilegalidades no processo.
Em 6 de agosto, a juíza Anna Cristina Rocha Gonçalves determinou a anulação das audiências públicas realizadas em Santa Bárbara e Caeté, em 22 e 23 de maio, em virtude da ausência de autorização do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). O ICMBio deveria ter se manifestado a respeito pelo fato de o empreendimento da Vale ter sua instalação prevista na zona de amortecimento do Parque Nacional da Serra do Gandarela, unidade de conservação federal.
A Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam), que conduz o processo de licenciamento, contudo, não formalizou o pedido de autorização órgão federal de conservação. A Vale, lê-se na decisão, “também se manteve inerte”.
A ação civil pública que aponta as ilegalidades foi movida pelo Núcleo de Direito Ambiental do Projeto Manuelzão, por meio do Instituto Guaicuy, ONG de apoio às atividades do Projeto.
O Estado de Minas Gerais e a Vale apresentaram recursos contra a decisão que anulou as audiências. Mas por enquanto, o desembargador do TRF-6 decidiu, nesta segunda-feira, 9, pela manutenção dos efeitos da decisão, até que o Instituto Guaicuy apresente sua manifestação, no prazo de 15 dias. Após a manifestação, os recursos serão julgados.
O ICMBio e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) também poderão, caso queiram, se manifestar no processo, na condição de terceiros interessados.
Para Jéssica Galvão Chaves, advogada do Núcleo de Direito Ambiental do Projeto Manuelzão, a decisão do desembargador de manter a anulação “demonstra cautela diante do risco que o empreendimento representa para a área protegida da Serra do Gandarela”.
Criado em 2014, o Parque Nacional guarda “um dos mais contínuos fragmentos de Mata Atlântica de Minas Gerais em transição com formações do Cerrado, como os campos rupestres ferruginosos e quartizíticos”. Sua extensa cobertura de cangas ferruginosas, formação geológica capaz de absorver até 30% da água das chuvas, torna a Serra do Gandarela o maior aquífero da região, contribuindo substancialmente para o abastecimento dos municípios do entorno e da Região Metropolitana de BH.
Os advogados do Núcleo de Direito Ambiental do Projeto Manuelzão argumentaram que, pelo fato do empreendimento da Vale ter sua instalação prevista na zona de amortecimento do Parque Nacional da Serra do Gandarela, o ICMBio deveria ter sido consultado pela Feam para decidir sobre a emissão da Autorização para Licenciamento Ambiental (ALA), para dar prosseguimento ou não ao processo.
Também é sustentado na ação que o Iphan deveria ter anuído previamente o licenciamento, em face dos possíveis impactos ao patrimônio histórico, arqueológico e paleontológico presente na Serra do Gandarela.
A argumentação foi acatada pela juíza Anna Cristina Rocha Gonçalves, da 5ª Vara Cível de Belo Horizonte, que julgou procedente a necessidade das autorizações do ICMBio e do Iphan.
Após ter sua manifestação solicitada no âmbito da ação, o ICMBio afirmou que de fato houve o descumprimento de normas, mas não da Instrução Normativa nº10 do ICMBio, que prevê a solicitação da ALA pela órgão ambiental estadual (nesse caso, a Feam), e sim da Resolução Conama 428/2010, de acordo com a qual “o órgão ambiental estadual deveria ter consultado o ICMBio antes da elaboração do Estudo de Impacto Ambiental [EIA] que foi apresentado nas audiências públicas”.
De acordo com o parágrafo 2º da resolução, “o órgão ambiental licenciador deverá, antes de emitir os termos de referência do EIA/Rima, consultar formalmente o órgão responsável pela administração da UC [unidade de conservação] quanto à necessidade e ao conteúdo exigido de estudos específicos relativos a impactos do empreendimento na UC e na respectiva ZA [zona de amortecimento], o qual se manifestará no prazo máximo de 15 dias úteis, contados do recebimento da consulta”.
Atropelando a necessidade de tal ato administrativo e incorrendo em vício no processo, a Feam sequer fez o pedido ao ICMBio.
Com a decisão, as audiências estão anuladas e a continuidade do licenciamento está condicionada à manifestação do ICMBio sobre os impactos do empreendimento à zona de amortecimento do Parque Nacional da Serra do Gandarela.