Por Uma Visão Urbanística de Inclusão dos Rios

30/07/2015

A infraestrutura existente relacionada aos rios urbanos deve ser tratada como paisagem, indo contra a atual arquitetura funcionalista para algo mais poético e que requalifique o potencial do espaço natural na cidade.

Muito já se falou sobre o descaso para com o Arrudas em Belo Horizonte: O rio foi canalizado e hoje não é mais percebido como um elemento natural. Seu leito natural foi sucessivamente retificado, canalizado e por fim coberto. Seu vale foi transposto por dezenas de viadutos, mas poucas são as passarelas que unem a margem sul e norte para pedestres. Sua topografia corrobora este aspecto de divisor norte-sul: se levarmos em conta que junto ao Arrudas temos a ferrovia que foi aproveitada como trem urbano, há três barreiras paralelas trabalhando juntas: rio, topografia de fundo de vale e ferrovia. Sua presença na cidade só é manifesta como obstáculo e problema (enchente, mau-cheiro, poluição sonora e visual, descuido de áreas públicas, edifícios abandonados). E sua arquitetura, que poderia tirar partido do único elemento natural presente no Centro, é uma arquitetura de serviço, predominando galpões, postos de gasolina, depósitos e vazios urbanos ociosos.

A Rodoviária, por exemplo. Seu prédio situa-se num rotor de modais desarticulados que necessita ser costurado. O que antes era uma várzea do rio separando o Centro do bairro Lagoinha transformou-se num mar de viadutos, num complexo de vias expressas bem típico do urbanismo rodoviarista que infelizmente moldou as cidades brasileiras nas últimas décadas. Com a transferência de suas funções para os bairros, seu novo programa pode se transformar numa oportunidade para iniciarmos uma nova relação entre arquitetura e rio.

Urge ir contra aquele urbanismo e privilegiar as áreas verdes, as praças e, principalmente, o resgate da força do simbolismo como potenciais requalificadores da cidade. Ao norte, a Lagoinha precisa de uma melhor conexão de pedestres com o Centro; de uma transposição que possa aproveitar o vetor da passarela existente para então remodelá-la e transformá-la num parque elevado, como se fosse uma extensão do jardim suspenso de Burle-Marx plantado sobre a laje da Rodoviária. Esse paisagismo flutuaria sobre aquela barulhenta conjunção de viadutos, provendo sombras ao árido percurso bairro-Centro, revisitando os padrões burle-marxistas da Rodoviária e incorporando uma ciclovia, assim permitindo que a futura malha cicloviária da avenida Antônio Carlos seja articulada às ciclovias das avenidas Paraná e Santos Dumont.

Passarelas de pedestres poderiam se transformar num verdadeiro instrumento de uma nova identidade do vale: pontes generosas, com programas acoplados e potencial para valorizar um rio para o qual a cidade virou as costas. Lembremos não apenas de exemplos históricos que proporcionam, alhures, uma travessia de rios urbanos prazerosa para o pedestre (a Ponte Vecchio de Florença, a Ponte do Brooklin de Nova York, a Pont Neuf de Paris, a ponte D. Luiz I no Porto, em Portugal), – mas também o fato de que nossas pontes mais ambiciosas são de uma escala intimidante para não dizer acachapante: a ponte mais famosa do Brasil é a Rio-Niterói…

Além de uma conexão Centro-Lagoinha mais generosa que a pinguela de pedestres atual, é preciso construírmos várias outras: uma primeira ligando o circuito da praça Floriano Peixoto à praça Duque de Caxias em Santa Tereza, outra como continuação da rua Sapucaí e rua Itambé na Floresta até o Parque Municipal, uma outra na avenida Bernardo Monteiro etc. – todas colaborando para que a infraestrutura urbana se transforme em oportunidades para prover identidade e novos marcos visuais a estes bairros.

Um Parque Linear

E sob essas passarelas, não um trânsito de passagem, mas um parque linear ao longo de um canal com seções de diferentes tipos e com novas encostas verdes, quadras esportivas, escadarias, jardins verticais e diversos equipamentos para a prática de esportes – todos conformando um futuro Corredor Verde Centro-Leste. Sendo uma das raríssimas regiões planas de BH, este corredor vai funcionar também como item fundamental da rede de ciclovias que está sendo implantada, definindo uma nova infraestrutura de mobilidade e desempenhando papel importante num urbanismo agora pensado para a experiência daqueles que mais fazem uso da cidade: o pedestre e o usuário de transporte coletivo.

Infraestrutura como Paisagem

No Centro, o chamado Boulevard Arrudas precisa se transformar num boulevard de fato, com calçadas mais largas, árvores que justifiquem sua alcunha e um tratamento ambiental ambicioso que vai da praça da Estação ao Corredor Verde. Nesta perspectiva, a Avenida Andradas deixa de ser uma via de oito pistas (que só confirma a cidade do automóvel) para se transformar num calçadão capaz de recriar um vale verde Centro-Leste.

A infraestrutura do canal existente deve passar a ser vista com um olhar menos funcionalista e um pouco mais poético. As centenas de vigas de concreto sobre o Arrudas não estão a espera de novas pistas de rolagem (como o foram no retrógrado Boulevard Arrudas): são vazios expectantes onde estão os melhores futuros da cidade. Já há a Praia da Estação; agora imaginemos a praia sobre o rio: o leito do Arrudas como um vazio urbano a espera de jardins elevados, cinemas ao ar livre, shows musicais, atividades cívicas inusitadas.

Quimeras? Enquanto Belo Horizonte duplica a Avenida Andradas, outras cidades estão redescobrindo seus rios. Aquelas vigas, elemento molesto concebido por uma engenharia de trânsito caduca, podem ser ressignificadas como elemento propulsor de novos espaços públicos e de uma nova relação com o Centro e com o rio. E assim uma cidade de festas e de celebrações poderá reativá-lo: o Arrudas como evento, como um campo ativo capaz de catalisar uma ampla gama de atividades fixas e transitórias, públicas e privadas, lúdicas e de lazer, possibilitando diferentes arranjos e assumindo as mais diversas facetas.

 

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