Potabilização do esgoto sanitário

14/12/2015

O engenheiro civil e ambientalista, Paulo Afonso da Mata Machado, em entrevista ao Projeto Manuelzão defende a ideia da potabilização no Brasil. Para ele, a proposta representa uma alternativa a questão de escassez hídrica vivida pelo país.

Potabilziação do esgoto sanitário

O engenheiro civil e ambientalista, Paulo Afonso da Mata Machado, em entrevista ao Projeto Manuelzão defende a ideia da potabilização no Brasil. Segundo ele, a proposta que já tem um projeto, representa uma alternativa a questão de escassez e reúso de água no país.      



Paulo Mata Machado
Leia entrevista:

1- Paulo Afonso expõe suas ideias a cercado
processo e em sua entrevista cita os comentários do Prof. Ivanildo Hespanhol, à
Folha de São Paulo, que também defende que o esgoto da capital paulista deve
ser transformado em água potável e usado pela população. Quem é o professor e
por que defender essa proposta?

O Prof. Ivanildo Hespanhol é
presidente do Centro Internacional de Referência em Reúso de Água, localizado
na USP, em São Paulo. Sou testemunha de seu trabalho de pesquisa para
potabilização do esgoto sanitário que foi iniciado muito antes do desabastecimento
hídrico que afetou a Grande São Paulo no ano passado e no início deste ano.

 

2 – O
professor afirma que há na capital
paulista um estoque de água equivalente a dois sistemas Cantareira, capaz de
fornecer cerca de 60 mil litros por segundo e sanar, de vez, qualquer eventual
crise de abastecimento na capital paulista. Qual é sua opinião a esse respeito?

Esses 60.000 L/s se referem ao
esgoto que é lançado diariamente nos cursos de água da Grande São Paulo e que,
se tratados, se constituiriam num enorme potencial de fornecimento de água.

Agora que se iniciou o período
de chuvas, não se fala mais em falta de água na capital paulista, mas o assunto
voltará aos noticiários assim que passar o verão.

 

3 – O que tem
a dizer quando é citado que a tecnologia do reúso já é avançada o suficiente
para produzir água limpa e segura para beber? Há parâmetros para controlar sua
qualidade?

É preciso lembrar que os
paulistanos chegaram a consumir água do volume morto do Sistema Cantareira.
Essa água, de qualidade muito ruim, foi potabilizada e entregue à população
para uso irrestrito. Por que razão o mesmo não poderia acontecer com o esgoto
sanitário?

 

4 – A
relatora da ONU para a questão da água, Catarina de Albuquerque, em visita a
São Paulo, declarou que é preciso “olhar o esgoto como recurso”. Como vê essa
afirmação?

                Tem
ela toda razão. Essa declaração ela a fez quando São Paulo enfrentava uma
enchente provocada pelo excesso de água no Rio Tietê e, ao mesmo tempo, a
população amargava uma de suas maiores crises de desabastecimento.

Cumpre destacar que a declaração
da relatora da ONU denota uma mudança de postura daquele organismo
internacional, pois, em 1996, durante a Conferência das Nações Unidas sobre
meio ambiente e desenvolvimento, a entidade se mostrou bastante cautelosa, defendendo
o que se convencionou chamar de água de reúso para ser usada somente em lavagem
de carros, irrigação de jardins ou finalidades afins, nunca porém para o
consumo humano.

 

5 – No
desastre que ocorreu com a barragem de rejeitos de mineração em Mariana, várias
cidades que se abastecem de água do Rio Doce suspenderam a captação. Se a lama
da mineradora impediu a captação de água do rio, o esgoto sanitário poderá ser
captado sem problemas para a saúde?

                                Esse tipo de desastre ambiental
é mais um argumento a favor da potabilização do esgoto sanitário. Se a captação
de água do rio fica impraticável, o mesmo não ocorre com o esgoto sanitário,
que se mantém inalterado.

                Mesmo
que houvesse contaminação do esgoto por certos resíduos, é preciso destacar que
uma estação de potabilização de esgoto conseguiria eliminá-los. É o caso, por
exemplo, da lama contendo elevados teores de ferro.

                A
concentração máxima de ferro permitida na água potável é de 0,3 mg/L.
Entretanto, se houver teores elevados de ferro no esgoto, isso não afetará seu
tratamento em uma EPE, visto que o ferro será oxidado, passando de solúvel a
insolúvel e, em consequência, desprendendo-se da massa líquida.

                É
preciso destacar, no entanto, que nem todos os metais pesados podem ser
tratados em uma EPE, que é projetada para tratar o esgoto sanitário, não o efluente
industrial.

 

6 – No
Brasil, a água de reúso não é usada para beber, mas para processos como limpeza
de calçadas, irrigação de jardins e na produção industrial. Sua utilização para
bebida não representará uma guinada no processo?

                Durante muito tempo, o Brasil foi considerado um país
com abundância de água. Entendia-se que não havia necessidade de se transformar
o esgoto em água potável, visto que a disponibilidade hídrica era considerada
suficiente. Por isso, optou-se pela existência de duas qualidades de água: uma,
para consumo humano, e outra, para consumos considerados “menos nobres”.

Trata-se de uma postura que
precisa ser atualizada, pois o tratamento incompleto do esgoto, tornando-o água
de segunda categoria, traz inúmeros inconvenientes.

Primeiramente, é preciso
destacar que a chamada água de reúso deve ser comercializada a um preço bem menor
que o da água potável, pois ninguém vai comprar água, sabendo-a de qualidade
inferior, por preço equivalente ao da água potável. Será economicamente mais
viável que o tratamento do esgoto seja feito de forma completa, para que a água
possa ser usada (e comercializada) como água potável.

Por outro lado, a água de reúso
precisa ser totalmente independente da água potável. Isso implica a construção
de um novo sistema de tratamento, com novos reservatórios e nova rede de distribuição.
Estima-se que o custo de implantação de uma rede de distribuição é equivalente
a 2/3 do custo de todo o sistema de captação, adução, tratamento e distribuição
de água. Pois bem, a rede de distribuição de água potável já existe e pode ser
aproveitada para o esgoto potabilizado.

Entretanto, os problemas
principais da água de reúso não são apenas de ordem econômica, mas principalmente
de ordem sanitária. Tendo valor mais accessível, o consumidor pode optar por
comprar água de reúso e usá-la para encher piscina, para irrigar horta e, até
mesmo, para uso doméstico, como banho e bebida. A companhia de saneamento não
tem meios de impedir que isso aconteça, podendo, desse modo, estar contribuindo
para a disseminação de doenças, o que é particularmente verdadeiro na área
rural, onde é patente o perigo de se enviar esgoto tratado de forma incompleta
para utilização em atividades agropecuárias.

 

7 – A Sabesp
anunciou que pretende lançar o efluente de uma estação de tratamento de esgoto
na represa de Guarapiranga para coletá-lo, tratá-lo em uma ETA e distribuí-lo à
população. Isso já não é uma potabilização do esgoto sanitário?

Esse processo é chamado de
potabilização indireta do esgoto sanitário. Trata-se de um processo que já
existe no Brasil, pois na maioria das localidades o esgoto sanitário é lançado
em córregos, rios e lagoas sem tratamento, de onde, muitas vezes, é retirada
água para abastecer uma comunidade situada a jusante. A comunidade que lança o
esgoto muitas vezes não se importa em trata-lo, porque ele passa a ser problema
de quem se encontra a jusante.

Existe projeto de lei
tramitando na Câmara dos Deputados que obriga as comunidades a lançarem seus
esgotos a montante do ponto onde captam água. Desse modo, cada comunidade teria
maior cuidado com o descarte de seu esgoto sanitário.

A potabilização indireta do
esgoto sanitário ainda está distante do que é chamado de potabilização direta,
que é o tratamento do esgoto bruto em uma estação, de onde sai sob a forma de
água potável.

 

8 – Muitos
dizem que a potabilização direta do esgoto sanitário não é feita no Brasil
porque não existe regulamentação, como ocorre em países como EUA, Austrália e
Bélgica.

                Trata-se
de uma afirmação equivocada. No Brasil, ao invés de uma lei, optou-se por regulamentar
a água potável por meio de portarias do Ministério da Saúde. É uma medida
bastante sensata devido ao avanço nas pesquisas sobre qualidade da água, o que
faz com que, periodicamente, surja a necessidade de novos parâmetros para
testar a potabilidade da água e, com relação aos parâmetros existentes, é
preciso que os limites máximos permitidos sejam constantemente revisados.

                Atualmente,
a portaria que regula a matéria é a de número 2.914, de 12.12.2011, onde se
encontram as seguintes definições: água para consumo humano: água potável
destinada à ingestão, preparação e produção de alimentos e à higiene pessoal, independentemente
da sua origem
(art. 5º, I; o grifo é nosso); água potável: água que atenda
ao padrão de potabilidade estabelecido nesta Portaria e que não ofereça riscos
à saúde (art. 5º, II); adrão de potabilidade: conjunto de valores permitidos
como parâmetro da qualidade da água para consumo humano (art. 5º, III).

                               Portanto,
se o esgoto tratado convenientemente atender ao padrão de potabilidade
estabelecido por essa portaria, será, de fato, considerado como água potável.

 

8 – As cinco
estações de tratamento de esgoto existentes em São Paulo tratam, em conjunto, 16.000
litros por segundo. Com modificações nessas estações, o efluente dessas
estações poderia tornar-se água potável?

Isso não somente é possível,
como precisa ser feito com a máxima urgência. Será interessante que a Sabesp
reveja sua ideia de potabilização indireta do esgoto e dedique mais atenção ao
esgoto sanitário, matéria prima para produção de água potável que tem à mão.

                Por outro lado, não vejo, em
médio prazo, unicamente a transformação das atuais ETEs em EPES. Não é possível
que o esgoto sanitário sem tratamento continue a poluir as represas Billings e Guarapiranga,
e todo o trecho dos rios e córregos que atravessam a capital paulista. Esse
esgoto precisa ser coletado e potabilizado. Portanto, é muito modesta a
avaliação de que São Paulo dispõe somente de 16.000 L/s para serem
potabilizados.

 

9 – O custo
de potabilização do esgoto sanitário nos EUA é de cerca de US$3 por mil litros
e isso representa mais que o triplo do custo de potabilização de água captada
em rios, córregos e ribeirões. Você acha que é possível obter água potável a um
custo muito mais barato que potabilizando o esgoto?

                Essa
questão precisa ser analisada de forma mais detalhada. Nos Estados Unidos, o
custo do esgoto potabilizado é muito diferenciado do custo da água captada na
superfície porque não existe lançamento de esgoto “in natura”, como ocorre no
Brasil. Ou seja, não existe, como aqui, potabilização indireta do esgoto
sanitário, o que faz com que o custo do tratamento da água no nosso país seja,
proporcionalmente, muito mais caro que nos Estados Unidos.

Por outro lado, há que se
considerar que, ao se potabilizar o esgoto, estão sendo feitos dois trabalhos:
o tratamento do esgoto e o tratamento da água. Desse modo, não há que se
comparar o custo da potabilização do esgoto apenas com o custo do tratamento da
água captada em rios, córregos e lagoas. A comparação deve ser feita com a soma
dos custos do tratamento do esgoto e do tratamento de igual volume de água para
consumo humano.

No Brasil, essa vantagem pesa
ainda mais a favor da potabilização do esgoto, visto que, após o advento da Lei
9.433 (Lei das Águas), tanto a captação de água como o lançamento de esgoto
sanitário, com ou sem tratamento, está sujeito a cobrança pelo respectivo
comitê de bacia.

 

10 – A
Sabesp está construindo o sistema São Lourenço, orçado em R$ 1,6 bilhão, que
trará água da cachoeira do França, em Ibiúna, a uma distância de 83 km, para
levar 4.700 L/s de água para municípios situados na Grande São Paulo a oeste da
capital. Empreendimentos dessa natureza não tornam desnecessários a
potabilização de esgoto?

A comparação da vazão de 4.700
L/s com os 16.000 L/s efluentes das ETEs indicam a completa desnecessidade
dessa obra. Lembro que o Prof. Ivanildo Hespanhol gosta de dizer que o método
de se buscar água cada vez mais longe era o processo utilizado pelos antigos
romanos. À medida que Roma foi ficando mais populosa e passou a necessitar de
mais água, novos aquedutos foram construídos.

Há que se considerar, também,
que essa vazão de 4.700 L/s vai representar mais 3.760 L/s de esgoto sanitário
que serão gerados na capital paulista, considerando uma taxa de 80% de
conversão de água potável em esgoto sanitário. Até o momento, não vi nenhum
plano para veicular tanto esse acréscimo de vazão de esgoto como o esgoto a ser
gerado pela captação a ser feita na bacia do Rio Paraíba do Sul, que, para mim,
também é uma obra desnecessária e que poderá complicar os problemas de
enchentes do Rio Tietê e de seus afluentes.

 

11 – Se o
esgoto sanitário representa 80% da água distribuída, de onde virão os outros
20%?

                Se toda a água de uma
comunidade vier da EPE, ela não poderá tratar apenas esgoto. Deverá ter um
complemento para atender à demanda da população.

                Ressalte-se,
no entanto, que, como o tratamento em uma estação de potabilização de esgoto é
muito superior ao tratamento em uma ETA convencional. Portanto, esse
complemento pode ser água de qualquer natureza, desde que não contenha metais
pesados ou outros poluentes contidos em efluentes industriais em proporção que
provoquem concentração acima do permitido no efluente final da EPE.

Desse modo, até mesmo rios
poluídos que não servem para fornecer água para uma ETA, como o Tietê, podem
fornecer complemento a uma estação de potabilização de esgoto.

 

12 – O povo
aceitará consumir essa água?

                Este é, a meu ver, o grande
obstáculo à potabilização de esgoto.

                Na
estação de potabilização de esgoto localizada na Califórnia, os visitantes são
convidados a tomar um copo de água tratada na estação e são poucos aqueles que
a aceitam.

                Trata-se,
a meu ver, de desinformação. O ciclo hidrológico existe na natureza desde que o
planeta se libertou da nebulosa que o formou. A água é usada e reusada há bilhões
de anos. Não se pode dizer se na água contida no copo que acabamos de tomar não
há gotas que fizeram parte da urina de um doente ou mesmo de um rato.

Se o esgoto sanitário não for
potabilizado pelo homem, vai evaporar-se e passará à atmosfera, de onde
retornará na forma de chuva, reiniciando o ciclo hidrológico.

 

Mais informações a respeito do
processo e sobre o projeto podem ser adquiridas:

Contatos:

Pauloafonsomatamachado@gmail.com
ou pelo telefone: (31) 3213-9882.      


Página Inicial

Voltar