Presidente da recém-inaugurada Associação das Mineradoras de Ferro é réu por extração ilegalProjeto Manuelzão

Presidente da recém-inaugurada Associação das Mineradoras de Ferro é réu por extração ilegal

27/04/2023

Ex-deputado estadual por Minas Gerais, João Alberto Paixão Lages é um dos sócios da Gute Schit, que responde à Justiça Federal por mineração ilegal na Serra do Curral

[Imagem da capa: João Alberto Paixão Lages (à esquerda), réu por mineração ilegal, e o desembargador do TJMG Wanderley Salgado de Paiva. Foto: Riva Moreira/TJMG.]

“Nosso mantra é a mineração responsável, que preserva o meio ambiente, os recursos hídricos e recupera as nascentes. Nosso propósito é construir e contribuir para um mundo melhor. Nesse momento, temos um marco histórico. Inauguramos a AMF, com objetivos claros, concretos e cristalinos consoantes com 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU”. Com esse discurso, o ex-deputado estadual João Alberto Paixão Lages foi empossado presidente da Associação das Mineradoras de Ferro do Brasil (AMF), em cerimônia de inauguração da entidade realizada na última segunda-feira, 24, que contou com a presença de diversas autoridades, entre elas o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD).

Na prática, Lages é sócio da Gute Schit, mineradora que explora a Serra do Curral sem nunca ter conseguido o licenciamento ambiental de suas operações e é ré na Justiça Federal acusada de atuar em conluio com a Fleurs Global em um esquema de extração ilegal de minério disfarçado de atividades de terraplanagem. Além da condenação dos envolvidos, sendo Lages um deles, o Ministério Público Federal (MPF) pede o pagamento de no mínimo R$ 50,7 milhões de multa, que corresponde ao lucro obtido pelas empresas na exploração sem permissão, acrescido do custeio de ações de reparação.

Também pesa contra a Gute Sicht uma denúncia enviada ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) por gabinetes parlamentares e organizações ambientalistas, uma delas o Projeto Manuelzão, de que a mineradora estava sendo favorecida pelo superintendente de uma das divisões da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Semad), Charles Soares de Souza.

Indicado pela base aliada do governo, Souza foi exonerado cinco dias após vir a público a denúncia do cancelamento indevido de multas, a autorização irregular à exploração em área tombada da Serra do Curral e a perseguição dos fiscais que autuaram a Gute em operações de fiscalização. Em reportagem para a Revista Piauí, Allan de Abreu liga a nomeação do ex-superintendente ao deputado estadual Noraldino Júnior (PSC).

Panorama da mina Boa Vista, da Gute Sicht, e a cratera deixada pela exploração na Serra do Curral. Foto: Prefeitura de BH.

Mesmo ciente da extensa lista de possíveis crimes da Gute Sicht e da Fleurs Global apontados pela Polícia Federal e pela Prefeitura de Belo Horizonte, que tentou embargar a Gute no ano passado, o governo de Minas concedeu autorizações provisórias às empresas para a extração de minério na área, ainda que as mineradoras tenham descumprido compromissos anteriores e sido autuadas por diversos crimes ambientais.

Gute e Fleurs obtiveram consecutivos Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) junto à Semad, chefiada por Marília Carvalho de Melo, uma das que marcou presença no evento de posse e inauguração da AMF. O TAC é um dispositivo precário capaz de regularizar, em caráter provisório, a operação de uma empresa que não conseguiu o licenciamento ambiental, instrumento que determina a realização de estudos de impacto, a discussão com comunidades afetadas e uma série de outras responsabilidades legais.

Quem é o presidente da AMF?

João Alberto Paixão Lages foi deputado estadual em Minas Gerais pelo MDB, entre 2015 e 2019, é ex-presidente das Centrais de Abastecimento de Minas Gerais (Ceasaminas) e filho do ex-deputado estadual e presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE) de Minas Gerais João Bosco Murta Lages.

João Alberto é sócio na JHMinas Participações Ltda, a qual é uma das sócias da Mineração Gute Sicht. Tanto o sócio quanto a empresa são alvos do inquérito da Polícia Federal por extração de minério sem licença e usurpação de bens da União.

Na campanha eleitoral de 2022, o agora presidente da AMF doou R$ 350 mil para alguns nomes, sendo R$100 mil para o então candidato ao senado Alexandre da Silveira, que esteve no evento de inauguração da entidade, e R$ 50mil para o deputado estadual Tito Torres (PSD), eleito presidente da Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) no início de março.

Inauguração da AMF e “mineração sustentável”

O evento que inaugurou e empossou os membros da Associação de Mineradores de Ferro do Brasil contou com a presença de muitos nomes influentes. Além do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, o superintendente adjunto de Logística e Sustentabilidade do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), desembargador Wanderley Salgado de Paiva, representou o presidente da Corte mineira, desembargador José Arthur de Carvalho Pereira Filho. De volta de um evento nos Estados Unidos, a secretária de estado de Meio Ambiente, Marília Carvalho de Melo, também esteve presente, o que gerou uma nota pública dos servidores de sua secretaria condenando suas posturas e relações com integrantes e defensores dos interesses do setor minerário.

A AMF entregou uma Carta de Compromissos com a sociedade, onde destaca o compromisso da entidade com o “desenvolvimento sustentável” e a adoção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. A promessa de uma “mineração sustentável” também apareceu na fala do ministro Alexandre Silveira.

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Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira endossou o “mantra” da “mineração sustentável”. Foto: Riva Moreira/TJMG.

À reportagem do portal Metrópoles, o jornalista Maurício Ângelo, do Observatório da Mineração, questionou a ideia. “O ministro encampar esse discurso é muito problemático porque tá alinhado por exemplo com o lançamento da Frente Parlamentar da Mineração Sustentável que foi lançada recentemente incluindo defensores do garimpo mesmo se dizendo contra o garimpo”, afirmou. Para o jornalista, “isso mostra como que a mineração está muito próxima do Ministério de Minas e Energia e como a agenda ambiental do governo Lula vai ter um embate muito forte com essa outra ala ambiental do governo”.

Também participaram da inauguração da AMF a diretora-executiva do Centro de Sustentabilidade do TJMG, Selmara Alves Fernandes; o ex-governador de Minas Gerais, Alberto Pinto Coelho (PSD); a deputada federal Greyce Elias (Avante), da Frente Parlamentar da Mineração Sustentável, representando o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP); o senador de Goiás Wilder Morais (PL); o desembargador do Tribunal Regional Federal da 6ª Região, Flavio Boson Gambogi; além de deputados federais e estaduais, prefeitos de municípios mineiros, diretores da Agência Nacional de Mineração (ANM) e representantes de mineradoras.

Relembre a denúncia contra a Gute Sicht

Entre fevereiro e julho de 2020, segundo inquérito da Polícia Federal instaurado após a apreensão de caminhões carregados de minério, a Fleurs Global extraía minério sem autorização em Sabará, às margens do Rio das Velhas, disfarçando a ação como terraplanagem. O minério extraído era comercializado e beneficiado pela Gute Sicht através de uma guia de utilização obtida de forma irregular junto ao ex-diretor da ANM, Guilherme Santana Lopes Gomes, um dos réus no processo.

À época, a PF realizou a operação Poeira Vermelha para investigar o esquema. O inquérito da Polícia Federal foi concluído em março de 2022 e enviado à Justiça Federal em novembro.

A Justiça Federal acatou, em março deste ano, a denúncia apresentada pelo MPF, que pede, além da condenação dos envolvidos, o pagamento de no mínimo R$ 50,7 milhões para a reparação dos danos causados. O valor fixado corresponde apenas ao lucro obtido pelas empresas nos 4 meses em que extraíram minério sem qualquer autorização, além do custeio das ações de recuperação da área.

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