08/05/2014
O grande mérito do projeto foi ter se tornado indutor de políticas públicas e parceiro da população ribeirinha que passou a reivindicar medidas de revitalização dos recursos hídricos.
Diante
da crise hidrográfica pela qual o País está passando, a discussão de boas
práticas, como as desenvolvidas pelo Projeto Manuelzão em prol da revitalização
da Bacia do Rio das Velhas, se faz ainda mais necessária e urgente. O alerta para
essa situação foi dado em audiência da Comissão Extraordinária das Águas da
Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizada no último dia 30.
Os
36 comitês mineiros de bacias hidrográficas têm enfrentado dificuldades, afirmou
o deputado Pompílio Canavez. Segundo ele, não só em relação ao repasse de
verbas do Fundo de Recuperação, Proteção e Desenvolvimento Sustentável das
Bacias Hidrográficas do Estado de Minas Gerais (Fhidro), como também inerentes
aos próprios procedimentos de avaliação e execução dos planos de trabalho. Os
parlamentares questionaram ainda a viabilidade técnica e financeira de se
reproduzir as ações do Manuelzão em outras bacias hidrográficas.
Para
a replicação do projeto seria necessária a apropriação de conceitos e visões,
argumentou Marcus Vinícius Polignano, coordenador do Projeto Manuelzão. De
acordo com ele, estender as metas já propostas pelo Manuelzão para o Rio das
Velhas ao conjunto de bacias mineiras seria outra medida para viabilizar a
proposta. Na sua avaliação, isso só seria possível se houvesse uma pactuação
entre o poder público e a sociedade, sobretudo a população que se encontra no
entorno dos rios.
Para
Polignano, o Estado precisa repensar as políticas públicas em função da nova
realidade. “O cenário, agora, é o da escassez de água, o que exige inclusive a
consolidação de outra legislação. A água mais cara do mundo é aquela que não
temos”.
Ele
afirmou também que a recuperação e revitalização das bacias depende da
percepção de que os recursos hídricos são patrimônio coletivo. “As disputas
pela água advêm justamente da ausência dessa visão solidária e coletiva sobre o
uso dos recursos”, salientou. Ele acrescentou que um dos fatores de sucesso do
projeto foi mobilizar as populações ribeirinhas para que retornassem ao
“sentimento de pertencimento” em relação aos rios.
Ele
destacou ainda que o papel da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) foi
também fundamental, pois disponibilizou técnicos de diversas áreas para
fomentar o trabalho de avaliação e diagnóstico do Rio das Velhas. “As demais
bacias precisam criar parcerias com outras universidades para orientar as ações
de revitalização”, disse Polignano.
Projeto Manuelzão pode fomentar políticas públicas
O
Projeto é anterior até mesmo aos comitês de bacias e surgiu em função da
atuação de professores do curso de Medicina da UFMG. Os médicos e docentes
perceberam que diversas doenças infecciosas, sobretudo as diagnosticadas em
crianças de comunidades mais carentes, eram consequências da ausência de
saneamento básico. Por isso, em 1994, eles propuseram a criação do projeto que
visava à promoção da saúde pública por meio da revitalização da bacia do Rio
das Velhas.
No
período, nem em Belo Horizonte havia tratamento sanitário, que acabava por
contaminar os rios que abasteciam a Capital e demais cidades em torno do Rio
das Velhas. O desafio, segundo o coordenador Polignano, era implementar uma
mudança cultural, fazendo com que os agentes políticos entendessem que ações
como a construção de redes de esgoto poderiam não só proteger as bacias como
assegurar o bem-estar da população.
Ações
como a expedição realizada em 2003, ao longo do Rio das Velhas, demonstraram
que a recuperação do rio era viável, mesmo depois de 300 anos de degradação, ressaltou
Polignano ao afirmara que eram despejados no rio, pelas cidades da Região
Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), resíduos de cerca de 4 milhões de
pessoas. O projeto fomentou a ação governamental e, hoje, já funcionam estações
de tratamento nos rios Arrudas e Onça. “Tínhamos 123 milhões de metros cúbicos
sem tratamento. Hoje já é possível pescar em muitos trechos do rio, mas a nossa
meta ainda é pescar, nadar e navegar”, disse.
Nesse
sentido, Polignano considera que o grande mérito do projeto foi ter se tornado
indutor de políticas públicas. Segundo ele, a população ribeirinha passou a
reivindicar medidas de revitalização dos recursos hídricos. “No lugar de
canalização, de cimentar os córregos, buscamos a sua recuperação”,
explicou.
Para
o representante do Comitê da Bacia do Rio das Velhas, Eduardo Nascimento, o
Projeto Manuelzão cumpre, de fato, o papel de ser indutor de políticas
públicas, e seu mérito está sobretudo em sua conduta de controle social. No
entanto, ele afirmou que os governos devem entender que a água é um bem público
e que não pode ser alvo de disputas eleitorais ou de interesses privados.
Igam vai oferecer oficinas
A
diretora de Gestão das Águas e Apoio aos Comitês de Bacias do Instituto Mineiro
de Gestão das Águas (Igam), Renata Maria de Araújo, reconheceu o protagonismo
do Projeto Manuelzão. Segunda ela, a entidade consegue traduzir para a
sociedade o que seria o “enquadramento dos corpos d’água”, que estabelece o nível
de qualidade a ser alcançado ou mantido ao longo do tempo pelos rios. “Quando o
Rio das Velhas atingir a classe 2, poderemos pescar e a navegar em suas águas”,
explicou.
Ela
também ressaltou que a preservação dos recursos hídricos passa pela pactuação de
metas com a sociedade e com as políticas nacionais. Renata Araújo falou ainda
sobre as oficinas a serem realizadas pelo Igam que vão traçar o panorama
hídrico do Estado. “Nosso grande desafio é implementar a gestão das águas em
cenários de escassez, incentivar o uso racional dos recursos, pensar um modelo
mais sustentável”, concluiu.
Matéria veiculada no portal da Assembleia de Minas Gerais/ Foto: Raíla Melo.