Projeto Manuelzão/UFMG: as bases conceituais da Meta 2010 e 2014 para o Rio das Velhas

18/08/2010

O objetivo maior da Meta 2014 é a conquista de uma sociedade com nova visão-de-mundo

Apolo assinando a proposta da Meta 2014
Apolo assinando a proposta da Meta 2014. Foto: Leandro Durães
O que tem a
ver a mobilização pela “volta do peixe” com saúde humana?Esta história começou
com dúvidas surgidas entre professores da disciplina de graduação Internato em Saúde Coletiva, sobre
sua prática docente e sobre o objeto desta disciplina médica.

A medicina
trabalha com doenças: pesquisa, diagnóstico, prevenção médica e tratamento
clínico-cirúrgico e outros. Já saúde não é uma questão basicamente médica e sim
de qualidade de vida; tem mais a ver com macro-economia, infra-estrutura,  política e cultura. As dúvidas são porque a  nossa disciplina é de Saúde Coletiva, não de
clínica. Para o Projeto
Manuelzão, somente uma intervenção sistêmica com
redirecionamento da política e da economia, nos diversos níveis,  proverá nossa sociedade de condições
ecossistêmicas de saúde coletiva. Esta não é a lógica da indústria da doença. Daí
nosso caráter ser necessariamente trans -disciplinar/setorial/institucional,
abrangendo o conjunto da UFMG e indo além. Não tem sentido ser limitado ao
caráter clínico ainda que da prevenção médica.

Imagine um
rio altamente poluído onde os biólogos diagnosticam diversas doenças nos
peixes, teratogenias, cegueiras, diminuição da estatura e mortandades.Optar
pelo tratamento individual dos peixes seria visto como um absurdo diante do mal
maior que é a poluição. A despoluição do rio salvaria as espécies e garantiria
saúde aos indivíduos? Esta deveria ser a questão. Ou seja, restabelecendo-se a
qualidade do ecossistema aquático agimos com lógica da saúde coletiva.

E o nosso
rio? A opção na sociedade humana deveria ser dupla: tratar os indivíduos, mas
priorizando o investimento na qualificação do ecossistema humano – seus
habitats, seus nichos, seus ecossistemas, seus biomas. São suas cidades, suas
universidades, suas moradias, escolas, sistemas de transporte, sua
macro-política econômica e mentalidade civilizatória. Esta visão força-nos a
rever conceitos em política e em macro-economia, rever o SUS, rever as bases
filosóficas de nosso pensamento social.

A opção
pelo peixe é uma estratégia adotada pela nossa percepção da importância
metodológica do território de bacia hidrográfica e das águas. O peixe é um
indicador de saúde coletiva ambiental da bacia, incluindo a espécie Homo sapiens. O transformamos em eixo de
mobilização. Está relacionado com o princípio metodológico “o espelho d`água
mostra a nossa cara!”. Com esta estratégia estamos monitorando as
transformações ambientais, civilizatórias e avaliando a gestão pública.

A bacia
hidrográfica e seus ecossistemas integrados têm base geológica e uma linguagem
compatível de caráter universal. Portanto, supera as fronteiras geográficas e
culturais politicamente impostas aos seres vivos. Permite a globalização
inteligente de uma humanidade solidária que pensa e age globalmente e
localmente.

Em 2003,
durante a Expedição que desceu o Velhas até o São Francisco, propusemos a Meta
2010, de Navegar, Pescar e Nadar no seu trecho mais poluído, na passagem do rio
pela Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). O então governador de Minas Aécio Neves
a assumiu em março de 2004, por sugestão nossa. E posteriormente a transformou
em Programa Estruturador do Estado. Foram feitos investimentos políticos,
administrativos e financeiros tanto pelo Estado, quanto pelo Projeto Manuelzão/UFMG,
diversas prefeituras e algumas empresas. Mas o ator mais eloquente foi a
sociedade civil ao conseguir que o Estado encampasse sua proposta.

Fazendo
agora um balanço da Meta 2010, ela teve 60% de sucesso. Nadamos com segurança
em Santo Hipólito, na região de Curvelo, no médio curso. Nesta região é
comemorado o milagre da multiplicação dos peixes e da ressurreição do rio.
Dados do biomonitoramento do NUVELHAS/Projeto Manuelzão/UFMG,
que vem sendo realizado há mais de dez anos, comprovam que peixes antes
ausentes estão hoje chegando à RMBH. No geral o rio melhorou muito. Mas ainda
não consegumos a vitória de poder nadar na RMBH com segurança. Por isso, para
não deixar o vazio tomar conta, e fazer com os parceiros as reformulações
necessárias na gestão, lançamos a Meta 2014, para finalmente podermos nadar na
RMBH e ter aí um rio cheio de peixes da bacia da São Francisco. Algumas
diretrizes para esse novo momento estão previstas em documento assinado dia 14
de Agosto, às margens do rio das Velhas, pelo governador Antonio Anastasia, por
 Aécio Neves, por diversos prefeitos  – entre os quais o prefeito de BH Márcio Lacerda, os
coordenadores do Projeto
Manuelzão, secretários de Estado, deputados, Núcleos do Projeto Manuelzão e
pessoas presentes ao evento.

A
Meta 2014 exclui de forma peremptória a construção de barragens na calha do Rio
das Velhas e na bacia do Rio Cipó. No caso de Santo Hipólito uma barragem teria
consequencia devastadora sobre os ecossistemas da bacia do Cipó/Paraúna, Pardo
e médio Velhas, além da inundação de povoados, de terras férteis da região e
isolamento de pessoas. Esta barragem nunca foi uma reivindicação regional. A
região tem outras prioridades.

O
objetivo maior da Meta 2014 é a conquista de uma sociedade com nova
visão-de-mundo que seja civilizatoriamente superior, ecossistemicamente
adequada às necessidades de todas as espécies, verdadeiramente democrática e
justa, abolindo fronteiras e preconceitos. As águas e o peixe estão cumprindo o
papel estratégico de guias e inspiradores de uma transformação da mentalidade.

 

 

 

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