Qual seria o impacto do fim das assessorias técnicas independentes na bacia do Paraopeba?Projeto Manuelzão

Qual seria o impacto do fim das assessorias técnicas independentes na bacia do Paraopeba?

02/10/2025

Seis anos após o rompimento da barragem da Vale, reparação dos danos anda lenta e bem distante das pessoas atingidas

[Artigo de Mathias Botelho, integrante da equipe de Comunicação da ATI Paraopeba do Instituto Guaicuy,  publicada na página 31 da Revista Manuelzão 95, na editoria Enfrentamentos; republicamos aqui com algumas edições para adaptar o texto ao formato do site. Acesse a edição 95 e as edições anteriores da Revista Manuelzão através deste link.]

As pessoas atingidas pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, em 2019, nunca tiveram plenamente garantido seu direito de contar com assessorias técnicas independentes (ATIs). Apesar da eleição de Aedas, Nacab e Instituto Guaicuy e o posterior trabalho nos territórios, a continuidade das ações sempre esteve em risco, e a incerteza que permeia os anos de atuação das ATIs tem se intensificado nos últimos meses. 

Com o prazo dos planos de trabalho do Acordo Judicial de Reparação e do termo de compromisso firmado pela Vale com o poder público chegando ao fim, é bastante provável que, no segundo semestre de 2025, haja pouquíssimos profissionais trabalhando cotidianamente junto às pessoas atingidas. 

O cenário se mostra ainda mais tempestuoso porque, ironicamente, quase nada de reparação chegou às localidades atingidas, apesar de o direito à ATI enquanto durarem as ações de reparação estar previsto nas políticas estadual e federal de atingidos por barragem.

Em termos gerais, a reparação andou lenta e bem distante das pessoas atingidas. O acordo judicial assinado em fevereiro de 2021 tem como objetivo reparar os danos coletivos e difusos causados pelo rompimento da barragem. Trata-se dos impactos em que não é possível identificar quem sofreu o dano — como a contaminação do Rio Paraopeba — e dos que acometeram determinadas categorias ou classes, como pescadores. Danos individuais, como desvalorização de imóveis e perda de animais, não foram contemplados.

Dos R$37,69 bilhões do valor do acordo, pouco é destinado às pessoas que mais sofrem. O Anexo 1.1 do acordo prevê R$ 3 bilhões para projetos sugeridos pelas próprias comunidades atingidas e para linhas de crédito. Seis anos depois do rompimento, uma entidade foi contratada para a execução de projetos com 10% desse valor (R$ 300 milhões), mas, até hoje, nenhuma medida concreta chegou às comunidades. Ainda não há previsão de utilização dos outros 90%.

O Anexo 1.3 também poderia servir às pessoas que foram prejudicadas ao destinar R$2,5 bilhões para fortalecimento de políticas públicas nos municípios atingidos (à exceção de Brumadinho, que recebeu um valor à parte pelo Anexo 1.4). Mas as pessoas atingidas denunciam que grande parte dos investimentos destina-se às sedes dos municípios, em geral bem distantes das comunidades ribeirinhas e rurais onde vivem. 

A medida que mais chegou às pessoas foi de mitigação, e não de reparação. O Programa de Transferência de Renda (PTR), o Anexo 1.2, com valor de R$4,4 bilhões, é um pagamento mensal que auxilia as pessoas a se manterem financeiramente enquanto a reparação coletiva e a individual não chegam. Só que o PTR está perto de acabar, sem que tenha havido a reparação dos danos. A Vale reduziu o valor das parcelas pela metade em março, mas uma decisão judicial desautorizou a mudança. Outras pessoas atingidas reclamam dos critérios excludentes do PTR, que deixaram muita gente sem receber os pagamentos.

Fora do acordo, os dados sobre as indenizações individuais são alarmantes. A própria Vale afirmou em manifestações à Justiça que pagou cerca de 9.000 indenizações e que considera que esse número representa quase a totalidade das pessoas prejudicadas.

Em comparação, segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV) 154 mil pessoas de toda a bacia do Paraopeba e Represa de Três Marias recebem o PTR. Ou seja, mesmo com dificuldades de acesso, o PTR chega a quase 20 vezes mais pessoas que as indenizações negociadas individualmente com a Vale.

O direito à assessoria, além de estar previsto em lei, é fundamental para a garantia dos direitos de populações extremamente vulneráveis, que seguem sofrendo as consequências de um crime cometido por uma das maiores empresas do mundo. As ATIs auxiliam na participação informada das pessoas mas, também, fundamentalmente, servem como um peso a mais nessa desigual balança de direitos, que sempre pende para o lado mais forte. 

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