Que cidade queremos?

03/02/2016

Queremos uma cidade que tenha sustentabilidade social e ambiental, que seja inclusiva implantando projetos educativos e sociais que visem melhorar a qualidade de vida das pessoas. Leia matéria completa.

QUE
CIDADE QUEREMOS? 

A CIDADE QUE QUEREMOS E A CIDADE
QUE PRECISAMOS

 Muito se fala em crise hídrica, deficiência do
transporte público, formação de ilhas de calor nos grandes centros, córregos e
rios canalizados, verticalização das cidades e pessoas cada vez mais
estressadas. Retratos de um mundo caótico e cidades desordenadas. As questões
levam as pessoas a pensar: que cidade queremos?

A resposta é complexa, tem
muitas interpretações, mas está principalmente na participação da sociedade na
discussão do tema que deve ser um dos eixos centrais de definição das políticas
públicas voltadas às cidades. É o que afirma Maria
Angélica de Sales Dias, pesquisadora do Observatório de Saúde Urbana, da
Faculdade de Medicina da UFMG. Para ela, as pessoas querem construir uma cidade melhor junto com os governos, sendo coparticipantes
das políticas públicas e não apenas beneficiários. “Saber qual cidade não
queremos também é um bom caminho para o desenho dessas políticas, além de
refletir o desejo de concretização do nosso direito à cidade desejada”, disse.

Segundo
ela, os problemas acontecem porque as cidades vão sendo construídas de forma
desordenada. “Isso é uma coisa que acontece desde os primórdios do processo de
urbanização e se aprofundou na década de 80. As cidades não são planejadas de
forma ordenada e infelizmente não se controla tudo para fazer esse
planejamento”, declara.

Para
especialistas, nesse processo, às vezes a gestão pública e a sociedade não
conseguem perceber o desordenamento das cidades, as densas migrações que
aumentam a população, o acúmulo de lixo, a falta de acesso a bens e serviços, a
falta de saneamento básico, a questão da poluição das águas, a exclusão social,
a segregação territorial e com eles, o risco da criminalidade. “Temos
atualmente um agravante, a questão atmosférica, gerada pela industrialização e
o aumento dos automóveis nas ruas. Hoje não temos praças, áreas verdes, de
lazer para a população e tudo isso em função de uma cidade desordenada”, afirma
Sales.

 

Constituição
das cidades

Nos anos 1950 e 1960, especialistas já alertavam
para a diferença entre crescimento e desenvolvimento. Para eles, o primeiro
indica uma simples ampliação da escala (a cidade que se verticaliza e se
esparrama ao infinito), o segundo supõe uma mudança em relação ao estado de
desordenamento o que pode ser positivo. O grande fator ordenador do uso e
ocupação do solo na cidade é o econômico. A terra foi transformada em
mercadoria e não um bem social. Aos excluídos, coube a ocupação das
periferias.    

Segundo dados do IBGE, o Brasil se urbanizou nos
últimos 30 anos. Em 2010, 84% da população vivia nas cidades, ou seja, 160.879.708
habitantes. Muitos foram os problemas criados. Houve uma especulação
imobiliária e um encarecimento dos imóveis, o que acarretou problemas à
população de baixa renda; e consolidou o aparecimento dos subúrbios, favelas e
vilas desestruturadas e violentas.

Atualmente se sustenta o uso do automóvel
individual, apenas, e a um alto custo ambiental. O modelo de mobilidade urbana
que privilegia o uso do automóvel, com alto custo ambiental e para o próprio
trânsito das cidades. “Muitas vezes desejamos uma cidade, mas permitimos que
outra se implante”, afirma o professor de Engenharia civil, Nilo Nascimento.

Para ele, a Trama Verde e Azul seria uma das
soluções para o planejamento e gestão territorial e fundamental na articulação
entre as zonas verdes, que indicam as matas, e o azul, que mostra a importância
dos cursos d’água. 

“A Trama
Verde e Azul é um conceito de planejamento e gestão territorial que tem origem
distinta, mas, sobretudo na França e Reino Unido, países onde esta discussão é
feita de maneira mais intensa. No Brasil é um conceito recente”, disse ao
revelar que Belo Horizonte foi uma das primeiras capitais que não só abriu o
debate, mas tem propostas para a análise do território metropolitano, adotando
o planejamento e desenvolvimento da Região Metropolitana como fortes conceitos
de estruturação do território.

“A trama
tem um conceito muito amplo, mas a ideia central é criar conectividade entre
áreas de proteção, valendo-se de áreas de proteção previstas em lei no cuidado
com as matas ciliares ao longo dos rios e vales, e valendo-se da rede
geográfica”, explica o professor Nilo. Segundo ele, a proposta é criar um
território que tenha por um lado a intenção de gerar essas conexões entre áreas
de interesse ambiental. “O intuito é criar oportunidade de usos múltiplos desse
território, mas sempre com ênfase na proteção ambiental”.

 

Trama Verde e azul

O foco
da Trama é a ligação entre o verde das áreas de mata e o azul dos curós d’água.
“Mas pode ser visto também de uma forma mais ampla na medida em que aumentamos
a presença do verde, sobretudo, nas áreas urbanas – e aqui falamos de áreas
muitos desenvolvidas -, peri-urbanas e o meio de características mais rurais no
entorno do eixo urbano. Isso é claro, numa Região Metropolitana que tem a
presença de grandes concentrações urbanas”.

“Se for aumentado
a presença do verde em áreas urbanas, isso causará um impacto positivo sobre a
disponibilidade da água. E essa é a forma mais segura de fazer isso, o que
remete a ideia da trama em que o azul representa a água e sua relação com o
território”, explica Nilo. 

Outra
possibilidade de conexão da Trama Verde e Azul seria via grandes eixos viários,
ou seja, as estradas importantes como o trajeto do rodoanel, por exemplo. “Nos
eixos ferroviários a ideia é que a vegetação produza um impacto positivo na
drenagem pluvial nestas vias, além da redução de ruídos, de criar impactos
paisagísticos e reduzir os efeitos térmicos de áreas muito intensas e impermeabilizadas,
tudo isso são contribuições importantes da trama”.

 

Revitalizar e não canalizar

Outra proposta da cidade que queremos é a revitalização dos
rios e córregos que cortam as cidades e sua integração à paisagem urbana, criando
parques ecológicos que a população possa se apropriar. Para especialistas, é
possível recuperar rios e córregos impactados, pois eles são indispensáveis. No
entanto, o crescimento “desordenado” fez com que, os rios se tornassem entraves
à constante necessidade de avanço territorial. Durante muito tempo, a
estratégia adotada consistia em regularizar o curso de rios e córregos para que
seu trajeto se tornasse o mais curto possível. Rompeu-se assim a interação
natural entre rio e cidade e isso ocasionou grande empobrecimento do
ecossistema.

“Os
conceitos vão evoluindo na medida em que vamos conseguindo implantar e planejar
inovações nestas áreas, com isso, a reflexão nestes tempos se aprofundam no
Brasil. Na área fluvial surgiu a ideia de que a canalização de rios, de impermeabilização
destas áreas, são soluções caras e quando as cidades crescem se tornam
problemáticas devido aos problemas de enchentes. Por outro lado, os ambientes
urbanos ficam artificializados demais extremamente áridos, as cidades também
ficam mais vulneráveis as mudanças climáticas”, explica o professor ao
argumentar que o desafio é recuperar os cursos
d’agua que sofreram modificações profundas sem colocar em risco as zonas
urbanas e vias de transporte, e sem causar desvantagem para a população. Para
isso, os engenheiros envolvidos devem elaborar um plano que leve em conta as
particularidades de cada caso, e que se articule aos demais planos territoriais
e programas regionais.

“A ideia
hoje é repensar completamente essa realidade, pluvial, de esgotamento sanitário
e de gestão desses entornos dos cursos d’água. O desafio é grande, do ponto de
vista técnico, econômico e social, mas são passos que deverão ser dados de
forma necessária e positiva”, afirma.

 

As cidades estão doentes

Nossas sociedades e cidades, também adoecem e nos adoecem, é
o que afirma Maria Angélica de Sales Dias, pesquisadora do Observatório de Saúde
Urbana, da Faculdade de Medicina da UFMG. Para ela, o planejamento urbano desordenado causa impactos
negativos na qualidade de vida das pessoas e na saúde. “É preciso identificar
os riscos que são determinantes sociais de todo esse sofrimento, propondo e
avaliando políticas públicas mais saudáveis e mais sustentáveis, dirigidas para
as necessidades da população, principalmente a população mais excluída”.

As
doenças mais comuns nas cidades são muitas, mas a pesquisadora enumera como uma
das principais a asma e a tuberculose, devido a pressão atmosférica, gerada
pelos automóveis; as moradias muitos pequenas e pouco ventiladas que também
causam essa doenças. Outro ponto são as áreas inapropriadas de moradia das
pessoas localizadas em morros e áreas de risco. “A segregação territorial e a
falta de acesso a serviços, também são fatores determinantes de criminalidade.
A dengue, pelo acúmulo de lixo, a leishmaniose, 
as doenças cardiovasculares e alimentares, pois atualmente não temos
mais como comer em casa e a vida agitada atrapalha à alimentação correta e
sadia. Isso tudo é responsável pela obesidade e doenças cardiovasculares, que
junto a violência são as principais causas de morte, principalmente em áreas
urbanas”, disse.

 “É difícil diante dessa realidade, construir
novas cidades, porque elas já trazem todos esses problemas. Mas é possível
pensar alternativas”, explica Maria Angélica ao defender que as cidades que
queremos primeiramente têm que ser apropriada por sua população. Para ela, uma
cidade só é sustentável se sua população se sente parte dela. Junto com esse
processo participativo é fundamental que a gestão pública também esteja junto à
população e perceba seus anseios e realize políticas púbicas voltadas a
melhorias coletivas.

Podemos
não tornar uma cidade toda sustentável, mas podemos construir possibilidades a
partir da participação e identificação desses processos através da construção
de políticas públicas concretas. 

 

Então, que cidade queremos?

Queremos uma cidade em que se possa viver e ter
qualidade de vida. Uma cidade que tenha sustentabilidade social, que implantem
projetos educativos e sociais gratuitos, principalmente para pessoas de baixa
renda; que promova investimentos em educação pública, visando à qualidade do
ensino; programas voltados para a inclusão social, principalmente de pessoas
portadoras de necessidades especiais; investimentos governamentais em
saneamento básico, garantindo tratamento de esgoto e acesso à água potável para
pessoas que não tem acesso a estes serviços; a ampliação dos meios de
participação democrática na definição de ações que visem melhorar a qualidade
de vida das pessoas. Um bom exemplo desta ação é o orçamento participativo;
adoção de sistemas educacionais que levem informações sobre a importância da
preservação ambiental para a sociedade, relacionando-a com a melhoria da
qualidade de vida em seu espaço geográfico. Uma cidade que promova inclusão social;
através de projetos de qualificação profissional, principalmente para
trabalhadores que se encontram desempregados; que oriente os jovens, através de
programas eficientes, sobre o grave problema das drogas; que implante programas
geradores de renda para pessoas carentes e abra espaço para que a cooperação, o
diálogo, a solidariedade, a criatividade e o espírito crítico estimulem a
formação cidadã.

 Buscamos
uma cidade que ofereça mobilidade urbana de qualidade a todos, pois a promoção
e garantia  da plena acessibilidade é um
aspecto essencial à qualidade de vida dos cidadãos e ao exercício dos seus
direitos, como membros participantes de uma comunidade  regidas pelo princípio de uma sociedade
democrática no sentido de garantir a sua real integração e participação.

Outra face da cidade que queremos é o convívio
social harmônico, ético, respeitável, responsável, entre as pessoas. Esse
sempre foi um desafio para a humanidade, mas é possível compreender que a
natureza verdadeiramente humana é constituída das relações em função das
pessoas, pois conviver socialmente é estar o tempo todo em contato como o
outro, o que envolve comunicação e relacionamento interpessoal.   

Enfim, as cidades que
queremos são aquelas que existam mais áreas verdes, como os parques lineares.
Esses espaços tendem a estimular a discussão das cidades para as pessoas e o
uso do solo com equidade. Neste conceito é preciso instalar áreas de lazer e
convívio entre as pessoas em espaços anteriormente ocupados por carros, bem
como em áreas que podem ativar determinadas ruas, bairros ou cidades. Com esses
espaços buscamos aumentar as áreas públicas transformando ruas e bairros em
locais mais humanizados e amigáveis, ativando o convívio, pois as cidades
precisam rediscutir a forma de ocupação do espaço urbano. Neste caso, as Zonas
Verdes surgem como uma oportunidade de diálogo. Queremos para as cidades,
planos diretores mais comprometidos e que contemplem variadas questões
setoriais e regionais que dizem respeito aos anseios e demandas da Comunidade.
A cidade que queremos só se transformará 
quando cuidarmos dela da mesma forma como cuidamos de nossas casas, pois
a mudança deve passar primeiro por nós.

 

 

Plano Diretor como instrumentos de
desenvolvimento

 

Fundamental para a construção das cidades
sustentáveis, o Plano Diretor tem como função garantir o atendimento das
necessidades da cidade, uma melhor qualidade de vida na cidade, preservar e
restaurar os sistemas ambientais, promover a regularização fundiária e
consolidar os princípios da reforma urbana.

A Lei Federal 10.257/2001 mais conhecida como
Estatuto das Cidades é a regulamentação dos artigos 182 e 183 da constituição
federal e estabelece parâmetros e diretrizes da política e gestão urbana no
Brasil. O Plano Diretor está definido no Estatuto e é um instrumento básico
para orientar a política de desenvolvimento e de ordenamento da expansão urbana
do município.

É uma lei municipal elaborada pela prefeitura com
a participação da Câmara Municipal e da sociedade civil que visa estabelecer e
organizar o crescimento, o funcionamento, o planejamento territorial da cidade
e orientar as prioridades de investimentos. 
Seu objetivo é orientar as ações do poder público visando compatibilizar
os interesses coletivos e garantir de forma mais justa os benefícios da
urbanização, garantir os princípios da reforma urbana, direito à cidade e à
cidadania, gestão democrática da cidade.

O Plano Diretor é obrigatório para municípios com
mais de 20 mil habitantes, integrantes de regiões metropolitanas, que tenham
áreas de interesse turístico e situados em áreas de influência de
empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental.

Ele se articular com outros instrumentos de
planejamento como a Agenda 21, Conferência das Cidades, Planos de bacias
hidrográficas, planos de preservação do patrimônio cultural e outros planos de
desenvolvimento sustentáveis.  Todos os
cidadãos participam do plano Diretor, mas seu processo de elaboração deve ser
conduzido pelo poder executivo, articulado com o poder legislativo e sociedade
civil. A participação da população deve ser estimulada para que o Plano Diretor
corresponda à realidade e expectativas quanto ao futuro.

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