24/02/2025
Colapso de pilha provocou graves impactos ambientais em cidade no Centro-Oeste de Minas; famílias não têm previsão de voltar pra casa
Em 7 de dezembro de 2024, a mineração em Minas Gerais criou mais uma “área fantasma”. Nesta data, centenas de pessoas foram deslocadas de suas casas, na comunidade de Casquilho de Cima, em Conceição do Pará, após o deslizamento de rejeitos da exploração de ouro da mineradora canadense Jaguar Mining. Uma onda de sedimentos atingiu parte da estrutura utilizada pela empresa na atividade, causando sérios danos socioambientais e obrigando moradores de 105 residências a deixarem suas casas, de acordo com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).
As atividades da mineradora no local foram suspensas. Assim como o acesso à comunidade Casquilho de Cima, de onde moradores foram retirados e estão há dois meses impedidos de rever seus pertences. Com pouco mais de 5 mil habitantes, Conceição do Pará fica a 50 quilômetros de Divinópolis, no Centro-Oeste mineiro.
Na ocasião, um talude da pilha de disposição de estéril e rejeitos de mineração se rompeu, soterrando uma casa inteira e colocando as demais residências em risco. A moradia atingida era onde Lara Rafaela Morato vivia com seus pais e avós. Os treze quartos do casarão contavam com duas grandes varandas e um quintal onde galinhas, porcos e uma farta plantação compunham a vida tranquila da família. Na mesma rua, moravam tios e primos de Lara, compartilhando uma rotina tranquila e coletiva.
Na hora do deslizamento, Maria Conceição, avó de Lara, estava fritando os bifes do almoço e teve quinze minutos para pegar as coisas mais importantes antes de deixar seu lar. A carteira com os documentos ficou para trás, assim como os R$ 22 mil juntados com a venda dos salgados que fazia para as pessoas de sua comunidade. Ela havia guardado o dinheiro em gavetas e armários, para futuros imprevistos e sonhos. “Os funcionários da mina chegaram e nos pediram para sair da casa, nos levaram para um hotel fazenda. Eu e meus avós fomos na hora, e meus pais pediram para ficar um pouco mais, para terminar o plantio, já que os funcionários disseram que o rejeito não chegaria na nossa casa. Poucas horas depois eles também foram retirados, e de noite nossa casa foi soterrada”, relembra a estudante.
A família foi encaminhada para um hotel fazenda, onde permaneceu por alguns dias até se mudar para uma casa alugada pela empresa, também em Conceição do Pará. Os vizinhos também foram deslocados para outras casas da região e de Pitangui, cidade próxima, e agora precisam se acostumar com suas vidas suspensas.
Moradores deixam propriedades atingidas pelo colapso da pilha de rejeitos da Jaguar Mining em Conceição do Pará. Vídeo: Filipe Lacerda.
Após o incidente, a empresa divulgou uma nota explicando que o problema foi identificado durante uma inspeção e que havia tomado as providências oficiando os órgãos fiscalizadores e regulatórios. No último dia 2, entretanto, houve mais um deslizamento da estrutura, após intensas chuvas na região, reforçando ainda mais a necessidade de interdição da área onde está a comunidade.
A mineradora ofereceu R$ 10 mil como “valor de urgência” para as famílias que tiveram que abandonar suas casas em dezembro. Os moradores seguem sem previsão de retornar para a área interditada e foram impedidos de voltar inclusive para buscar os pertences deixados para trás.
Em 21 de janeiro, a Justiça determinou que a Jaguar Mining financiasse a contratação de uma Assessoria Técnica Independente (ATI) para acompanhar as pessoas prejudicadas pelas atividades da empresa. A ordem surgiu após um pedido do MPMG, que entendeu a necessidade de auxílio técnico à comunidade para garantir a participação no processo de apropriação dos próprios direitos diante das ações da empresa no território.
O papel da ATI é de acompanhar o processo de reparação e ajudar as pessoas envolvidas a entenderem tanto as dimensões dos danos sofridos quanto o processo judicial necessário para reparar esses danos. Tais entidades estão acompanhando diferentes processos de reparação de danos causados pela mineração em Minas Gerais, como por exemplo nas comunidades afetadas pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, ao longo de toda a Bacia do Paraopeba.
O prazo para a contratação da entidade responsável por esse trabalho era de 15 dias, de acordo com a determinação, mas a decisão foi suspensa no último dia 4, após um pedido de revisão por parte da mineradora. A empresa argumentou que não havia definição de prazo e valor para a contratação da ATI. O pedido de suspensão foi aceito pela desembargadora responsável, mas o MPMG já anunciou que irá recorrer da decisão.
Estrago causado pelo colapso de pilha de rejeitos da Jaguar Mining no entorno da mina Turmalina. Vídeo: Filipe Lacerda.
Uma das entidades que se candidatou para assessorar a comunidade foi o Instituto Guaicuy, que já realiza este trabalho em algumas cidades atingidas pela Vale na Bacia do Paraopeba e na região da Represa de Três Marias e em Antônio Pereira, distrito de Ouro Preto. Carla Wstane, diretora do Guaicuy, visitou Conceição do Pará na última semana e avaliou a urgência de se garantir o acesso à informação das pessoas que foram deslocadas.
“Sabemos que vem pela frente uma luta demorada e por vezes muito confusa. E não é à toa que os moradores de Conceição do Pará estão confusos. São processos judiciais complexos que vêm pela frente, que causam insegurança e dúvidas para todos os envolvidos. Essas pessoas perderam suas casas e vão precisar estar firmes e muito informadas para reaverem todos os direitos violados pelas ações da mineradora. A Assessoria Técnica Independente dá esse suporte tão necessário para que as vidas dessas pessoas não sejam ainda mais violentadas”, argumenta.