RIBEIRÃO ARRUDAS – OUTRO RIO É POSSÍVEL

12/11/2010

“Governo e sociedade civil têm que rever a dívida histórica que têm com a Bacia do Arrudas, elevando-o ao status de rio da cidade e não de esgoto, tornando-o um marco natural.”

Já dizia Nelson Rodrigues que toda unanimidade é
burra. E quando isso se aplica à cidade que queremos projetar para o futuro,
esta afirmação é mais do que válida.

Neste sentido gostaria de fazer algumas reflexões
importantes sobre o Boulevard Arrudas. Primeiro é preciso esclarecer: qual é
conceito de Boulevard? O conceito de ”Boulevard” surgiu
em Paris para designar o projeto de uma avenida larga, geralmente
arborizada ao centro e nas margens, podendo assim mesmo ser de mão única ou
dupla.

No traçado
de Belo Horizonte foram propostos vários Boulevares, como a  avenida Afonso Pena. Ela foi planejada para
ser o eixo estruturador, ao longo da qual foram estrategicamente construídos o
mercado, o parque, o teatro e os palácios do Congresso, da Justiça e dos
Correios.

A cidade,
traçada na direção da Serra do Curral, ficou entre a montanha e o vale do
Arrudas. Dentro desse contexto o Ribeirão Arrudas foi considerado como “fundos”
da área urbana, sem o status de marco natural da cidade.

Aqui é
necessário que se faça um resgate histórico. Quando da escolha do local para
sediar a nova capital do estado, havia outras localidades que disputavam este
privilégio. A comissão criada pelo governo do estado da época, após estudos
criteriosos de várias localidades, fez a opção por Belo Horizonte, utilizando
como um dos critérios a abundância de água na região, representada pela Bacia
do Ribeirão Arrudas.

Quando da
construção da cidade, os esgotos gerados e não tratados foram depositados
diretamente no leito do Arrudas, o que provocou a poluição do Ribeirão e de
vários dos seus córregos afluentes.

Ao longo desse
processo de poluição os córregos afluentes foram primeiramente canalizados a
céu aberto, depois cobertos por avenidas sanitárias, e agora mais recentemente,
transformados em Boulevares.
Esse modelo transforma definitivamente a paisagem, oculta a
natureza do rio em canais fechados. A visualização da passagem dos córregos
pela cidade ficou, dessa forma, sacrificada aos imperativos da necessidade funcional
da fluidez e do aumento das caixas das ruas para o tráfego de veículos.

Durante muito tempo, os projetos de engenharia
procuraram retificar o leito dos rios e córregos, de forma a aumentar a
velocidade de escoamento e direcionar a vazão para a foz a fim de se obter
novas terras para a urbanização e diminuir os efeitos locais de cheias. Com a
realização de obras hidráulicas, o perfil do rio é diminuído e o seu leito
aprofundado. O aumento da capacidade de vazão reduz a freqüência de
transbordamento das cheias médias, mas não das grandes enchentes.

O projeto de
cidade baseado em canalizações e impermeabilização sem um planejamento do uso e
ocupação do solo adequado somente contribui para aumentar a força e a
velocidade de escoamento das águas, criando verdadeiros “canhões hidráulicos”
que vão carreando tudo que encontram pela frente.

Assim, por
vezes, nos espantamos quando o resultado disso se traduz em alagamentos nas
nossas principais vias de trânsito como a Avenida Teresa Cristina ou a
Professor Morais. Como transformamos rios em avenidas é provável que, em algum
momento, as avenidas se transformem em rios.


Outras paisagens são possíveis. Maquetes elaboradas pelas alunas Kenea Henrique de Oliveira e Giovanna Colli do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFMG
Esse modelo de
canalizações de rios vem sendo modificado em vários países do mundo, como na
Alemanha, que, desde a década de 1970, tem optado pela descanalização e por
projetos de renaturalização.

Paris que
concebeu exemplos de Boulevares, por outro lado, manteve o Rio Sena no cenário
da cidade. Com o processo de revitalização, que teve
início em 1996, o Rio hoje proporciona atividades de lazer, como esportes naúticos
e atividades turísticas.

Exemplo mais espetacular de renaturalização é o que
ocorreu no Rio Cheonggyecheon, que corta a cidade sul-coreana
de Seul, onde 5.864
metros de pistas do sistema viário foram removidos para
dar lugar ao rio que voltou a correr no seu leito natural, e hoje serve de área
de lazer para a comunidade em pleno centro de Seul.

As
experiências da Alemanha e da Coreia do Sul são exemplos modernos da mudança de
paradigma sobre rios nas cidades.

A
renaturalização é uma tendência e uma perspectiva de futuro, um dia teremos que
fazer, e a faremos. Não podemos continuar erguendo monumentos da nossa falta de
visão de futuro. Seremos lembrados como a geração que enterrou os seus rios, sem
ter dado a eles o direito a vida.

É lógico que
quando falamos de rios vivos, não falamos de um Ribeirão Arrudas cheio de
esgoto ou lixo. Até porque o Ribeirão Arrudas não nasce com esgoto e lixo, é a
cidade que o polui ao longo do seu trajeto. Queremos um Rio onde todo o esgoto
seja interceptado e tratado pela estação de tratamento de esgoto da Copasa, já
existente.

Outra
questão é que tampar o Ribeirão Arrudas não resolve o problema do esgoto, ele
continuaria correndo pelo Ribeirão e desaguando no Rio das Velhas. Para nadar
no Rio das Velhas em 2014, teremos que interceptar 100% dos esgotos que caem no
Arrudas, e não canalizá-lo.

Governo e
sociedade civil têm que rever a dívida histórica que têm com a Bacia do Arrudas,
elevando-o ao status de rio da cidade e não de esgoto, tornando-o um marco
natural.

Conclamamos todos
a reverem os conceitos de rios em cidades, já que eles representam os caminhos naturais
das águas. Não podemos continuar projetando o futuro com soluções do passado. Boulevard
não pode significar uma lápide de concreto com flores para rios que nós
matamos.

Termino aqui este artigo afirmando que outro
cenário para o Ribeirão Arrudas é possível. Nesse sentido, destaco algumas
propostas de revitalização do Arrudas elaboradas por alunos do professor Roberto Rolim Andrés, do
departamento de Projetos da Escola de Arquitetura da UFMG.

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