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Rola-Moça Resiste

06/10/2021

Após mobilização de moradores contra caminhões carregados de minério em estradas da unidade de conservação, Justiça volta atrás e rechaça atividades de mineradora

[Matéria de Ferdinando Silva publicada na página 22 da Revista Manuelzão 89, na editoria Em que pé que tá?. Republicamos aqui com algumas edições para adaptar o texto ao formato do site. Acesse a edição 89 e as edições anteriores da Revista Manuelzão através deste link.]

Ameaçado pela permissividade do Estado e da Justiça, o Parque Estadual da Serra do Rola-Moça precisou da mobilização dos moradores de seu entorno para ter sua proteção garantida. Após protestos quase diários, incluindo o enfrentamento direto da comunidade dos caminhões da mineradora, a Justiça Federal cassou, em maio, uma liminar que permitia atividades da Mineração Geral do Brasil (MBG) na zona de amortecimento do parque, isto é, na faixa de proteção ao redor da unidade de conservação.

Instituído por lei em 1994, o Parque Estadual da Serra do Rola-Moça está na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). É lar de abundante biodiversidade de fauna e flora e de seis mananciais que abastecem a RMBH. Abrange Brumadinho, Nova Lima, Ibirité e Belo Horizonte.

Manifestações enfrentaram caminhões da MGB. Foto: Samuel Macedo / Rola Moça Resiste

“Não fossem as pessoas de carne e osso, que estiveram atentas, se mobilizaram e foram corajosas para intervir, a mineradora certamente continuaria cometendo seus abusos”, refletem Vera Baumfeld e Gabriela Rosa, do movimento Rola-Moça Resiste, criado em conjunto com outros moradores da região.

A liminar cassada permitia atividades de descomissionamento, ou seja, o desmonte de uma barragem de rejeitos, na mina de Casa Branca, pela MBG. A mineradora, contudo, se valia da permissão para as obras de descomissionamento para explorar ilegalmente a área, o que foi denunciado à Polícia Ambiental, ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e ao MP Federal (MPF).

Máquinas eram vistas operando à luz do dia no terreno e caminhões carregados de material terroso passaram a transitar intensamente nas estradas do parque, colocando em risco a vida das pessoas que transitavam em veículos de passeio.

As pontas soltas

A MGB tenta, há alguns anos, reativar a mina de Casa Branca, que fica na zona de amortecimento do parque. As antigas operações da Extrativa Paraopeba foram paralisadas pela Justiça há 20 anos e deixaram uma cratera como marca na paisagem. A empresa abandonou a mina sem ter recuperado a área; a MGB arrendou sua concessão.

Para associações ambientais, a autorização foi concedida sem que o juiz conhecesse a situação. O MPMG, ainda em 2001, entrou com uma ação para a resolução do passivo – soma dos danos ao meio ambiente causados por empresas e, proporcionalmente, das obrigações para repará-los -, incluindo o descomissionamento de duas barragens.

Detentora da lavra e responsável pelo passivo, a MGB usa a recorrente desculpa do setor de que é necessário minerar novamente para viabilizar a recuperação ambiental.

O projeto da empresa seria de extrair, em seis anos, 17 milhões de toneladas de minério, com a construção de estradas dentro do parque para o trafego de caminhões. Além da poluição atmosférica, sonora e hídrica o projeto previa ainda a supressão de 3 hectares de mata.

O pedido contraria a lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, que proíbe qualquer tipo de atividade que faça o uso direto de recursos ou estruturas dessas áreas.

A primeira investida

A MGB deu início, em 2016, ao processo de licenciamento na Superintendência Regional de Meio Ambiente (Supram), instância técnica da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). Em setembro de 2018, a Supram apontou que os estudos apresentados pela MGB eram insuficientes e emitiu parecer contrário à licença.

Dois meses depois, o MPMG emitiu uma recomendação ao Instituto Estadual de Floresta (IEF), responsável pelos parques estaduais, para que não concedesse a anuência ao projeto.

Vista do Rola-Moça em abril de 2021; abaixo nota-se um container da MGB em seu terreno. Foto: Reprodução / Rola Moça Resiste

A apenas sete quilômetros de outras duas minas contíguas da Vale, a do Córrego do Feijão e a da Jangada, os vizinhos da Serra do Rola-Moça, no início de 2019, viram de perto as cenas de horror do rompimento em Feijão, em Brumadinho. Todo o trânsito de salvamento passou pelo parque.

Mesmo assim, em maio de 2019, a Prefeitura de Brumadinho mostrou-se a favor das atividades da MGB.

A volta

Pesavam contra a proposta da MGB o parecer da Supram, a recomendação do MPMG, a não anuência do IEF e uma ação civil pública, movida pelo Instituto Guaicuy e pelo Ecologia e Observação de Aves (Ecoavis).

Entretanto, a Câmara de Atividades Minerárias (CMI), vinculada ao Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) – a instância política da Semad -, contrariando a instância técnica, colocou o projeto da MGB na pauta da reunião de 25 de setembro de 2020. Com o pedido de vista de parte dos conselheiros nessa reunião, a possível votação estava prevista para 27 de outubro, próximo encontro do Copam.

“Nesse momento, o Rola-Moça Resiste botou o bloco na rua. Marcamos a primeira manifestação para o dia 25, uma semana após a criação de um grupo no Whatsapp para organizar as ações”, lembram Vera e Gabriela.

A primeira manifestação

Era uma manhã de domingo, chuvosa e de muita neblina. Alegando falta de segurança em razão do mau tempo, o prefeito de Brumadinho quis impedir a manifestação, mas não adiantou: cerca de 200 pessoas, determinadas diante da ameaça iminente, saíram em carreata da praça de Casa Branca com destino ao Mirante dos Veados. “Nos sentíamos invadidos diante da ilegalidade da extração predatória de minério dentro de uma área proteção integral, o que não podíamos aceitar”, afirma Gabriela.

Performance artística realizada durante a primeira manifestação. Foto: Samuel Macedo / Rola Moça Resiste

Um dia depois, uma juíza de direito retirou da pauta da reunião do Copam, por meio de liminar, o projeto da MGB.

A afronta

Novas manifestações aconteceram em 2021. O estado de alerta não podia ser desfeito. Em janeiro, moradores perceberam a movimentação de máquinas e caminhões no terreno da MGB e acionaram a Polícia Ambiental que, no entanto, não soube avaliar o teor das atividades e informou que voltaria com técnicos da Supram e membros da comunidade.

Um representante da MGB apresentou, então, uma liminar do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), obtida em agosto de 2020, para obras em uma barragem, com instabilidade atestada pela Agência Nacional de Mineração (ANM), ainda que técnicos da agência não tenham ido local.

Área da MGB no Rola-Moça; pilhas de material terroso podiam ser vistas à luz do dia. Imagem: Ilana Lansky / Rola-Moça Resiste

O gabinete da deputada federal Áurea Carolina (PSOL) deu apoio à luta e marcou reuniões na Câmara e com a Advocacia Geral da União (AGU). Com isso, manifestaram-se conjuntamente o MPMG e o MPF para apontar ao TRF1 que a liminar concedida, além de desconhecer a realidade local, estava servindo para exploração ilegal.

A atividade das máquinas e as pilhas de minério se acumulando no terreno da MGB eram diariamente registradas pelos moradores.

Em abril, sem qualquer autorização, caminhões carregados de minério começaram a passar a cada 5 minutos nas estradas do parque – estreitas, sem acostamento e com fortes aclives. Os moradores filmaram e mandaram para a imprensa, o MPMG, o MPF e até para o TRF1.

Protestos quase diários se seguiram, até que o juiz federal Ricardo Rabelo voltou atrás e revogou a liminar que tinha concedido à MGB, rechaçando as atividades da mineradora.

A luta continua

“É absurdo termos que instar o Estado e a Justiça a cumprirem seus papéis. A defesa da sociedade tinha que partir deles, não o contrário”, refletem Gabriela e Vera. “Temos certeza de que estamos do lado certo nessa história. Isso nos fortalece muito para as batalhas que virão”, afirmam.

Manifestação realizada em abril de 2021. Foto: Samuel Macedo / Rola Moça Resiste

“Continuaremos mobilizados e preparados para os próximos passos, lutando para que a lei seja cumprida e que, de uma vez por todas, não haja mineração dentro do parque. Sou uma otimista, apesar da luta ser grande, tenho visto várias pequenas vitórias. Creio que, unidos, podemos barrar projetos aviltantes e ilegais. Quero acreditar nisso”, conclui Vera.

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