24/08/2021
Pedido de licença para instalação de um terminal de carga de minério a apenas 1300 metros do centro do distrito centenário foi indeferido por conselho de patrimônio cultural e natural
O Conselho Consultivo e Deliberativo do Patrimônio Cultural e Natural de Itabirito (Conpatri) indeferiu, na última quarta-feira, 18, o pedido de concessão de licenciamento ambiental de um terminal de carga e descarga de minério no distrito de São Gonçalo do Bação. O local da obra planejada pela empresa Bação Logística fica a apenas 1300 metros do centro do distrito itabiritense, cujas origens remontam à primeira metade do século XVIII. A licença foi negada por ampla maioria dos conselheiros, com oito votos contrários e apenas dois a favor.
A luta da população de Bação contra o terminal teve início em 2018, quando máquinas começaram a operar no local valendo-se de uma Licença Ambiental Simplificada, autorização concedida a empreendimentos ou atividades de pequeno porte e baixo potencial poluidor. As primeiras intervenções para a instalação do Terminal, contudo, causaram o assoreamento de ao menos quatro nascentes, além do despejo de lama de um talude diretamente no ribeirão Carioca nas cachoeiras Bem-Vinda e Três Quedas. Foi a partir da mobilização da comunidade que o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) interrompeu as atividades da empresa.
A Bação Logística solicitou, desta vez, as licenças de Instalação Corretiva e de Operação Concomitante para que o terminal começasse a operar.
Em nota pública divulgada no dia 17 deste mês, o Projeto Manuelzão apontou que se verificaram irregularidades desde o início do processo de licenciamento, na concessão da licença simplificada, quanto ao próprio enquadramento do empreendimento. As obras foram classificadas, inicialmente, como um “pátio de estocagem”, e não o que de fato eram: um terminal de carga de minério, empreendimento de impacto muitas vezes maior.
A irregularidade fez com que o MPMG ajuizasse uma Ação Civil Pública (ACP), que resultou na paralisação das obras e a consequente obrigação do projeto de cumprir o licenciamento adequado. A despeito da posterior regularização do empreendimento, o Maneulzão questiona na nota “a própria legalidade da certidão de conformidade do município [Itabirito], em face do possível fornecimento de informações equivocadas quanto ao porte do empreendimento e indução ao erro da Prefeitura Municipal, no momento de emissão da certidão de conformidade”.
O enquadramento incorreto do terminal deixa de considerar impactos comuns dessas obras nas populações de seu entorno, como os altos índices de emissão de poeira decorrente do transporte de minério e o aumento da lama nas estradas durante o período chuvoso. A riqueza hídrica, de fauna e flora e histórico-cultural de Bação, que fazem do turismo um dos principais motores da economia local, estaria fadada ao rápido empoeiramento e a cultura e os modos de vida da comunidade sofreriam um impacto drástico e definitivo.
Assista ao documentário desenvolvido pela Associação Comunitária de São Gonçalo do Bação para denunciar os impactos do terminal de minério. Acompanhe também o perfil @bacaosustentavel para saber dos próximos passos na luta pela proteção de Bação.
De acordo com o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) solicitado ao empreendimento, fruto de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado com órgãos de Promotoria e Justiça, seriam produzidas 4 milhões de toneladas de minério que seriam transportadas por ano e 800 caminhões circulariam diariamente no local.
Um período normal de chuvas na região poderia ocasionar 18 mil metros cúbicos de lama. A poeira sujaria as residências e fachadas históricas, acometeria a qualidade do ar e aumentaria a incidência de doenças respiratórias. A intensa circulação de caminhões carregados de minério tornaria a estrada entre São Gonçalo do Bação e Ribeirão do Eixo extremamente perigosa para moradores. Além disso, a população sofreria com os efeitos do estrondoso barulho causado pelo trabalho de máquinas pesadas.
A Associação Comunitária de São Gonçalo do Bação também denuncia a ausência de garantia do direito de participação adequada dos moradores, em virtude da não realização de audiências públicas, seja anteriormente à emissão da certidão de conformidade, seja no âmbito do licenciamento. Segundo moradores, não houve qualquer consulta prévia, diálogo ou negociações, tendo a empresa inclusive se recusado a participar, após convidada, de audiências relativas à mineração na Câmara Municipal de Itabirito.
Foi só em maio deste ano que o Conpatri firmou uma data para audiência de escuta à população, que foi realizada dia 7 de julho, na Escola Municipal Padre Antônio Cândido. Mais de um mês depois, veio o resultado que Bação esperava.
O território de Bação guarda grande número de cursos hídricos, nascentes e cachoeiras. A bacia hidrográfica do ribeirão Carioca, tem suas águas classificadas como de classe especial e classe 1, ou seja, de altíssima qualidade, propícias a atividades de lazer e pesca. Esses cursos d’água integram a sub-bacia do rio Itabirito, fundamental para o abastecimento da cidade de Itabirito e da Região Metropolitana de Belo Horizonte, sobretudo diante do agravamento da crise hídrica na região do alto rio das Velhas, que tem início na cachoeira das Andorinhas, em Ouro Preto e finda-se nos limites de Belo Horizonte, Caeté e Sabará.
Além das edificações do centro do distrito, o patrimônio histórico-cultural de Bação também abarca ruínas e muros de pedra, identificados pela arqueóloga Alenice Baeta, que podem datar do século XVII, época do início da ocupação de Minas Gerais, movida pela busca de ouro e outros metais preciosos.
O arraial de Bação surgiu no século XVIII, durante o ciclo do ouro e servia de ponto de passagem para Sabará, Ouro Preto e Ouro Branco. Sua origem é atribuída ao português Antônio Alves Bação que, doente, prometeu que ergueria uma capela ao santo português São Gonçalo caso melhorasse de sua enfermidade. Em 1740, a promessa foi paga, a capela erguida e o arraial passou a crescer no entorno dessa construção.
O cemitério, com sua capela de características arquitetônicas do século XVIII, traz uma bela visão aberta da região, local que se tornou ponto de encontro dos moradores mais jovens do distrito. Já a Igreja da Matriz é mais recente e data de 1924, com altares em estilo rococó.
Leia a nota pública divulgada pela Projeto Manuelzão que, além de apontar irregularidades no processo licenciamento ambiental do terminal de carga, pede o tombamento dos bens naturais e culturais de São Gonçalo do Bação, como forma de proteger o patrimônio local de investidas predatórias.