Seis anos após rompimento em Mariana, pessoas atingidas buscam reparação na Justiça inglesaProjeto Manuelzão

Seis anos após rompimento em Mariana, pessoas atingidas buscam reparação na Justiça inglesa

08/04/2022

Vítimas pedem que juízes reconheçam a competência da Justiça do Reino Unido no caso

[Matéria atualizada na segunda-feira, 11 de abril, para adicionar falas do prefeito de Mariana, Juliano Duarte.]

Mais uma vez, o rompimento da barragem da Samarco em Mariana é pauta nos tribunais ingleses. Nesta terça, 5, o Tribunal de Apelação em Londres iniciou análise de recurso apresentado pela defesa dos atingidos pelo crime da Samarco/Vale-BHP. Ao todo, cerca de 200 mil atingidos, três comunidades indígenas, aproximadamente 600 empresas e 25 municípios, além da Arquidiocese de Mariana, pedem que os juízes reconheçam a competência da Justiça do Reino Unido para tratar do caso. A ação do Reino Unido começou a ser movida em 2018, buscando a indenização da BHP Billiton, mineradora anglo-australiana acionista da Samarco junto à Vale.

Os advogados do PGMBM –  escritório inglês que representa vítimas de Mariana nos tribunais ingleses – estimam que os juízes devem dar um veredicto em meados de 2022. Caso eles entendam que a Justiça do Reino Unido possui a competência legal para tratar do caso, o julgamento passará para a análise de mérito. Até o final desta semana, também serão ouvidos os argumentos da BHP. Após as audiências, os juízes irão divulgar sua decisão. 

“Foram dois juízes e uma juíza examinando o caso, e nos dois primeiros dias a PGMBM apresentou a argumentação oral. Nos dois dias seguintes, quarta e quinta, foi a argumentação oral da BHP. Já na sexta-feira foram as contra razões do nosso escritório. Os juízes questionaram muito, fizeram muitas perguntas em relação a toda a questão do rompimento da barragem. Isso foi um ponto muito importante, muito positivo, porque a primeira vez que essa ação entrou e o município perdeu, o juiz não demonstrou tanto interesse. Dessa vez, todos os três juízes demonstraram muito interesse sobre o caso” afirmou Juliano Duarte, prefeito de Mariana, um dos municípios responsáveis pelo recurso e local do rompimento da barragem de rejeitos. 

O temor dos advogados de defesa dos atingidos é que, de acordo com uma estimativa baseada nas ações brasileiras, um julgamento no Brasil teria início apenas entre os anos 2024 e 2026, atrasando ainda mais o processo de indenização que já anda a passos muito lentos. Há margem legal no Reino Unido para que empresas com sede britânica sejam responsabilizadas por crimes cometidos em outros países. 

Paracatu de Baixo Foto: Daniela Fichino / Justiça Global

Entenda o caso

Os atingidos pelo crime da Samarco em Mariana declaram que, após seis anos do rompimento da barragem, o sistema jurídico brasileiro não foi capaz de assegurar a devida reparação. O argumento foi refutado pela mineradora e o pleito foi considerado “abuso de processo” pelo juiz Mark Turner, no tribunal de primeira instância. Em 2020, o juiz rejeitou o caso alegando haver risco de sentenças inconciliáveis, com julgamentos ocorrendo simultaneamente, e que o Brasil seria o local apropriado para o processo. “Pode-se prever com segurança que essa contaminação cruzada incessante dos procedimentos levaria ao caos absoluto na condução dos litígios em ambas as jurisdições, sendo que a posição processual de cada uma delas estaria em um estado de fluxo quase constante”, escreveu Turner no processo. 

Diante da negativa, o escritório PGMBM apresentou um recurso extraordinário e conseguiu vitória em julho de 2021. O Tribunal de Apelação de Londres acatou a reabertura do processo e a questão da competência do sistema jurídico voltou novamente à pauta. Até então, a defesa das vítimas trouxe à discussão se o tribunal de primeira instância realmente estava correto em negar, por duas vezes, aceitar o caso, ou se o Tribunal de Apelação deveria apenas reverter a decisão e permitir que o caso siga na Inglaterra.

Representadas pelo escritório PGMBM no caso contra a BHP, um grupo está presente no Reino Unido para acompanhar de perto a audiência, incluindo representantes da comunidade indígena Krenak, prefeitos das cidades atingidas e procuradores-gerais. O grupo busca a indenização da BHP Billiton, que tem sua sede em Londres e, ao lado da Vale, é acionista da Samarco.

“[Com] a ação sendo aceita na Inglaterra, a nossa previsão é de cerca de 60 dias para termos um parecer final. E sendo aceita, a gente tem uma probabilidade muito grande de vencer. A justiça brasileira é, infelizmente, muito lenta, já se passaram mais de seis anos e grande parte das pessoas ainda não teve uma indenização. Apesar de a repactuação estar ocorrendo no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), acreditamos que a ação na Inglaterra vai pressionar mais ainda a Justiça brasileira para finalizar a repactuação, envolvendo o governo de Minas, do Espírito Santo e o governo federal. Nós estamos muito otimistas, no último dia fizemos uma manifestação pacífica em frente à corte com a presença dos prefeitos, atingidos e os índios Krenak, que representam a região de Governador Valadares”, relatou Juliano Duarte. 

Distrito de Bento Rodrigues / Foto: Corpo de Bombeiros de Minas Gerais

Seis anos depois: relembre

“O que me motiva a estar na ação em Londres é justamente isso, ter dentro de mim que a justiça vai ser feita. Porque estamos há sete anos aqui praticamente dentro dessa luta e hoje eu me sinto abandonado pelos três poderes. O executivo, o legislativo e o judiciário. Faço uma ressalva ao Ministério Público, que é um parceiro que demonstra de peito aberto que está do nosso lado. Por isso, eu acho muito importante essa ação e tenho muita esperança que a justiça seja feita lá em Londres” declarou Marino D’Angelo, atingido da comunidade de Paracatu de Cima, zona rural de Mariana. Membro da Comissão de Atingidos pela Barragem de Fundão de Mariana (CABF), Marino é produtor rural e uma liderança forte na luta pela reparação integral das pessoas atingidas pelo crime da Samarco, Vale e BHP.

Em novembro do ano passado, o rompimento da barragem completou seis anos. A onda de rejeitos liberada no rompimento soterrou a comunidade de Bento Rodrigues e Paracatu, ceifou 19 vidas e matou o Rio Doce. O mar de lama também atingiu outras localidades e diversas comunidades rurais. Após seis anos do crime, a Samarco, Vale e BHP ainda não foram responsabilizadas. Os atingidos ainda não receberam a devida indenização e nenhuma das casas prometidas pela Renova (representante das mineradoras) foram entregues até então.

“Quando aconteceu o rompimento da barragem, eu conversando com uma pessoa, eu perguntei pra ela se a gente ia ser ressarcido e reparado por estar passando por isso, pelas nossas coisas serem destruídas. Aí a pessoa falou “se fosse nos Estados Unidos ou na Inglaterra, eu posso afirmar que sim, mas como é no Brasil, eu não tenho certeza de nada”. Quando surgiu a oportunidade da gente ingressar com a ação em Londres eu achei ali a oportunidade de que se fosse feita justiça, que eu já tinha a informação que a justiça lá é bem mais justa que a do nosso país” relata Marino. 

Ao todo, direta e indiretamente, mais de 700 mil pessoas foram atingidas pelos 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro despejados ao longo do Rio Doce, de Minas Gerais até a costa do Espírito Santo. No entanto, apenas cerca da metade desta população foi cadastrada pela Renova. A ação no Reino Unido tem valor estimado de 5 bilhões de libras (cerca de R$ 31 bilhões), no entanto o Ministério Público considera que o valor correto seria estimado em R$ 150 bilhões.

 

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