Sem água no rio, sem água para abastecimentoProjeto Manuelzão

Sem água no rio, sem água para abastecimento

17/09/2024

Estiagem prolongada expõe vulnerabilidade hídrica na Bacia do Rio das Velhas, deixa 11 cidades em escassez e quase todo o restante da bacia em alerta

Rio das Velhas em Honório Bicalho, Nova Lima, próximo à captação de Bela Fama. Foto: Ferdinando Oliveira/Projeto Manuelzão.

O Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) declarou, no último dia 10, situação crítica de escassez hídrica em 11 municípios na Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas. A medida vale para a porção entre as estações dos municípios Santo Hipólito e Várzea da Palma, já próximo ao encontro com o Rio São Francisco. As baixas vazões são registradas ao longo do restante da bacia, que está quase toda em estado de alerta, último estágio antes da necessidade obrigatória de restrição de uso da água.

No Alto Rio das Velhas, 70% da população da capital e 40% da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) é abastecida pelo rio. A captação do Sistema Rio das Velhas da Copasa é realizada na Estação de Tratamento de Água (ETA) Bela Fama, em Honório Bicalho, distrito de Nova Lima. “Belo Horizonte nesse momento flerta com a escassez hídrica”, define Marcus Vinícius Polignano, professor da Faculdade de Medicina e coordenador do Projeto Manuelzão.

Polignano lembra que a captação em Bela Fama é feita a fio d’água, ou seja, diretamente no rio, sem o auxílio de reservatórios. Nesse caso, “quanto mais baixa a vazão de um rio, menos água haverá para captar. Apesar de a Copasa não divulgar, sabemos que a vazão [do Velhas] hoje está em cerca de 13 m³/s (metros cúbicos por segundo) e a Copasa retira 7 m³/s para abastecer a RMBH, ou seja, está operando quase no limite da margem em que o rio ainda consiga manter seu fluxo e ecossistemas vivos”.

O restante do abastecimento da capital e da RMBH é feito pelo Sistema Paraopeba, composto pelos reservatórios Rio Manso, em Brumadinho, Serra Azul, em Juatuba, e Vargem das Flores, em Contagem. Os reservatórios do Sistema Paraopeba registram nesta terça-feira, 17, 59,9% de sua capacidade. Monitoramento da Copasa mostra que o nível de reservatórios é o menor em quatro anos.

Várias regiões de Minas Gerais passam por um longo período de estiagem, e mais de 130 cidades estão em situação de emergência, sobretudo no Norte e nos vales do Jequitinhonha e do Mucuri. BH é a capital há mais dias sem chuva no Brasil: 151. De acordo com a Copasa, não houve nenhuma precipitação durante o mês de agosto em nenhuma das represas que abastecem a RMBH. No mesmo período de 2023, houve 6,4 milímetros de chuva no Velhas e 94,6 milímetros no Paraopeba.

Polignano ressalta que a situação pode ficar ainda mais preocupante se se levar em consideração que o período chuvoso não está tão perto.

A mineração e a resiliência hídrica

Mas o que garante rios vivos durante os períodos naturais de seca, que tem se agravado drasticamente com as mudanças climáticas? Os cursos d’água que vemos na superfície são reflexo direto da quantidade de água subterrânea armazenada nos aquíferos. Há 40 vezes mais água no subsolo do que na superfície, o que se deve a um processo lento e contínuo de absorção da água das chuvas.

As nascentes, olhos d’água e pântanos se formam quando um aquífero está cheio o suficiente para que a água brote no solo. “O rio que vemos correr na realidade é fruto de veias profundas que são os rios internos, que estamos perdendo com o passar do tempo”, explica Polignano.

Os aquíferos são enchidos principalmente pela infiltração nos topos de morro, isto é, nas áreas mais altas do território, porque a chuva que cai mais longe do rio permanece muito mais tempo na bacia hidrográfica. Por isso os topos de morro são as áreas de maior importância para a resiliência hídrica de um território e são denominados zonas de recarga hídrica e considerados áreas de preservação permanente (APP) pelo Código Florestal brasileiro.

A Serra do Gandarela, na borda leste do Quadrilátero Ferrífero-Aquífero, mais de mil nascentes brotam sobre o maior trecho do Aquífero Cauê ainda não impactado pela mineração. Foto: Paulo Baptista/Salve a Serra do Gandarela.

Já o caso do Alto Rio das Velhas, na região do Quadrilátero Ferrífero-Aquífero, é único no mundo. As montanhas de ferro tem especial capacidade de absorver as águas das chuvas, assim temos aquíferos abaixo dos topos de morro e não no fundo dos vales, como acontece por regra. Ou seja, o Aquífero Cauê, maior reservatório subterrâneo da região, é ao mesmo tempo topo do morro e aquífero.

Quando as águas brotam na superfície formando arroios, riachos, córregos e rios, o que garante sua saúde é a preservação das matas que as protegem da poluição e do assoreamento e contribuem para a absorção das chuvas, a regulação do microclima e a vida do ecossistema aquático. Além, é claro, do tratamento dos efluentes que são despejados nos cursos d’água.

Olhando para esse cenário, a necessidade de manter seguros os territórios de produção de água é cada vez maior. Porém, como aponta o coordenador do Manuelzão, hoje o que ocorre é um aumento da pressão da mineração em regiões que prestam esses serviços ecossistêmicos, que no caso do Alto Rio das Velhas são, ao mesmo tempo, áreas de recarga hídrica e aquíferos.

Nas páginas 10, 11, 12 e 13 da edição 94 da Revista Manuelzão apresentamos um panorama das ameaças a esses territórios cruciais, mesmo aqueles protegidos por lei com unidades de conservação instituídas, como as serras do Gandarela e da Moeda.

Alerta e escassez no Velhas

De acordo com nota publicada pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Velhas), reportando informações do Igam, o monitoramento da vazão de água na Estação Várzea da Palma mostrou que, por sete dias consecutivos, a média de vazão de água ficou abaixo do percentual mínimo, caracterizando um “estado de restrição”. Ao mesmo tempo, a média das vazões diárias da estação Santo Hipólito apontou “estado de alerta”.

Com base na situação crítica de escassez de água na região, o Igam determinou a redução da captação de água nas outorgas com as seguintes restrições: redução de 20% do volume diário concedido às captações de água para uso humano, dessedentação animal ou abastecimento público; diminuição de 25% do volume diário destinado à irrigação; diminuição de 30% do volume diário concedido às captações de água para uso industrial e agroindustrial; redução de 50% do volume concedido para usos não consuntivos.

Santo Hipólito está no Médio-baixo Rio das Velhas e Várzea da Palma no Baixo Velhas. As restrições abrangem ao todo 156 outorgas espalhadas pelos 11 municípios nesse trecho. A medida vale por 45 dias.

Quase todo o restante da Bacia do Velhas está em estado de alerta, último estágio antes da escassez. “A RMBH é o segmento que requer maior atenção. Ainda que não haja evidências de que haverá escassez de água, é fundamental que os usuários fiquem atentos ao uso eficiente dos recursos hídricos em suas atividades diárias, seja na indústria, na mineração ou na população em geral”, comunicou o CBH Velhas.

Desde o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho em 2019 a captação de água no Velhas se encontra sobrecarregada devido à perda de uma captação a fio d’água no Rio Paraopeba que contribuia com o reservatório Rio Manso. Atrasadas há três anos, as obras ainda não foram entregues.

Nível dos reservatórios da RMBH atinge menor marca em quatro anos

Responsável pelo abastecimento de quase 3 milhões de pessoas na RMBH, o Sistema Paraopeba é composto pelos reservatórios Rio Manso, em Brumadinho, que está em 58,6% da sua capacidade; Serra Azul, em Juatuba, que está em 68,5%; e Vargem das Flores, em Contagem, com o nível mais baixo atualmente,  com 45,2% da sua capacidade total.

Acompanhe o monitoramento do nível dos reservatórios atualizado diariamente pela Copasa.

Ondas de calor e aumento de consumo

As ondas de calor são outro problema enfrentado pela população de Minas. O Projeto Manuelzão já mostrou que Belo Horizonte foi uma das capitais que mais esquentou durante o ano passado, e tudo indica que longos períodos de estiagem como o que está acontecendo serão mais frequentes daqui pra frente. O aumento na temperatura leva a um aumento no consumo médio de água pela população, o que agrava ainda mais a pressão sobre os recursos hídricos em tempos como o atual de escassez.

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