Sobre a nomenclatura zoológica do dourado do Rio São Francisco - Projeto ManuelzãoProjeto Manuelzão

Sobre a nomenclatura zoológica do dourado do Rio São Francisco

23/02/2024

Peixe-símbolo da Bacia do Velhas, o dourado foi por um longo tempo confundido com um parente próximo

[Artigo de Carlos Bernardo Mascarenhas Alves, biólogo do Projeto Manuelzão; Flávio César Thadeo de Lima, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Paulo dos Santos Pompeu, professor da Universidade Federal de Lavras (UFLA), publicado nas páginas 16 e 17 da Revista Manuelzão 94, na editoria Trilha do Velhas; republicamos aqui com algumas edições para adaptar o texto ao formato do site. Acesse a edição 94 e as edições anteriores da Revista Manuelzão através deste link.]

Em 2018 o Comitê de Bacia Hidrográfica (CBH) do Rio das Velhas alçou o dourado ao nobre posto de peixe-símbolo da bacia. Por um longo tempo, a espécie foi designada equivocadamente como Salminus brasiliensis, que na verdade é o nome correto para a espécie de dourado da Bacia Platina, recebendo apenas em 2007 o nome atual vigente, Salminus franciscanus.

 O dourado do Rio São Francisco é uma espécie endêmica da bacia, sendo diferenciado do dourado da Bacia Platina por possuir um colorido geral mais prateado, com a cor dourada restrita à região da cabeça e menos intensamente, na região ventral, ao passo que o dourado da bacia platina possui uma cor dourada uniforme por todo o corpo. O dourado do São Francisco também possui escamas proporcionalmente maiores do que o dourado da Bacia Platina, o que pode ser percebido ao se comparar a quantidade de manchinhas escuras (que pontuam as escamas) nos flancos das duas espécies — elas são mais numerosas no dourado da Bacia Platina. O dourado do Velho Chico possui o segundo dente da mandíbula muito maior que os demais dentes, o que também o diferencia não só do dourado da Bacia Platina, como também da tabarana, a outra espécie do gênero a ocorrer na Bacia do Rio São Francisco, que é bem menor em tamanho e que prefere rios menores. 

É a segunda maior espécie da bacia, perdendo apenas para o surubim, e atinge mais de 1 metro de comprimento e mais de 25 quilos de peso. Sua cor com tons dourados característica justifica o nome, e sua beleza é completada pelas nadadeiras amarelo-avermelhadas. Desde jovem é uma espécie piscívora, ou seja, alimenta-se basicamente de outros peixes. Por isso é considerado um predador de topo de cadeia alimentar. É uma espécie migradora, popularmente chamada “de piracema”, por nadar rio acima por centenas de quilômetros para se reproduzir no período chuvoso. Por estas características é considerado um excelente bioindicador, por ocorrer preferencialmente em locais de boa qualidade ambiental e onde a fauna está íntegra.

Pontos ao longo do Rio das Velhas onde a aparição do dourado foi analisada. Imagem: Carlos Bernardo Mascarenhas Alves.

Recuperação da bacia e melhora na distribuição da espécie

Quando o Projeto Manuelzão iniciou seus estudos com peixes, em 1999, sua ocorrência se limitava à porção do Médio-baixo Rio das Velhas. Com o aumento do volume de esgotos tratados na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), a área de distribuição do dourado foi se ampliando rio acima a partir da foz do  São Francisco, em Barra do Guaicuí: 250 quilômetros,  em 2000, 587 quilômetros, em 2007, e 714 quilômetros, em 2011. Hoje é registrado na RMBH, até mesmo acima de Belo Horizonte, como na cidade de Rio Acima. 

Mais recentemente, com dois projetos financiados pela Agência Peixe Vivo (2015–2017 e 2020–2024), com recursos arrecadados pela cobrança do uso de água pelo CBH Rio das Velhas, temos registrado a espécie em diversos ambientes da bacia. O dourado foi registrado em seis dos oito pontos de amostragem na calha principal, inclusive acima de Belo Horizonte, em Nova Lima, em pelo menos 12 afluentes e até jovens em três das cinco lagoas marginais estudadas. Os pulsos anuais de cheias, durante o período chuvoso, permitem que o rio alcance as lagoas marginais. Assim, ovos e larvas de peixes têm a chance de realizar seu desenvolvimento inicial e se transformarem em alevinos e jovens que retornam aos rios maiores com mais chances de sobreviverem. 

Tudo isso demonstra que o dourado e várias outras espécies migradoras conseguem completar seu ciclo de vida na bacia. A conectividade entre estes ambientes sem barreiras naturais (cachoeiras) ou artificiais (barragens), aliada à melhoria da qualidade da água (tratamento de esgotos) propiciam sua manutenção no Velhas, esse importante afluente da Bacia do Rio São Francisco. 

Observação: Flávio Lima é autor da nova descrição da espécie em 2007. O professor Heraldo Britski (coautor) foi o revisor técnico da tradução do livro Velhas-Flodens Fisk (1875) do dinamarquês e latim arcaicos para o português. O livro, como escreve Britski, é “uma das poucas obras publicadas no século XIX que versa especificamente sobre uma bacia hidrográfica brasileira, tendo como base uma coleção relativamente grande de peixes.”

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