05/03/2024
Presidente da Associação de Mineradoras de Ferro do Brasil, João Alberto Paixão Lages foi indiciado por ameaçar secretária em favor da Fleurs Global
Veio à tona nesta segunda-feira, 4, uma série de fatos que impressiona mesmo aqueles que acompanham de perto os descaminhos do licenciamento da mineração no estado. O presidente da Associação de Mineradoras de Ferro do Brasil (AMF) e sócio da mineradora Fleurs Global, João Alberto Paixão Lages, foi indiciado pela Polícia Civil de Minas Gerais, no último dia 23, por ameaçar a secretária de Meio Ambiente do estado, Marília Carvalho de Melo.
Segundo o inquérito da Polícia Civil, Lages pressionou Marília para que ela acelerasse o licenciamento ambiental da planta de beneficiamento de minério da Fleurs Global na divisa entre Raposos, Sabará e Nova Lima, na Grande BH, ao pé da Serra do Curral e ao lado do Rio das Velhas. As mensagens foram enviadas nos dias 23 e 24 de dezembro, após uma audiência pública vinculada ao processo não ser realizada no dia 23. A audiência foi realizada no dia 7 de fevereiro.
Em um áudio de um minuto de duração, Lages diz: “Ô, ilustre secretária de merda nenhuma, é João Alberto que tá falando. Aqui, cê para de bandidagem, de tentar extorquir a Global no nosso licenciamento”. Ele continua: “Nós queremos apenas uma coisa limpa, que é uma audiência pública, e você determinar pra que isso não aconteça, demonstra o apartamento que cê tem, o carro que você tem, a ladroagem da sua família e da sua mãe. Portanto, Marília, até agora você não enfrentou nada como eu. Mas daqui pra frente vai ser diferente.”
Lages confirmou em depoimento a autoria dos áudios destinados à chefe da pasta de Meio Ambiente no estado. Segundo o inquérito, ele apagou a mensagem no dia seguinte e se desculpou, mas ao não obter resposta, enviou outro áudio na noite de quarta, em que diz: “Marília, tentei ser cordial com você. Você viu a mensagem, depois o Pablito falou com você, você não respondeu. Então, minha amiga, bora lá, ué, pra guerra. Continuar, sempre. Prepara-te.”
Citado no áudio, Pablo César de Souza, o Pablito, é ex-vereador de BH pelo PSDB e ex-assessor do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD). Em 2017, Pablito foi indicado como superintendente da Agência Nacional da Mineração em Minas Gerais, pouco tempo depois de ser identificado como o “Calvo” em uma planilha de doações ilegais da Odebrecht entregue por um ex-executivo da empresa. Um grupo de 21 servidores da Agência se demitiu em protesto contra sua nomeação pelo governo de Michel Temer (MDB).
Para o coordenador do Manuelzão, o professor Marcus Vinícius Polignano, “cabe-nos questionar, se até a chefe da pasta no estado é ameaçada, qual a segurança que os servidores de carreira do órgão tem para exercer suas funções regularmente, em meio a um estado de coisas contaminado”.
Leia o inquérito policial na íntegra. Ouça abaixo os áudios com as ameaças:
Lages é sócio da mineradora Gute Sicht, que explorou sem licenciamento ambiental uma área próxima à da Fleurs na Serra do Curral. A Polícia Federal aponta, desde 2020, que as empresas atuam em conluio. Fleurs e Gute ocultavam a extração minerária ilegal como ações de terraplanagem e beneficiava e comercializava o material com uma guia de utilização concedida ilegalmente pelo ex-diretor da ANM, Guilherme Santana Lopes Gomes.
Lages, o ex-diretor da ANM e as mineradoras são alguns dos réus no processo que corre na Justiça Federal. A denúncia do Ministério Público Federal aponta, entre outros crimes, extração ilegal de minério, usurpação de bens da União e lavagem de dinheiro. O órgão cobra a aplicação de uma multa de R$ 50,7 milhões para a reparação dos danos ambientais causados apenas ente fevereiro e julho de 2020.
O Projeto Manuelzão noticiou, em abril do ano passado, a posse de Lages como presidente da recém-inaugurada AMF, em cerimônia acompanhada pela própria Marília, pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), a deputada federal por Minas Gerais Greyce Elias (Avante), esposa de Pablito, e o desembargador Wanderley Salgado de Paiva, representando o presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, desembargador José Arthur de Carvalho Pereira Filho.
À época, servidores da Secretaria Estadual de Meio Ambiente divulgaram uma nota repudiando a presença de Marília no evento e o “apoio incondicional” da secretária ao setor minerário.
Segundo o inquérito da Polícia Civil, Lages afirmou em depoimento que mandou o segundo áudio, na noite do dia 24, porque “estava sofrendo pressão dos associados da entidade que preside”.