Soluções Baseadas na Natureza: o caso do manancial Vargem das Flores na RMBH - Projeto ManuelzãoProjeto Manuelzão

Soluções Baseadas na Natureza: o caso do manancial Vargem das Flores na RMBH

20/01/2023

Palestra de Deyvid Rosa, mestre em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela UFMG, no âmbito do V Encontro Pró-Mananciais da Copasa

[Versão editada da palestra de Deyvid Wavel Barreto Rosa, mestre e atual doutorando em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela UFMG, realizada no âmbito do V Encontro do Pró-Mananciais da Copasa, no dia 3 de dezembro de 2021. O Pró-Mananciais é o Programa de Proteção e Recuperação de Mananciais da companhia. Imagem da capa: Ação de monitoramento da prefeitura de Contagem em Vargem das Flores. Crédito: Prefeitura de Contagem.]

Minha apresentação parte de uma proposta de estudo de caso sobre o manancial de Vargem das Flores, localizado na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH): Estudo de priorização da recuperação ambiental das microbacias afluentes ao reservatório de Vargem das Flores.

Esse estudo se baseia diretamente no objetivo do programa Pró-Mananciais, que é justamente “proteger e recuperar as microbacias hidrográficas e as áreas de recarga dos aquíferos, cujo os mananciais servem para captação dos sistemas de abastecimento público de água operados pela Copasa, por meio de ações de estabelecimento de parcerias, que visem a melhoria da qualidade e quantidade das águas, favorecendo a sustentabilidade ambiental, econômica e social”.

O estudo que propomos é dividido em três etapas. A primeira etapa consiste na definição dos critérios de pesos, indicadores para seleção das bacias prioritárias; a ideia é que esse estudo seja uma ferramenta de auxílio na tomada de decisão, para definição tanto das áreas que receberão investimentos quanto das soluções técnicas para cada uma dessas áreas.

Etapa 1: definição de critérios, pesos e indicadores para seleção das bacias prioritárias.

  • População beneficiada;
  • Índice de desenvolvimento humano – IDH;
  • Áreas com baixo grau de preservação da cobertura vegetal;
  • Áreas da cabeceira da bacia hidrográfica;
  • Áreas de pastagens degradadas;
  • Susceptibilidade à erosão;
  • Área com solo contaminado;
  • Áreas de contaminação da água subterrânea ou vulneráveis à contaminação;
  • Baixo índice de tratamento de efluentes;
  • Área de balneabilidade e pontos turísticos de contato primário e secundários.

A proposta é elencar todos os critérios por meio de uma consulta a um painel de técnicos, partes interessadas da Copasa, das prefeituras envolvidas, da sociedade civil, movimentos sociais, grupos de especialistas de recuperação ambiental não diretamente envolvidos com a bacia de Vargem das Flores, acadêmicos, técnicos de órgãos ambientais, consultores e etc. Esse painel ainda será definido e será consultado por meio de uma pesquisa Delphi para definir os pesos e os indicadores para que, na segunda etapa, façamos o diagnóstico com foco dos indicadores (Etapa 2).

Já temos um modelo hidrológico e de qualidade da água construído e calibrado para a bacia de Vargem das Flores. Temos algumas estações pluviométricas operadas pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e com um intervalo de registro de chuvas de uma hora. Isso permitiu que simulássemos o funcionamento hidrológico da bacia e do reservatório.

Alguns desses indicadores já estão mapeados, como é o caso da declividade do terreno, que é relevante tanto para os aspectos hidrológicos quanto no aspecto de perda de solo e produção de sedimentos.

Por fim, um dos critérios é justamente levar em conta a viabilidade técnica e econômica das soluções propostas. A proposta é que a gente chegue a um orçamento inicial de todas as soluções na fase de projeto conceitual ou anteprojeto e o critério econômico vai ser de peso, pensando que os recursos são limitados.

Temos duas abordagens primárias que se diferenciam entre as áreas urbanas e rurais. Como é bem conhecido, a bacia tem essas duas características de ocupação. As ações dos Pró-Mananciais para as áreas rurais envolvem principalmente a recuperação das áreas de preservação permanente, tanto das nascentes quanto dos cursos da água e áreas de cabeceira. Também há soluções baseadas na natureza com foco na retenção da água da chuva, promoção da infiltração e redução do escoamento superficial.

Para as áreas urbanas, o que talvez seja uma novidade, nós também temos soluções baseadas na natureza.

Um conceito muito utilizado nos últimos anos é a infraestrutura verde e azul. A trama verde e azul já é bem conhecida de quem é da RMBH, desde o desenvolvimento do plano diretor Metropolitano. Trabalhamos com esse conceito da trama verde e azul, mas  temos também termos como: soluções baseadas na natureza, desenho urbano sensível a água, desenvolvimento de baixo impacto, as próprias técnicas compensatórias de drenagem urbana e daí por diante.

E o que é essa abordagem de drenagem sustentável? A Infraestrutura Verde Azul (IVA) – as cores que aparecem no nome já fazem referência a natureza, a vegetação e o azul aos cursos d’água – poderia ser conceituada como uma rede multifuncional de áreas verdes remanescentes e fragmentos florestais preservados, interconectados entre si por meio dos cursos d’água e sua vegetação ciliar, que exercem múltiplas funções. E essa própria rede, da infraestrutura relacionada aos cursos d’água, ultrapassa o limite do curso d’água e abrange toda a bacia, toda a área de contribuição. E inclui técnicas como telhados verdes, trincheira de infiltração, micro reservatórios, jardins de chuva, células de biorretenção, poços de infiltração, pavimentos permeáveis, etc. Todas essas técnicas que visam reaproximar o ciclo da água às características mais naturais, ou seja, aumentando a infiltração, aumentando a retenção das águas pluviais, promovendo assim tanto uma maior infiltração quanto uma maior evapotranspiração, reduzindo assim o escoamento superficial.

Nos telhados verdes temos impactos positivos em termos de retenção e redução do escoamento superficial e a melhoria da qualidade da água da chuva, que passa por um tratamento passando pelas camadas.

Temos exemplos de trincheira de infiltração, que são trincheiras escavadas e preenchidas com material de maior granulometria, que permite o acúmulo, o armazenamento e a infiltração nas camadas inferiores e laterais da trincheira.

Os pavimentos permeáveis são pavimentos com blocos porosos e rejunte permeável, ou pavimentos de concreto poroso. Existem soluções técnicas que permitem a implantação desse tipo de pavimento tanto em áreas de menor circulação quanto em áreas de circulação mais expressiva. Já há tecnologia hoje, apesar de ainda não ser tão difundida no Brasil.

Há os reservatórios individuais, que já tem um aspecto de reserva e que podem ser de infiltração também, caso o fundo seja permeável. Essa já é uma técnica de compensação mais conhecida. Quem é de Belo Horizonte sabe das exigências da caixa de captação.

Essa água pode ser reutilizada apesar de que, com isso, perdemos um pouco do volume para armazenamento da vazão extrema.

Os jardins de chuva funcionam destinando a água de uma área impermeável para uma área que foi tratada com uma camada de infiltração e com a própria vegetação.

Temos as valas de infiltração que servem tanto para condução da água numa velocidade menor quanto para a própria filtragem.

Os parques lineares, como chamamos, são soluções que podem agregar, além das funções hidrológicas e ambientais, funções sociais importantes, como a criação de oportunidades para a prática de esporte, lazer, recreação e coesão social.

Inicialmente, esse conceito de Infraestrutura Verde Azul, com soluções baseadas na natureza, pode ter, pensando na cidade, uma concepção relacionada à redução do risco de inundação. No entanto, existem diversos serviços ecossistêmicos que essa infraestrutura presta, diversos benefícios ambientais, sociais e econômicos. Ela também promove o bem-estar humano e do próprio ecossistema.

Temos benefícios como a recarga da água subterrânea, do manancial subterrâneo, redução do efeito da ilha de calor, a melhoria da qualidade da água, a segurança alimentar – pensando no aproveitamento dessas áreas vegetadas para a criação de áreas para agricultura urbana -, oportunidades de recreação, amenidade estética, melhoria da biodiversidade, melhoria da qualidade do ar, economia de energia, entre outros.

Todos esses benefícios podem ser quantificados e, se consideramos todos eles, a relação custo-benefício é muito interessante para implantação dessas técnicas.

Na minha tese de doutorado, que já está bem avançada no caso de Vargem das Flores, tenho trabalhado na quantificação de um alguns desses benefícios. No caso, temos trabalhado com cenários alternativos de uso do solo, com o cenário atual de uso e ocupação, e com cenários futuros, considerando a ocupação de acordo com a legislação urbanística vigente, as legislações alternativas que já existiram, já foram propostas e mesmo as que estão em análise e proposição.

No caso de Vargem das Flores, temos um horizonte muito otimista de reversão da conversão de toda a bacia em área urbana.

Alguns benefícios que estamos quantificando no caso de Vargem das Flores são principalmente os relacionados à água, tanto a redução do risco de inundação, quanto a melhoria da qualidade da água e da disponibilidade hídrica também para abastecimento das cidades.

Alguns resultados que já alcançamos, considera o cenário de recentes mudanças na regulação do solo, o conflito de interesses regionais e locais. Pensando no âmbito da Copasa, do abastecimento de água, uma população que vive fora da bacia é que sobretudo se beneficia da produção de água.

As mudanças no uso e cobertura do solo  foram projetadas para 2040, e os impactos hidrológicos dos diferentes cenários foram avaliados, utilizando um modelo hidrológico calibrado com nível d`água do reservatório,para também avaliarmos as inundações a jusante do reservatório.

O caso de Várzea das Flores é um estudo de caso muito interessante porque temos a função primordial de abastecimento de água para o reservatório, mas também suas múltiplas funções, como por exemplo amortecer as cheias a jusante em Betim, entre outras.

As variáveis mais relevantes para a urbanização são as variáveis antrópicas, a existência de ruas e rodovias – vetores de expansão urbana -, também a existência de equipamentos educacionais, culturais e de lazer. E a própria distância das áreas urbanas, demonstrando que a expansão costuma ser contígua à área urbana já existente.

Propusemos um cenário alternativo que considerasse uma expansão urbana, mas aplicando o conceito da infraestrutura verde e azul. Selecionamos as áreas disponíveis para receber essa infraestrutura de acordo com parâmetros urbanísticos, critérios construtivos e, em seguida, selecionamos as melhores técnicas considerando a minimização dos custos e ao aumento da efetividade na redução do escoamento superficial. Por fim, além das técnicas que tratariam as áreas de expansão urbana, consideramos uma recuperação e preservação das APPs rurais desse cenário. Não consideramos uma intervenção nas APPs urbanas.

Em nossas análises, vimos que há técnicas que são muito mais caras, como é caso do telhado verde e do pavimento permeável, e técnicas mais baratas, com é o caso da vala vegetada, do jardim de chuva, das desconexões dos telhados. Em termos de custo há técnicas mais interessantes e devemos avaliar a eficiência delas na redução do escoamento superficial.

Há técnicas mais caras que são menos eficientes. É interessante que a técnica mais barata e eficiente seria a combinação dos lotes tratados 100%  por desconexão dos telhados ou jardim de chuva e as vias com valas vegetadas que poderiam ser construídas no canteiro central ou nas laterais.

Para finalizar, avaliando a qualidade da água do reservatório, a questão do assoreamento e da perda do volume já é bem conhecida. Então, essas técnicas além de promover a infiltração, tratam também a poluição difusa, para além dos  lançamentos de efluente não tratados.

Impactos da Infraestrutura Verde Azul na qualidade da água:

  • Redução de poluentes no escoamento superficial;
  • Redução do escoamento;
  • Prevenção da perda do solo;
  • Redução do transporte de sedimentos.

Já existem resultados e pretendemos comparar seus custos com os custos de tratamento  .

Considerações finais:

  • Há diversas incertezas e simplificações nos modelos – necessária cautela na extrapolação para outras áreas;
  • Os múltiplos benefícios da IVA podem ser vistos como uma panaceia para diversos impactos da urbanização, mas sua implementação é complexa e política;
  • Benefícios hidrológicos da implantação da IVA são evidentes para a bacia de Vargem das Flores;
  • Esperamos que os resultados obtidos contribuam para o debate público sobre Vargem das Flores.

O palestrante

Deyvid Wavel Barrreto Rosa é mestre em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela Universidade Federal de Minas Gerais (2017), bacharel em Engenharia Civil (2014) e em Engenharia Ambiental (2012) pela Universidade Fumec. Atualmente, é doutorando em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela UFMG em cotutela com o Institute of Sustainable Futures – University of Technology Sydney. Já trabalhou como professor na UFMG e na PUC Minas e também em diversos projetos nas áreas: hidrologia urbana, hidráulica, geoprocessamento e gestão de águas.

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