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STF reconhece proteção do meio ambiente como dever constitucional

05/07/2022

Ministros reconhecem omissão do governo federal na gestão do Fundo do Clima, que deve ser retomado; ação abre precedente histórico

Com 10 votos favoráveis e um contrário, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou uma ação que alegava omissão deliberada do governo federal na gestão do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (FNMC) na última sexta-feira, 1° de julho. Com a decisão do STF, a União está obrigada a desobstruir o funcionamento do fundo e garantir a continuidade da captação de recursos e sua alocação. O julgamento foi baseado no dever constitucional de proteção do meio ambiente.

Criado em 2011, o Fundo do Clima é um dos instrumentos da Política Nacional sobre Mudança do Clima e tem o objetivo de financiar projetos, estudos e empreendimentos que visem reduzir a emissão de gases do efeito estufa (GEE) e que levem à adaptação aos efeitos das mudanças climáticas. Em 2019, foi paralisado e esvaziado pelo governo Bolsonaro, sendo uma das medidas mais emblemáticas do desmonte das políticas públicas – principalmente ambientais – do país.

A decisão abre um precedente histórico para a defesa de outros mecanismos além do Fundo do Clima, ao tratar como inconstitucional a omissão do poder público no âmbito das políticas climáticas. A ação, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)708, foi movida em junho de 2020 por partidos da oposição: Partido Socialista Brasileiro (PSB), Partido Socialismo e Liberdade (Psol), Partido dos Trabalhadores (PT) e Rede Sustentabilidade.

A ADPF 708 pedia que fosse “declarada a inconstitucionalidade do comportamento omissivo lesivo do Poder Público em não dar andamento ao funcionamento sistemático do FUNDO CLIMA, seja pela não liberação dos recursos autorizados na lei orçamentária, seja pela não apresentação do Plano Anual de Aplicação de Recursos, vedando-se novos atos omissivos que venham a ser feitos nas programações futuras, em respeito ao pacto federativo e aos direitos fundamentais relativos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e dos povos indígenas.”

“O Poder Executivo tem o dever constitucional de fazer funcionar e alocar anualmente os recursos do Fundo Clima, para fins de mitigação das mudanças climáticas, estando vedado seu contingenciamento, em razão do dever constitucional de tutela ao meio ambiente, de direitos e compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, bem como do princípio constitucional da separação dos poderes”, declarou o ministro Luis Roberto Barroso, relator do julgamento, em seu voto.

O único ministro a votar contra a ação foi Nunes Marques, alinhado ao presidente Jair Bolsonaro (PL), que o indicou ao Supremo.

O ministro Edson Fachin acolheu o pedido dos partidos que ajuizaram a ação para que seja determinado ao governo federal publicar um relatório trimestral que evidencie o percentual de gastos do Fundo do Clima nos cinco segmentos (energia, indústria, agropecuária, uso da terra e resíduos) e que seja formulado periodicamente o Inventário Nacional de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa, com segmentação por estados e municípios.

“Esse julgado na prática terá um alcance bem mais amplo do que o Fundo Clima: a decisão favorável à ADPF 708 traz o precedente fundamental de que a omissão no uso de recursos destinados à política climática é inconstitucional. O poder público não tem o direito de optar pela não política pública nesse campo”, comemorou a especialista-sênior em Políticas Públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), Suely Araújo, em nota.

Esvaziamento do Fundo do Clima

O financiamento do Fundo do Clima está vinculado ao Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES). O programa tem nove subgrupos: mobilidade urbana, cidades sustentáveis e mudança do clima, máquinas e equipamentos eficientes, energias renováveis, resíduos sólidos, carvão vegetal, florestas nativas, gestão e serviços de carbono e projetos inovadores.

Em 2011, seu primeiro ano, o Fundo captou R$30,3 milhões – valor que equivale a cerca de R$58 milhões em 2022, de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação. Sob o governo Bolsonaro, de 2019 até hoje, o orçamento foi o menor da história. A verba de 2022 seria de R$8,7 milhões, 17 vezes mais que os 502 mil reais alocados, caso a gestão Bolsonaro tivesse ao menos corrigido o orçamento de 2018, no governo Temer, o segundo menor até então, pela inflação. Uma matéria do ((o)) eco destrinchou o sufocamento do Fundo do Clima desde o início do mandato de Jair Bolsonaro.

Sem recursos, o FNMC não realizava chamamentos públicos de novos projetos desde 2018. Em 2021, nenhuma reunião do comitê gestor do Fundo foi convocada pelo então ministro Ricardo Salles. O Ministério do Meio Ambiente (MMA) publicou um novo edital de chamamento para o programa no último dia 24, porém o valor disponível é irrisório, capaz de financiar apenas um projeto em todo o país.

Além disso, em 2021, uma única iniciativa recebeu verbas do fundo, com diversos procedimentos suspeitos. Dos R$7,4 milhões empenhados no orçamento federal para o fundo entre 2019 e 2021, a maior parte foi destinada ao Lixão Zero Rondônia, estado governado pelo coronel da PM Marcos Rocha, aliado bolsonarista. O projeto teve sérias irregularidades, como não ter sido selecionado por meio de edital, ter uma nota técnica favorável aprovada em apenas 5 horas, reportadas pelo ((o)) eco.

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