31/01/2025
Ministro Flávio Dino considerou a medida inconstitucional
O Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu o Decreto nº 48.893/2024, assinado pelo governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), que flexibilizava as regras de Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI) para povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais no estado. A medida cautelar, assinada pelo ministro Flávio Dino e proferida na última sexta-feira, 24, argumenta que a competência para legislar sobre o tema é da União, e não dos estados.
Publicado em setembro de 2024, o decreto mineiro estabelecia regras para a realização da CLPI no licenciamento ambiental no estado. Segundo o texto, a consulta seria obrigatória apenas em casos específicos, como quando as atividades afetassem povos indígenas reconhecidos pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares, ou povos e comunidades tradicionais certificados pela Comissão Estadual para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais.
A exigência fere o direito à autodeterminação, ignorando que muitos territórios ainda não foram oficialmente reconhecidos. Além disso, o decreto previa a dispensa da CLPI em situações como a presença de comunidades em áreas urbanas consolidadas ou quando já tivessem sido consultadas em processos anteriores de licenciamento ambiental.
Em sua decisão, o ministro Flávio Dino considerou inconstitucional a imposição de limitações às normas da Convenção 169 da OIT por meio de um decreto estadual. Ele destacou que as normas internacionais, especialmente aquelas que tratam da CLPI, não podem ser restringidas por medidas de competência estadual.
“Exemplificam o indevido disciplinamento, pelo estado de Minas Gerais, de tema reservado pela Lei Maior ao ente central os conceitos gizados no decreto estadual acerca do que se deve entender por ‘povos indígenas’ e ‘terra indígena'”, afirmou Dino. O ministro também criticou as hipóteses de dispensa da CLPI e os requisitos impostos pelo decreto, que, segundo ele, limitavam o alcance da Convenção 169 da OIT.
Quilombo Manzo Ngunzo Kaiango está localizado no Santa Efigênia em Belo Horizonte. Foto: IEPHA-MG
A ação contra o decreto foi movida pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), dois meses depois da publicação da norma. A organização questionou a constitucionalidade do texto e argumentou que ele restringia os direitos dos povos indígenas ao enfraquecer a garantia da CLPI e a participação efetiva das comunidades nas decisões que afetam suas terras.
Esse movimento se insere em um cenário mais amplo de tensões sobre os direitos territoriais indígenas no Brasil, marcado pela discussão do Marco Temporal. A Lei 14.701 limita os direitos territoriais indígenas à comprovação de ocupação das terras até 5 de outubro de 1988. O efeito dessa lei é um retrocesso para muitas comunidades, que perderiam o direito à demarcação por não conseguirem comprovar sua presença na data estabelecida, intensificando o cerceamento das terras indígenas e enfraquecendo a luta por reconhecimento e proteção territorial.
Após a decisão do STF, o governador Romeu Zema revogou a medida na quinta-feira (29/1), por meio do Decreto nº 48.986/2025. A revogação foi publicada no Diário Oficial do Estado de Minas Gerais e ocorreu após a suspensão da norma pelo ministro Flávio Dino. Zema também solicitou a extinção do processo na ADI 7.776 por perda de objeto, em consonância com a orientação.
A revogação do decreto mineiro e a decisão do STF representam uma vitória para os povos indígenas e comunidades tradicionais, que veem na CLPI um instrumento fundamental para garantir sua participação efetiva nas decisões que afetam suas terras e modos de vida. No entanto, o embate sobre os direitos territoriais indígenas e a aplicação do Marco Temporal segue em aberto, com organizações indígenas e defensores dos direitos humanos pressionando pela revisão da lei e pela garantia de direitos constitucionais.
A decisão do STF também reforça a importância da Convenção 169 da OIT como um instrumento de proteção dos direitos dos povos indígenas e tribais. Ratificada pelo Brasil em 2002, a convenção estabelece que os povos indígenas devem ser consultados de forma livre, prévia e informada sobre medidas legislativas ou administrativas que possam afetar seus direitos. A CLPI é vista como um mecanismo essencial para garantir a participação dessas comunidades nas decisões que impactam suas vidas e territórios.
Decisão evidencia importância da preservação dos povos indígenas e comunidades tradicionais no Brasil. Foto: IEPHA-MG.
Nesse sentido, a suspensão do decreto mineiro pelo STF e sua posterior revogação representam um importante precedente para a defesa dos direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais no Brasil. A decisão do ministro Flávio Dino reforça a necessidade de respeitar a competência exclusiva da União para legislar sobre o tema e de garantir que as normas internacionais de direitos humanos, como a Convenção 169 da OIT, sejam plenamente aplicadas no país.
No entanto, o caso também evidencia os desafios enfrentados pelos povos indígenas e comunidades tradicionais na luta por seus direitos, especialmente em um contexto de pressões econômicas e políticas que buscam limitar a proteção de seus territórios. A revogação do decreto mineiro é um passo importante, mas a garantia dos direitos indígenas e a efetiva implementação da CLPI continuam a depender de uma atuação firme do poder público e do Judiciário em defesa dessas comunidades.