Terrorismo de barragem volta à tona após interdição de estruturas da Vale em MarianaProjeto Manuelzão

Terrorismo de barragem volta à tona após interdição de estruturas da Vale em Mariana

16/11/2023

Quase 300 pessoas no distrito de Santa Rita Durão estão em alerta devido à ameaça de deslizamento de rejeito

A Agência Nacional de Mineração (ANM) interditou, na última sexta-feira, 10, três pilhas de disposição de rejeito da mina Fábrica Nova, da Vale, localizada em Mariana, na região Central Mineira. A medida foi tomada porque a mineradora não comprovou a estabilidade dessas estruturas, o que configura risco iminente. Com isso, 295 pessoas no distrito histórico de Santa Rita Durão estão em alerta por estarem na rota da lama em caso de um possível deslizamento das pilhas.

A chefe da Divisão de Fiscalização de Lavra de Minas Gerais, Luciana Cabral, lavrou o auto de interdição. Ela suspendeu de imediato as atividades de disposição de estéril (rejeito de minério a seco) de nas pilhas PDE Permanente I, PDE Permanente II e PDE União Vertente Santa Rita e autorizou as atividades para restabelecimento da estabilidade das pilhas. Ainda no documento, ficou condicionado a desinterdição da área somente com a comprovação da segurança da pilha de rejeitos. 

Segundo informações divulgadas pela Itatiaia nesta segunda-feira, 13, um laudo produzido pela consultoria Walm, contratada pela Vale, em 2020, atestou a instabilidade da PDE Permanente I. Porém o documento só foi adicionado pela mineradora ao sistema eletrônico de informações (SEI) da ANM em 25 de setembro deste ano. Ou seja, por três anos a Vale sabia do risco de deslizamento, mas não informou a nenhum órgão responsável sobre essa possibilidade. A barragem da mina Fábrica Nova está abaixo dessa pilha e então seria afetada por um colapso da estrutura. 

A Itatiaia também teve acesso a um relatório da ANM que comprova o atraso de três anos na comunicação da Vale. Em trecho do documento lê-se: “Desta forma, mesmo que a pilha esteja representando um elevado grau de risco de ruptura, com alta probabilidade de causar falha for galgamento do dique situado imediatamente à jusante em caso de sinistro, tanto a população situada na ZAS [Zona de Autossalvamento] quanto os organismos de defesa civil e demais órgãos competentes não foram alertados do potencial risco causado pela PDE Permanente I”.

As pilhas PDE Permanente I e II estão cadastradas no Sistema Integrado de Gestão de Barragens (SIGBM) da ANM, já a pilha União Vertente não consta no sistema. No entanto, ainda no SIGBM, estão presentes as declarações de Condição de Estabilidade (DCE) e de Conformidade e Operacionalidade (DCO) das PDEs Permanente I e II, emitidas pela Vale, datadas de setembro deste ano, que misteriosamente atestam a segurança da pilhas. 

Localização das estruturas interditadas da mina Fábrica Nova. Imagem: ANM/Reprodução

Questionada sobre as informações conflitantes presentes no laudo de 2020 da auditoria externa e nas declarações apresentadas pela Vale, a ANM não respondeu até o fechamento desta matéria. O espaço segue aberto para manifestação do órgão.

Daniel Neri, professor do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG), ambientalista e membro do Movimento pelas Serras e Águas de Minas (MovSAM), questiona a divergência de fatos. Ele aponta que a decisão da interdição foi tomada sem apresentar um documento que comprovasse inteiramente os fatos, além de não possuir nenhum responsável técnico subscrevendo a medida. Por fim, pergunta: “se existem documentos que garantem a estabilidade do local datados de setembro, o que mudou nesse mês para tomar a decisão de interditar a mina?”

A Vale confirmou a interdição da estrutura por nota e confirmou a realização de uma vistoria da ANM e da Defesa Civil na segunda, 13, e na terça-feira, 14. A empresa declarou que:  “acompanha vistoria da ANM e Defesa Civil, nesta segunda-feira, para os esclarecimentos necessários sobre as condições de estabilidade das estruturas, que permanecem inalteradas. Importante reforçar que as estruturas geotécnicas da companhia são vistoriadas frequentemente pela agência reguladora e monitoradas permanentemente por equipe técnica especializada. Não houve remoção da população até o momento e não temos a informação de que isso acontecerá”.

Por meio de nota divulgada após a vistoria na segunda, a ANM afirmou que “não constatou anomalia aparente que apresente risco iminente” para as estruturas interditadas.

Na rota da lama

Em meio a essa série de informações divergentes e imprecisas, resta a insegurança levada aos habitantes do distrito marianense de Santa Rita Durão que, de acordo com o Censo de 2010, tem uma população de 1.956 pessoas, 1.456 residindo no centro urbano e 500 na zona rural.

O núcleo histórico do distrito é tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais desde 1996. Surgido com a descoberta do ouro entre os séculos XVII e XVIII, ele é composto pela Igreja Matriz de Nossa Senhora de Nazaré, de 1729, a Capela de Nossa Senhora do Rosário, a Casa com Rótulas e Cruzes e o casario colonial remanescente. Nomeia o distrito seu habitante ilustre Frei Santa Rita Durão (1722-1784), religioso e poeta autor do épico Caramuru (1781). 

Vista panorâmica do núcleo histórico de Santa Rita Durão e casarão. Imagens: Iepha.

Bento Rodrigues, povoado varrido do mapa pelo maior crime ambiental da história do país, o rompimento da barragem de Fundão, da Samarco, em 2015, por uma triste ironia, era subdistrito de Santa Rita Durão.

O Projeto Manuelzão, desde 2019, designa como “terrorismo de barragem” a situação causada por estruturas instáveis que, para que mais pessoas não sejam soterradas pela lama no país, forçam a retirada das comunidades de seus territórios e levam pânico e adoecimento às pessoas como consequência desse estado de insegurança, seja com treinamentos para casos de rompimento, sirenes de alerta disparadas de forma equivocada, placas sinalizando rotas de fuga, entre muitos outros efeitos perversos, que no fim representam a expropriação dos territórios

Página Inicial

Voltar