Trabalho fora d´água

09/07/2010

Além de ações no rio, estratégias de gestão são necessárias para revitalizar

Quem acha que revitalização de cursos d´água se resolve somente em torno de córrego está enganado. Antes das intervenções técnicas, sociais e educativas, precisam ser discutidos aspectos de gestão, modos de viabilizar essas medidas. Aí trabalha um grupo que pode até não ver a cor da água, mas sabe bem a cor do dinheiro a ser investido em todo o processo. E tem mais. Eles decidem como empregar essa grana: qual deve ser o planejamento, políticas de atuação e articulação entre elas. É uma etapa importante. Em um projeto de revitalização mal administrado, a melhor equipe de especialistas não adianta muita coisa.

Decidir os rumos da revitalização não é tarefa exclusiva do governo. Experiências mostram que organizações não-governamentais (ONGs), universidades, empresas e moradores podem contribuir muito. A Meta 2010 – navegar, pescar e nadar no trecho mais poluído do Rio das Velhas – é exemplo disso. De uma iniciativa que partiu da sociedade civil em 2003 com o Projeto Manuelzão, as
ações depois se tornaram políticas públicas do governo de Minas.

Trabalho fora d`água

Recuperar um rio sem atentar para o espaço em volta é gastar dinheiro à toa. Mesmo com obras eficientes, o curso d`água volta ao estágio anterior de poluição se não há preocupação em regular as atividades que trazem impactos. “É importante em uma área urbana a compatibilização do uso e ocupação do solo em relação à malha hídrica”, defende o professor de engenharia ambiental da
Universidade Federal da Bahia, Luís Roberto Moraes.

Além de planejamento urbano adequado, é preciso fiscalizar quem causa prejuízos ao ecossistema, como as indústrias. No caso habitacional, estipular regras para ocupação e regulamentar o que já está construído nas margens. Muitas vezes a recuperação da vegetação
ciliar ainda envolve identificar e demarcar localidades para parques lineares.

Uma boa tradução

Em Seul, capital sul-coreana, a revitalização do Rio Cheonggyecheon teve resultados surpreendentes. Para voltar o curso d´água ao leito natural, houve uma série de intervenções, o que incluía a demolição de um viaduto. Com as obras e a perda de uma pista, donos das milhares de lojas da região ficaram preocupados com possíveis prejuízos. O que era dor de cabeça virou vantagem: a substituição do viaduto pelo Cheonggyecheon valorizou os imóveis daquela parte da cidade.

Revitalizar um rio também significa pensar em transportes – não necessariamente barcos e canoas. Se damos lugar ao verde e à água dentro do ambiente urbano, eles vão disputar espaço com os carros. Uma saída é reorganizar o trânsito por outras rotas. Só que na maioria das vezes, os carros levam apenas seus motoristas. Por isso, o governo municipal de Seul atuou em lógica diferente. Soluções modernas de tráfego urbano tendem a restringir o carro dentro da cidade. E aí não pode faltar um bom transporte público.  Em Seul, a revitalização do Cheonggyecheon veio acompanhada de melhorias nos sistemas de ônibus e metrô.

O Professor de engenharia ambiental da Yonsei University (Coreia do Sul), Soo Hong Noh, contou sobre a experiência de revitalização do Cheonggyecheon no Segundo Seminário Internacional de Revitalização de Rios. (Foto: Renato Cobucci/ SECOM - MG)
O Professor de engenharia ambiental da Yonsei University (Coreia do Sul), Soo Hong Noh, contou sobre a experiência de revitalização do Cheonggyecheon no Segundo Seminário Internacional de Revitalização de Rios. (Foto: Renato Cobucci/ SECOM – MG)

Limpando o caminho

Para que o rio não se torne lixão irregular, gerir resíduos sólidos é uma das prioridades. A gerente de planejamento do Projeto Tietê da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), Andreia Ferreira, também aponta que as ruas devem estar limpas, o que depende de uma varrição bem feita, a sujeira acaba no rio. “Qualquer bituca de cigarro ou papel de bala que se joga na Avenida Paulista vai pro Tietê”, exemplifica. É onde entra a educação ambiental, outro quesito para uma revitalização bem sucedida. A comunidade tem que se sentir igualmente responsável.

Já a água só não vai tomar bomba nos testes de qualidade se houver saneamento eficaz. Luís Roberto Moraes espera mudança de mentalidade dos gestores públicos, que normalmente investem apenas em tecnologias tradicionais como interceptores e canalizações. Segundo ele, os rios não podem mais ser vistos como canais de transporte de esgoto que incomodam a população, principalmente pelo mau cheiro.

Só que as políticas urbanas não podem ficar isoladas ou pontuais. No caso da Meta 2010, por exemplo, as ações focaram o saneamento e deixaram outras áreas mais de lado, como resíduos urbanos e recuperação de mata ciliar. Geralmente a tendência dos órgãos públicos é trabalhar de modo muito setorizado, mesmo em projetos de revitalização. A gestão integrada costuma não sair do
discurso para aparecer na prática. Luís Roberto aposta que as secretarias de Meio Ambiente poderiam ser as mediadoras desse diálogo entre os vários setores do governo.

Posso ajudar?

Quando a revitalização de um rio vai ser implantada, deixa de ser conversa só de movimento ambientalista e vira papo entre técnicos e gestores. No entanto, nada impede que outros possam dar seus palpites.

No projeto do Cheonggyecheon, a tentativa de equilibrar a balança de interesses foi a criação de três frentes de atuação. Havia uma equipe oficial da prefeitura de Seul. Outro grupo contratado pelo governo, responsável por financiamento e pesquisa. E o terceiro era o comitê dos cidadãos, com a presença de especialistas, comerciantes da região, ONGs, representantes do
segmento religioso, ambiental, entre outros. Nessa estrutura triangular, era possível argumentar, reivindicar, refazer os planos e mudar a agenda das ações.

Desde o princípio, a escolha pela recuperação do Cheonggyecheon já contava com apoio popular. O projeto de revitalização do Rio, cuja discussão já tinha começado no início dos anos 90, foi uma das principais plataformas de campanha do candidato a prefeito de Seul, Lee Myung Bak. Depois de eleito, realizou as obras com êxito durante seu mandato.

Em Minas, o governo estadual tem usado o mecanismo dos seminários e oficinas temáticas em várias cidades da região da Meta 2010. Este ano, o diagnóstico Velhas Sustentável vai identificar os problemas mais comuns junto aos moradores. Outra possibilidade é ampliar a participação de conselhos e comitês de bacia no debate e definição das medidas de revitalização.

Retranca: A revitalização garantida no papel

Dentro de um gabinete de órgão público ou casa legislativa, a revitalização ganha o carimbo de aprovada para finalmente ser feita na prática. Mas como garantir a implantação ou mesmo a continuidade dessas medidas em longo prazo? Uma maneira é a definição por lei. Como revitalizar
corpos d´água exige planejamento urbano, isso pode ser debatido na legislação para o uso e ocupação do solo da cidade. Outro mecanismo são os planos diretores, que definem diretrizes de atuação. Em São Paulo, o Plano Diretor de Esgoto determina quais são as prioridades de saneamento no Tietê. Para o Velhas, as medidas de revitalização estão previstas no Plano Diretor da Bacia.
E a Meta 2010 ainda está assegurado por políticas públicas. Ela passou a ser um dos 57 Projetos Estruturadores do Governo do Estado e está incorporada ao Programa Mineiro de Desenvolvimento Integrado, com planejamento que vale até 2023.

Leia mais na Revista Manuelzão 58

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