Tragédia em Minas Gerais deve secar rios e criar ‘deserto de lama’

16/11/2015

Em matéria veiculada pelo jornal Folha de São Paulo, o coordenador do Manuelzão, fala sobre a tragédia de Mariana e suas desastrosas consequencias para o meio ambiente.

As toneladas de lama que vazaram
no rompimento há dez dias de duas barragens da empresa Samarco em Mariana (MG)
são protagonistas do maior desastre ambiental provocado pela indústria da mineração
brasileira –a Samarco é empresa fruto da sociedade entre a Vale e a
anglo-australiana BHP Billiton.

Sessenta bilhões de litros de
rejeitos de mineração de ferro –o equivalente a 24 mil piscinas olímpicas–
foram despejados ao longo de mais de 500 km na bacia do rio Doce, a quinta
maior do país.

Segundo ecólogos, geofísicos e
gestores ambientais, pode levar décadas, ou mesmo séculos, para que os
prejuízos ambientais sejam revertidos.

Destruídos pelo tsunami marrom,
que deixou ao menos sete mortos e 15 desaparecidos, os distritos de Bento
Rodrigues e Paracatu de Baixo devem se transformar em desertos de lama.

“Esse resíduo de mineração é
infértil porque não tem matéria orgânica. Nada nasce ali. É como plantar na
areia da praia de Copacabana”, diz Maurício Ehrlich, professor de
geotecnia da Coppe-UFRJ (centro de pesquisa em engenharia da Federal do Rio).

“Nada se constrói ali também
porque é um material mole, que não oferece resistência. Vai virar um deserto de
lama, que demorará dezenas de anos para secar”, diz.

Segundo ele, a reconstituição do
solo pode levar “até centenas de anos, que é a escala geológica para a
formação de um novo solo”.

RIO DOCE

Transformado em uma correnteza
espessa de terra e areia, o rio Doce não pode ter sua água captada. O
abastecimento foi suspenso, e cerca de 500 mil pessoas estão com as torneiras
secas.

Especialistas que conhecem a
região descrevem o cenário como “assustador”.

Para Marcus Vinicius Polignano,
presidente do Comitê de Bacia do rio das Velhas e professor da UFMG (Federal de
Minas Gerais), um dos mais graves efeitos do despejo do rejeito nas águas é o
assoreamento de rios e riachos, que ficam mais rasos e têm seus cursos
alterados pelo aumento do volume de sedimentos, no caso, de lama. “É algo
irreversível. Fala-se em remediação mas, no caso da lama nos rios, não existe
isso. Não tem como retirá-la de lá.”

Enquanto está em suspensão no
rio, a lama impede a entrada de luz solar e a oxigenação da água, além de
alterar seu pH, o que sufoca peixes e outros animais aquáticos. A força da lama
ainda arrastou a mata ciliar, que tem função ecológica de dar proteção ao rio.

 

“A perda da biodiversidade
pode demorar décadas para ser reestabelecida. E isso ainda vai depender de
programas montados para esse fim”, diz Ricardo Coelho, ecólogo da UFMG.
“Existe ainda a possibilidade de espécies endêmicas [que existem só
naquela região] serem extintas.”

“Há espécies animais e
vegetais ali que podemos considerar extintas a partir de hoje”, diz o
biólogo e pesquisador André Ruschi, diretor de uma das mais antigas
instituições de pesquisa ambiental no país, a Estação de Biologia Marinha
Augusto Ruschi.

Ele chama a atenção para o fato
de que o rompimento das barragens coincidiu com o período de reprodução de
várias espécies de peixes. “É o maior desastre ambiental da história do
país”, avalia.

Mariana entra para a história
como uma “ferida aberta”, diz Polignano. “É a prova de que nossa
gestão ambiental está falida.”

DANO BILIONÁRIO

A Samarco, empresa fruto de
sociedade entre a Vale e a anglo-australiana BHP Billiton, responsável pela
exploração de minério de ferro nas barragens de Fundão e Santarém, no município
de Mariana (MG), já foi multada pelo Ibama em R$ 250 milhões pelos danos
ambientais causados pelo desastre.

Na última sexta-feira, dia 13, a
Justiça de Minas Gerais determinou o bloqueio de R$ 300 milhões na conta da
Samarco. A decisão liminar decorre de ação civil pública do Ministério Público
Estadual, que listou mais de 500 desabrigados pelo rompimento das barragens. O
valor deve ser revertido para reparação dos danos às vítimas.

Ainda assim, segundo estimativa
de Alessandra Magrini, professora de planejamento energético e ambiental da
Coppe-UFRJ e especialista no cálculo de prejuízos em desastres ambientais, os
danos causados pelo desastre de Mariana “serão da ordem de bilhões”.

“É preciso contabilizar a
produção sacrificada, ou seja, pesca, criações, plantações e outras atividades
econômicas perdidas, mas também os danos aos recursos naturais, à fauna e à
flora e às funções ambientais que eles exercem”, declara.

Magrini foi uma das responsáveis
pelo cálculo da indenização do acidente que despejou 1,3 milhão de litros de
óleo pela Petrobras na baía de Guanabara em 2000. À época, a reparação foi
avaliada em cerca de R$ 350 milhões.

Segundo ela, “recursos
naturais são de valoração pouco trivial”. “Quanto custa a perda de
uma espécie, de um rio ou de um manguezal?”

Ela destaca o acordo feito há
menos de dez dias entre EUA e a petroleira BP, responsável pelo vazamento de
óleo no Golfo do México: US$ 20 bilhões (R$ 76,7 bilhões).

“Para se chegar a este
valor, são necessários estudos do impacto do desastre que levem em conta não só
a extensão do dano no espaço mas também o prejuízo ao longo do tempo”,
diz. “Isso deveria ser feito no caso de Mariana”, avalia.

 

DESOVA DE TARTARUGAS

Desde o dia 5, quando as
barragens romperam, toneladas de lama tomaram o rio Doce em direção a sua foz,
no litoral do Espírito Santo.

O movimento vem sendo monitorado
pelo Serviço Geológico do Brasil, órgão do governo federal, e a lama está
prevista para chegar à cidade de Linhares (ES) na próxima terça-feira, dia 17.

Essa zona costeira é área de
desova da tartaruga-de-couro, espécie que mede até 170 centímetros de
comprimento e que está ameaçada de extinção. O mês de novembro corresponde
justamente ao pico da desova da espécie.

Biólogos do Projeto Tamar
efetuaram a retirada de alguns ninhos do local. Técnicos do Ibama também
desenvolvem ações nos trechos do rio ainda não atingidos pelo rejeito. Segundo
o órgão, o resgate de peixes vivos e sadios e sua preservação em tanques é das
ações mais importantes agora.

TÓXICO OU ATÓXICO?

O rejeito de mineração de ferro,
segundo especialistas, é composto por terra, areia, água e resíduos de ferro,
alumínio e manganês.

Apesar de a composição não ser
considerada tóxica para humanos, a lama funciona como uma “esponja” e
arrasta para dentro do rio outros poluentes. Essa é uma das explicações
possíveis para os altos níveis de mercúrio encontrados em amostras de água
coletadas em Governador Valadares (MG).

“Elementos como mercúrio têm
efeito cumulativo. Uma vez ingeridos, vão passando de um ser vivo a outro na
cadeia alimentar, concentrando-se cada vez mais”, explica o biólogo André
Ruschi.

A contaminação dos organismos por
determinados tipos de metais e outros poluentes pode demorar para aparecer.
“Mas esse impacto pode permanecer durante anos em todo o rio Doce”,
completa o biólogo da UFMG Ricardo Coelho.

Para Denis Bessa, coordenador do
Núcleo de Estudos sobre Poluição Aquática da Unesp, “a esperança é que os
riachos que deságuam no rio Doce tenham muitas espécies de forma que possam
repovoar toda a extensão do rio atingida pela lama”.

Matéria veiculada no jornal Folha de São Paulo

Repórteres: EDUARDO GERAQUE e FERNANDA MENA

Colaborou ALEX CAVALCANTI, de Vitória

 

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