13/08/2011
No segundo dia do workshop, palestrantes debatem experiências ictiológicas e transdisciplinares
Na manhã de sexta-feira, dia 12, teve início o segundo
dia do Workshop Gestão de Bacias Hidrográficas, com a palestra A volta do peixe ao Rio das Velhas,
ministrada pelo biólogo do Projeto
Palestra da prof. Lilian Casatti. (Foto: Acervo Manuelzão), Carlos Bernardo Mascarenhas.
Segundo ele, a volta do peixe é um símbolo favorável para a mobilização na Bacia,
efeito que não seria alcançado tão facilmente com a fauna microscópica, por
exemplo. O biólogo falou acerca do trabalho de biomonitoramento desenvolvido
pelo Projeto e sobre os resultados positivos obtidos na Bacia do Velhas: há
afluentes bem preservados, não existem barragens na calha do Rio, os peixes têm
respondido bem à melhoria da qualidade da água e a maioria das espécies
registradas há 150 anos continuam presentes na Bacia. No entanto, ele destaca
que isso ainda não é suficiente, devido à grande mortandade dos peixes na
Região Metropolitana de Belo Horizonte. Para Carlos Bernardo, o ideal seria
monitorar mais de um grupo biológico e considerar, para além do tratamento da
água, problemas como a questão dos resíduos, erosões, assoreamento e matas
ciliares precárias.
Na continuidade
do tema da manhã, Experiências
Ictiológicas, a segunda palestra, apresentada pela professora da
Universidade Estadual Paulista, Lilian Casatti, também concluiu que os peixes
podem ser utilizados na gestão de bacias hidrográficas. Lilian contou sobre a
experiência paulista nas áreas não urbanas, onde a qualidade do habitat físico
é predominantemente pobre e muitos locais sofrem homogeneização e/ou encontram-se
degradados. A região metropolitana de São Paulo já importa água de Minas, uma
vez que lá o recurso se tornou insuficiente. A pesquisadora destacou, ainda,
ações prioritárias para a conservação da ictiofauna (conjunto de espécies de
peixes de uma região), como a restauração das matas ciliares e a criação de
unidades de conservação.
Uwe Schulz falou sobre a Bacia do Rio Sinos. (Foto: Acervo Manuelzão)A
terceira palestra foi conduzida pelo professor e pesquisador da Unisinos, Uwe
Schulz. Inicialmente, ele expôs um panorama sobre as características da região
em que desenvolve seus trabalhos, a Bacia do Rio dos Sinos, nordeste do Rio
Grande do Sul. Quem assistia à palestra ficou impressionado com as imagens de
mortandade de peixes na parte baixa do Rio, na cidade de Novo Hamburgo, em
2006. Segundo o pesquisador, o desastre contabilizou cerca de 100 toneladas de
peixes mortos. Em seguida, o professor explicou alguns projetos das
pesquisas que integra. O primeiro foi o Projeto Dourado, estudo que usa o peixe
para mapear as áreas de banhadas, ecossistema importante para a conservação da
Bacia. Outro estudo apresentado foi o Projeto MONALISA, pesquisa que engloba
monitoramento, levantamento, cadastro e identificação de realidades que
influenciam a qualidade e quantidade dos recursos hídricos da Bacia dos Sinos.
Shulz ressaltou a participação de grupos voluntários locais, que receberam
informações sobre limnologia de rios e riachos e impactos ambientais;
treinamento para utilização de GPS e câmera fotográfica; instruções para
preenchimento das fichas sobre a situação de áreas observadas e transferência
de dados via internet por meio de ambiente virtual da universidade. Ele
explicou que os dados colhidos são processados pelos universitários e divulgados.
Ao todo, o curso formou cerca de 800 pessoas. O pesquisador apresentou ainda o
Projeto Verde Sinos, que propõe sanar um dos principais problemas da bacia, a
ausência de mata ciliar.
A integridade
biótica continuou em discussão com a palestra do professor da PUC Goiás e
doutor em ecologia de ecossistemas aquáticos, Francisco Leonardo. Ele contou
sobre suas pesquisas desenvolvidas na Bacia do Rio Paraná. O pesquisador
explicou que em seu trabalho foi usado um índice desenvolvido na França, o Fish Based Index (IBP), que envolve a
relação de peixe e ambiente e considera diversos fatores, como por exemplo, físico-químicos
e geomorfológicos. Francisco comparou esse modelo com outro utilizado, o IBI, e
ressaltou que o IBP é sensível tanto para impactos aquáticos quanto terrestres
além de ter a vantagem de poder incorporar novas informações e se tornar mais
robusto. Em seguida, o professor explicou o trabalho realizado no Ribeirão João
Leite, que propunha um levantamento da ictiofauna da Bacia com objetivo de
desenvolver um plano de gestão ambiental para conservação, preservação e manejo.
A pesquisa comparou ambientes minimamente perturbados com ambientes atingidos
pelas ações humanas. Ao todo, foram observados 51 trechos, sendo 12 preservados
em cinco riachos do Parque Ecológico Altamira de Moura Pacheco e outros 39 não
preservados. Nesses últimos trechos, o pesquisador identificou como principais
atividades a agropecuária, o turismo e a criação de reservatórios de água. Francisco
observou que os impactos citados nos trabalhos dos colegas palestrantes são
semelhantes aos estudos feitos por ele no Ribeirão João Leite e atribuiu essa
homogeneidade ao modelo econômico.
A última
palestra da manhã, Programa Peixe Vivo CEMIG: a construção de parcerias
para uma melhor gestão de bacias hidrográficas em Minas Gerais foi
ministrada por João
de Magalhães, que falou sobre os riscos ecológicos trazidos pela implantação,
ao longo dos cursos d’água, de reservatórios, o que leva à redução da
diversidade das espécies de peixes, principalmente as espécies migradoras. Ele
também explicou que existem métodos de mitigação e controle dos impactos, mas
seus resultados ainda não foram avaliados. João apresentou o programa Peixe
Vivo, criado em 2007, com o objetivo de desenvolver soluções para a interação
entre as usinas hidrelétricas e os peixes, de modo a evitar acidentes
ambientais. Desde sua criação, não foram mais registrados acidentes pontuais
envolvendo a ictiofauna. “Hoje as operações que põem em risco a ictiofauna são
vetadas. Aprendemos a lição da pior forma, com um grande acidente que houve em
Três Marias”, esclarece.
Tudo muito
(inter) ligado
Palestra de Lafayette Dantas, da UFBA. (Foto: Acervo Manuelzão)Após o
almoço, a discussão voltou com a mesa redonda: Experiências transdisciplinares, aberta com a palestra Vazões
ecológicas, conduzida
por Lafayette Dantas da Luz, da Universidade Federal da Bahia. Ele
começou observando que as barragens constituem um dos maiores impactos sobre os
cursos d’água e que a barragem de Sobradinho é a que mais impacta o Rio São
Francisco. Lafayette explicou que a alteração das variáveis hidrológicas causam
mudanças no habitat e perda de conectividade do rio com áreas vizinhas. Ele
também abordou os conceitos de vazões hidrológicas, (as quais matém as
características hidrológicas que possuem importância ecológica) e vazões
ecológicas (fluxos que garantem processos e condições ecológicas em bom estado)
e destacou que as questões ambientais são parte inseparável e integrante das
atividades humanas, não algo à parte. Lafayette levantou as principais questões
para a determinação das vazões ambientais e concluiu enfatizando a dificuldade
que se tem para alcançar a transdisciplinaridade.
A segunda
palestra da tarde foi Transposição de bacias no semi-árido: desafios em
gestão ambiental, com José Etham Barbosa, da Universidade Estadual da
Paraíba. O pesquisador apresentou dados das zonas áridas e semi-áridas, em
expansão no mundo, e salientou três políticas públicas utilizadas nessas
regiões do Brasil. A primeira delas é a açudagem e perfuração de poços, a
antiga “solução hidráulica” contra as secas, política muito danosa e
emblemática no semi-árido. Suas principais falhas, segundo Etham, são o
desconhecimento do lençol freático, a ausência de continuidade e manutenção dos
poços, a intermitência dos rios, o risco de evaporação dos açudes e sua baixa
eficiência. A segunda política pública é a que adota cisternas, barragens
subterrâneas e dessalinizadores. Para o pesquisador, são soluções essenciais
para a fixação da população no local de origem, mas a gestão inadequada da água
das cisternas e a falta de manutenção – que oferece riscos à saúde – constituem
problemas relevantes. Além disso, o clientelismo e a forte indústria dos
carros-pipas são outros entraves. Por fim, a terceira política está relacionada
aos grandes transportes de água e à integração de bacias hidrográficas, o que
seria a “nova solução hidráulica”. De acordo com Etham, todos os projetos de
transposição põem a segurança hídrica em segundo plano, priorizando a
irrigação. Ele chamou a atenção para outros problemas, como a deficiência do
tratamento de esgoto, a eutrofização dos reservatórios paraibanos e a ameaça
das barragens à segurança hídrica da região. Além disso, há problemas com as
atividades mineradoras, a desertificação e salinização dos solos. “A síntese é
que não existe solução, mas um conjunto de soluções, cada uma com sua
finalidade e adequação”, finaliza Etham.
Experiências do Equador foram trazidas pela pesquisadora Andrea Encalada. (Foto: Acervo Manuelzão) Após José Etham, a pesquisadora Andrea
Encalada explicou sua experiência de estudos sobre vazão ecológica (caudal
ecológico), quantidade de água que o rio deve manter para permitir o equilíbrio
do ecossistema e o desenvolvimento de atividades como o abastecimento,
irrigação, pesca, lazer, produção de energia. Os trabalhos foram desenvolvidos
no Equador, no Rio Pastaza, um dos afluentes do Rio Amazonas. Além da meta de
estabelecer classes de manejo recomendáveis, o estudo procurou determinar o
atual estado ambiental da Bacia. Andrea falou sobre as características da Bacia
e explicou a metodologia utilizada pelo grupo de pesquisa para a determinação
de índices de vazão ecológica. Como futuros pontos a serem desenvolvidos, a
pesquisadora citou a necessidade de trabalhar com os usuários, o monitoramento,
implementação e indicação de vazões, além do manejo adaptativo dos mesmos.
Em seguida, um dos coordenadores do Projeto Manuelzão e professor do
Departamento de Medicina Preventiva e Social da UFMG, Thomaz da Matta Machado, conduziu
a palestra Experiências de abordagem ecossistêmica na gestão de
bacias: uma que avançou – a bacia do Velhas e outra que não avançou – a Racia
do Rio São Francisco. Thomaz relembrou a
implementação da Meta 2010 na Bacia do Rio das Velhas e destacou os avanços
conseguidos a partir dessa política. Para ele, a abordagem sistêmica e a
consideração de aspectos bióticos na gestão das águas foram sucessos. O
professor deu destaque também para a Meta 2014 e ressaltou que a população já
está começando a incorporar sua proposta. Logo após, Thomaz falou sobre as
deficiências e necessidades para a gestão da Bacia do Rio São Francisco. Ele
apontou como principal problema do Velho Chico os impactos provocados pelas
barragens. De acordo com o professor, a gestão da Bacia é feita pelo sistema
hidrelétrico, que controla, inclusive, os períodos de cheia e seca do rio.
Thomaz enumerou como necessidades para a Bacia a interferência na operação
dessas empresas, o conhecimento do ecossistema do rio, a ampliação de parcerias
e a viabilização de uma gestão ecossistêmica.
Para encerrar o Workshop, o convidado
foi o idealizador do Projeto Manuelzão e também professor da Faculdade de
Medicina da UFMG, Apolo Heringer Lisboa. Ele contou sobre o início do Projeto,
que criou um movimento de mobilização social com eixo nas águas. O professor
ressaltou que a proposta do Manuelzão é, por meio da transdisciplinaridade,
mudar a mentalidade humana. Ele falou sobre o desejo desse movimento se
espalhar pelo mundo e lembrou que o meio ambiente não é delimitado por divisões
políticas. No final da palestra, Apolo reforçou o compromisso que cada um deve
ter para esse processo e que a ousadia de assumir riscos é fundamental.
Bons resultados
Marcos Callisto, Juliana França e Carlos Bernardo fizeram uma avaliação positiva do Workshop. (Foto: Acervo Manuelzão)“Todos saíram daqui com uma impressão muito boa e,
inclusive, dizendo que já chegam ao local de trabalho na semana que vem com a cabeça
fervilhando de ideias, palavras da Lilian, uma das convidadas”, conta o biólogo
e pesquisador do Projeto Manuelzão, Carlos Bernardo Mascarenhas, o Cacá. O
professor Marcos Callisto, que idealizou o evento juntamente com Carlos Bernardo,
contou que a ideia de realizar o Workshop surgiu em outubro do ano passado,
quando viu a importância de fazer um evento que chamasse diferentes colegas de
Minas, do Brasil e de outros países para discutir e refletir as bases teóricas
do trabalho que havia sendo desenvolvido. “A
gente vislumbrava a necessidade de procurar aprender mais com outras realidades,
de organizar internamente para colocar o que a gente vem fazendo para outros
grupos com um público mais amplo, e da mesma forma, aproveitar isso para
formação de nossas próprias equipes, explica Callisto.
Segundo a Comissão
Organizadora, 257 pessoas participaram do Workshop, sendo a maioria de
profissionais que trabalham com gestão de bacias, chegando a aproximadamente
64% dos inscritos. Em 2007, foi realizado um evento nos mesmos moldes desse, o Workshop sobre Biomonitoramento de Bacias Hidrográficas: Experiências e
Metodologias, que
pretendia contribuir para a padronização de metodologias e síntese de informações
técnico-científicas como base para a gestão de recursos hídricos. De acordo com
Callisto e Cacá, naquela época foram enfatizadas as experiências de colegas
norte-americanos. O atual Workshop reuniu palestrantes de diferentes
instituições e países, somando, ao todo, 17 palestras.
Callisto
ressalta que houve a preocupação em trazer pessoas de várias influências para
exercer não só a transdisciplinaridade, mas também, proporcionar uma formação
múltipla, “trans-formacao”,
para os estudantes de graduação, pós-graduação e aqueles que integram o grupo. “O tempo todo, os colegas nossos,
que ainda estão em fase de formação, foram convidados a participar das reuniões,
da logística”, explica. Para ele, essa foi uma forma de preparar os estudantes
a lidar com grandes pesquisadores e autoridades e incentivar o trabalho em equipe.
Cacá acredita que todos os trabalhos apresentados dialogam de alguma
forma com o Projeto Manuelzão, assim como o Manuelzão também tem um caráter complementar
para os pesquisadores que participaram do Workshop. Entre as ideias que podem
ser adaptadas para o Projeto Manuelzão, Cacá citou a experiência da participação
da comunidade no trabalho de Uwe Schulz e os modelos de índices de integridade
biótica utilizados na Europa.