05/11/2025
Atingidos pelo maior crime socioambiental da história do país ainda aguardam justiça
O rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, o maior desastre socioambiental da história do Brasil, completa dez anos nesta quarta-feira, 5, sem que nenhum responsável tenha sido punido. No dia 5 de novembro de 2015, a barragem se rompeu despejando cerca de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração sobre o subdistrito de Bento Rodrigues.
A avalanche de lama varreu comunidades inteiras, matou 19 pessoas e deixou mais de 600 mil desabrigadas. No total, 228 municípios de Minas Gerais e do Espírito Santo foram impactados. Os rejeitos percorreram mais de 600 quilômetros pela bacia do Rio Doce até desaguar no oceano Atlântico, contaminando as águas e comprometendo o abastecimento, a biodiversidade e o modo de vida das regiões próximas, incluindo territórios de povos indígenas e comunidades tradicionais.
O Rio Doce — Watu para os Krenak, avô ancestral que conecta todas as formas de vida — foi assassinado, a lama destruiu vínculos sagrados entre pessoas e águas de maneira irreversível. Estudos contratados pelo Ministério Público Federal apontam que a remoção natural dos rejeitos do fundo do rio levará cerca de 160 anos.
A barragem era de responsabilidade da Samarco e suas acionistas, Vale e BHP Billiton que, apesar dos relatórios que apontavam o risco, nada fizeram para impedir o rompimento criminoso. Em 2016, as responsáveis criaram a Fundação Renova para trabalhar em medidas reparatórias. No entanto, a atuação da empresa acumulava denúncias de fraudes fiscais, propaganda enganosa e atrasos nos reassentamentos. Um novo acordo, firmado no ano passado, extinguiu a Fundação.
Até hoje, nenhuma das empresas foi punida criminalmente pelo rompimento da barragem. O coordenador do Projeto Manuelzão, professor Marcus Vinícius Polignano, destacou a fragilidade do processo de reparação. “Muitos moradores que perderam suas casas não foram reparados, milhares não foram reconhecidos como atingidos e a pesca não voltou no Rio Doce, que continua contaminado, comprometendo o abastecimento de água em muitas cidades”, afirma.
Em 14 de novembro de 2024, a Justiça Federal absolveu Samarco, Vale, BHP Billiton, a consultoria VogBR, que atestou falsamente a segurança da estrutura que se rompeu e outras sete pessoas que respondiam criminalmente pelo desastre. A juíza federal provisória Patricia Alencar Teixeira de Carvalho considerou que os documentos, laudos e testemunhas ouvidas no processo não demonstraram de forma individualizada como cada réu contribuiu para o rompimento, aplicando o princípio de presunção da inocência.
O Ministério Público Federal (MPF) recorreu, argumentando que grandes crimes ambientais não resultam de ações isoladas, mas da omissão de uma complexa estrutura organizacional. O recurso aguarda julgamento enquanto muitos dos crimes já prescreveram. Há duas semanas, no dia 23 de outubro, as empresas Vale e BHP Billiton foram multadas em R$1,92 bilhões pela Receita Federal por tentarem usar gastos com a tragédia em Mariana para abater impostos. O reassentamento das famílias atingidas ainda não foi concluído.
Hoje, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) realiza atos de memória e protesto, incluindo plenária popular com representantes do Governo Federal, nos arredores do Palácio da Inconfidência, uma marcha pela soberania popular e um ato em defesa dos direitos dos atingidos.
“O rompimento da barragem de Fundão representa a demonstração da falência do sistema de fiscalização das barragens minerárias e dos licenciamentos ambientais em Minas Gerais”, afirma Polignano. “O que foi descoberto recentemente com a operação Rejeito, esse esquema praticamente de inserção da mineração dentro do estado, infelizmente produz essas tragédias e compromete seu papel de organização e fiscalização das ações ambientais em Minas e no Brasil”.
Como defende o professor, essa é uma data a ser lembrada como uma cicatriz que não se fecha na história de Minas Gerais — resultado de um modelo extrativista que coloca o lucro acima da vida.