Uma Nova Cultura Para Além da Escassez

05/08/2015

A crise está nas ruas e por isso a democracia tem valor. Ela nos tira da zona de conforto e nos obriga a pensar, refletir e reagir

Nada melhor que um contexto de crise para nos dar a sensação de que a vida muda, que a história anda e precisa ser mudada. A crise nos faz importantes, pois fazemos parte dela e passamos a ser ouvidos.
    A crise está nas ruas, na academia, na política, e por isso a democracia tem valor. Ela nos tira da zona de conforto, do esperar acontecer e nos obriga a pensar, a refletir sobre o porquê de chegarmos a este ponto e como reagir. A crise nos tira as certezas que julgávamos ser verdades absolutas e eternas, nos tira o chão e nos precipita no voo. O voo nos leva a buscar novas referências e novos caminhos. Não chegamos à escassez hídrica por acaso, mas por um caminho que a nossa cultura construiu.
    A nossa cultura elaborada socialmente e perpetuada através da reprodução do conhecimento nos levou a pensar e agir sobre o ambiente de forma arrogante e prepotente. Nos posicionamos acima de todas as espécies, da biodiversidade, do planeta e até da própria vida.
    Fizemos do planeta Terra uma ”grande oportunidade de negócios”, e resolvemos consumi-lo como forma de geração de riqueza. Esquecendo que a maior riqueza do planeta é a própria vida. E nem mesmo poupamos os da nossa espécie. Matamos e violentamos até os nossos próprios irmãos.
    Nossos rios não ficaram imunes a este processo de destruição coletivo. Eles estão morrendo de sede, pois não tem água. Antes eles nos alimentavam, hoje morrem de sede.
    Mas a crise é uma escola, e nos ensina. Neste contexto, descobrimos que as empresas de saneamento não produzem água, mas apenas tratam e distribuem o que captam de nossos mananciais. Que estes dependem de sistemas naturais complexos que requerem áreas de recarga, solo permeável, áreas de proteção, vegetação e nascentes para se manterem vivos.
    Ao longo de nossa história geramos uma cultura de degradação e de morte lenta dos rios, e assim passamos  despejando esgotos domésticos, efluentes industriais e minerários para dentro dos cursos d’água. As nascentes foram degradadas, aterradas e enterradas e córregos deixaram de ser perenes para se tornarem intermitentes. Com isso, os afluentes deixam de alimentar o Rio das Velhas, que como outros, deixam de alimentar o São Francisco. Assim vai se formando um cemitério de rios.
    A crise nos ensina que a degradação não é conceito, mas uma instituição, pois nossa cultura legitima e reforça este modelo com o argumento do crescimento a qualquer custo. A escassez não é somente hídrica. Ela também é ética, política, de falta de compromisso com a questão ambiental, com a justiça social e com as gerações futuras.
    Portanto, há muito o Projeto Manuelzão defende que as mudanças necessárias e fundamentais tem que vir através da cultura. De uma cultura que seja “permeável” a água e comprometida com a vida. Uma cultura que entenda cada nascente como expressão do nascimento da vida e da necessidade de preservação, que torne as cidades “permeáveis”, deixando os rios existirem e seguir seu caminho natural sem poluição.
    Que preservar e não poluir seja a preocupação básica e fundamental de qualquer empreendimento, que poupar anteceda em muito o consumir; que a responsabilidade com a vida se torne o compromisso maior e essencial da sociedade.
Infelizmente, nossa atual cultura é da escassez, que representa o fim de um modelo. Continuar a reproduzi-lo é levar o processo a exaustão total, da qual com certeza não teremos salvação.
    A crise só não pode nos privar de futuro, pois nela também há os oportunistas que ao invés de procurar rever conceitos, querem apenas vender soluções simplificadas do mesmo. Repetindo modelos e não pensando o novo.  A crise tem que ser uma ponte para novos paradigmas e não para o precipício. Nela os prejuízos são socializados.
    Assim, apesar da escassez de água, da energia e do ambiente, o lucro que não cessa a mudança de modelos não é discutido. É possível aumentar as tarifas, garantir os lucros do capital e socializar a má gestão de serviços e do modelo ambiental, seguindo a expressão-símbolo do liberalismo econômico “laissez faire, laissez aller, laissez passer”, que significa literalmente “deixai fazer, deixai ir, deixai passar”.
    Nesse contexto, o FestiVelhas Manuelzão convoca a todos para refletirem e pensarem sobre este estado de coisas, resgatando as raízes históricas e culturais para entender que somos fruto desta fusão de ideais, energias e expressões. Temos que utilizar isso para resgatar a história do Rio das Velhas para que possamos reconstruí-la de outra forma para o futuro.

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